Por: Letícia Silveira
Introdução
Sendo o primeiro capítulo de suma importância, como será visto a seguir, não serão apenas os iniciantes os beneficiados com esse artigo. Aqueles que acabam escrevendo algumas linhas que matam qualquer beta-reader ou leitor que já tenha esse senso crítico também poderão apropriar a sua escrita através desse texto.
Sabe aquela famosa primeira linha de “Meu nome é Xis, tenho tantos anos...”, que dá início a uma introdução da personagem? Ou aquelas que dizem depois “Ah, me desculpem” ou “Ah, me esqueci de me apresentar”? Assumo que já escrevi coisas assim — e, nesse e em todos os momentos, tenho vontade de tacar fogo nas minhas fanfics. E esse desejo não cresce por ser errado começar uma história desse jeito, mas sim porque é inadequado, sendo sinônimo do amadorismo. Há uma diferença tênue entre esses termos.
Vamos, então, às dicas? Para iniciá-las, é preciso haver o entendimento da importância do primeiro capítulo (não só para o escritor como também para o leitor).
“A primeira impressão é a que fica”
O primeiro capítulo é a segunda coisa que mais representa a sua fanfic (já que a primeira é a sinopse). Do enredo, porém, será o capítulo mais importante por introduzir o leitor a um novo mundo, ao mundo que você proporcionou e continuará proporcionando a ele.
Nesse primeiro capítulo, além de introduzir a história, você também mostrará o seu estilo de escrita. Por acaso, você se lembra do velho ditado “a primeira impressão é a que fica”? Logo, em livros, é exatamente assim. Se a pessoa ler o seu primeiro capítulo com o seu estilo e não gostar, adeus, leitor. Ele não terá piedade de abandonar a fanfic, e ninguém quer que isso ocorra, certo? Por isso, preste atenção nas dicas que aqui serão distribuídas especialmente para você. Não se quer ofender ninguém, aqui se busca ajudá-lo.
Rabiscando em um computador
Espera-se que você já tenha montado o início, o meio e o fim da sua história. Caso contrário, não está na hora ainda de escrever o primeiro capítulo. Depois de ter feito já a descrição do que ocorrerá na fanfic, escreva um parágrafo resumindo os principais acontecimentos do primeiro capítulo, que deve iniciar a trama da fanfic. Por exemplo (e esse exemplo foi baseado em uma novela mexicana e, por isso, é dramático):
“Maria é uma policial disfarçada em um pequeno vilarejo. Fingindo ser uma fotógrafa de lugares exóticos, o seu verdadeiro objetivo era prender o corrupto prefeito do local. Apaixonada pela justiça, ela não contava com o paradigma de um novo visitante por quem se apaixonará: um fugitivo da polícia que está usurpando o lugar de um morto. Agora, ela terá de escolher entre o amor e a justiça.”
Nesse parágrafo, há uma pequena apresentação da trama. É algo que ocorre antes do clímax, ou seja, do auge da história que iniciará a partir da confusão do paradigma amor-justiça no caso do exemplo. Os acontecimentos aqui narrados dão início a, justamente, esse auge. Para constar, muitos escritores americanos, principalmente de ficção, utilizam esse meio para escrever histórias. Pois é, aquele livro que você idolatra não começou com o primeiro capítulo — começou assim mesmo: com um parágrafo aleatório e introdutório.
Depois de ter feito isso, tente expandir esse parágrafo. Adicione informações a ele, preencha-o — sempre, é claro, dando coerência. Continuando o exemplo acima, mencionar-se-ia o conflito interno da personagem diante de tal paradigma. Tentar-se-ia expandir a situação para o quadro psicológico.
Quando você terminar esse parágrafo, você poderá começar a escrever o primeiro capítulo utilizando várias ideias que foram distribuídas nele, mas começando o capítulo do zero. Será um jeito de você ver as perguntas que surgem com o clímax para tentar colocá-las no primeiro capítulo para o leitor querer continuar a sua leitura, a fim de resolver os mistérios que despertaram a sua curiosidade.
Ambientação e sua descrição
Seguindo em frente, após escrever esse pequeno parágrafo, note em que lugar você começou a narrar a fanfic. Naquele parágrafo de exemplo, não se mencionou o local de início, então se começaria por algum lugar do vilarejo caso o foco narrativo começasse com Maria. Senão, se o foco pertencesse ao fugitivo, poderia indicar que tudo iniciou na fuga da prisão, o que também daria certo ritmo à história.
Logo, isso é muito importante: dar intensidade para não entediar o leitor. Como é a parte mais importante do livro, tente prender o leitor logo ali, mas sem apelar para lutas, invasores ou qualquer outra coisa. Não crie um novo acontecimento a cada capítulo apenas para prender o leitor. O desenvolvimento do enredo já o faz por si mesmo.
Além disso, trate de realmente ambientar o local. Não diga algo como “estava na prisão”, diga “as paredes o cercavam por diversos lados, e, quando não as havia, se sentia como um animal enjaulado”.
Além de tudo já mencionado, é importante também realçar que o primeiro capítulo demonstra ao leitor o onde e o quando. Não é preciso mencionar obviamente, apenas guie sem pesar muito nas descrições.
Caracterização das personagens
É aqui que encontramos o elemento que prenderá o leitor à fanfic. Assim que houver uma identificação com uma personagem, o leitor quererá saber o que acontecerá em seguida, qual será o próximo acontecimento ou como ele resolverá o problema.
Chuck Wendig, romancista, roteirista e designer de jogos, disse:
“Se eu chegar ao final do primeiro capítulo e eu não tiver uma ideia sobre o seu personagem principal — se eu e ela não estivermos conectados através de alguma corda psíquica pegajosa invisível — eu estou fora. Eu não preciso gostar dela. Eu não preciso saber tudo sobre ela. Mas eu tenho a maldita certeza de que preciso me preocupar com ela. Faça-me importar! Acione o botão de volume do fator se importar. Deixe-me saber quem ela é. Faça-me temer por ela. Fale-me de sua busca. Sussurre para mim por que é importante a sua história. Dê-me isso, e eu vou segui-la através das entranhas do Inferno”.
Sendo assim, nunca idealize uma pessoa. Ninguém é perfeito, nós sabemos disso. Então, aproveite para explorar os defeitos — bem como as qualidades. Não faça alguém só cheio de defeitos ou só cheio de qualidades. Tente sempre conciliar as características. Para facilitar esse processo, pode até basear a pessoa em você (nada ao pé da letra como nome, idade, colégio, nome dos amigos...), pois o melhor é sempre você escrever sobre algo que você domine. Se não souber descrever lutas, por exemplo, fuja delas. Coisas do gênero. Quanto mais você souber sobre o que você está falando, melhor.
Foco, foco! Voltemos à introdução, observando que não queremos uma avalanche de detalhes da personagem. É preciso desenvolvê-la aos poucos. Por exemplo, “Maria era uma policial séria, discreta, paciente e racional” não seria escrito. Desenvolver-se-ia ao longo do capítulo para não deixar isso tão previsível.
E, quando você for escrever algo como “— Só pode ser praga! — exclamou ele”, procure dar mais informações. Diga algo como “exclamou ele, cerrando os punhos e os levando à cabeça, enquanto o seu queixo tremia devido à sua força”. Isso demonstraria a irritabilidade desse personagem recém-criado. Assim, é mais legal o leitor se envolver na história ao juntar as peças do quebra-cabeça do que você dar um quebra-cabeça completo. Qual seria a graça do presente? E é justamente isso que a leitura é ao leitor: um presente. Podemos viajar, podemos esquecer, podemos viver. É um reino mágico onde não deveria ser tão difícil de entrar, certo? Deveria haver mais autores, certo? Errado. Escrever é difícil, é necessário dedicação. E, principalmente, leitura. Vamos ver a equação da escrita:
Leitura está para escrever assim como escutar está para falar. Se você não escutar, não conseguirá falar algo que preste. Ou seja, se você não ler, não conseguirá escrever decentemente.
Diálogo é o que há
Além disso, é essencial realçar a importância dos diálogos. É o melhor caminho de caracterizar um personagem, repassando os aspectos físicos e emocionais que você pensou ao escrever. Diálogo é o jeito mais rápido de fazer o leitor conhecer a personagem.
Aliás, é um dos melhores jeitos de começar o primeiro parágrafo da sua história. É melhor que “Era uma vez”, que “Era o ano de XXXX” ou que “Maria estava caminhando pelo vilarejo”. Porém, não pode ser qualquer diálogo. Tem de ser bom, tem de ser intrigante, tem de grudar o leitor ao computador e fazê-lo nunca querer tirar a cara dali. Por isso, muitas histórias possuem o Prólogo. Essa parte revela algo crucial à história, podendo conter alguma coisa da própria ação. Por exemplo, se eu começasse uma história de ação com um Prólogo assim, você leria?
“— Dave, por favor, não fica mais aqui. Eles estão vindo, eles estão vindo! — por mais aguda que a sua voz estivesse, verdadeiramente, ela não queria que ele saísse dali. Em um acesso de egoísmo, queria agarrá-lo e apenas ficar ali com ele, mas não conseguiria privá-lo de sua própria vida.
— Não, Duda, eu vou te tirar daqui, eu prometo. — a sua voz era firme ainda que os seus olhos estivessem cheios d’água.
Mais uma vez, ele tentou retirá-la das ferrugens do carro em que estava preso o seu pé. Em meio às lágrimas, Duda já não sentia mais a dor física, agora apenas se preocupava com David, que morreria junto a ela por tentar salvá-la. Ela realmente tinha feito algo para merecer morrer, mas ele, não. Com certeza, o rapaz não merecia um destino tão cruel quanto aquele”.
Há, aí, a tentativa de estabelecer um trecho que ocorreria no meio da fanfic. E, afinal, você ficou curioso para saber o que está acontecendo com a Duda? Qual é a relação entre ela e o David? Como eles são? Quem está vindo? Essa é uma dica que também vale ouro: desperte perguntas que você seja capaz de responder depois. Até você esclarecê-las, o leitor está preso a você.
Por conseguinte, busque ser o mais realista possível com os diálogos; de tal maneira, as personagens não precisam falar na norma culta — a não ser que seja uma fanfic escrita no passado ou algo da sociedade de mórmons (?). Use gírias, saia da concordância verbal — os faça pessoas reais, parecidas com quem você convive. Dependendo da idade, falará de um jeito. Se baseie, por exemplo, em adolescentes que você conhece para escrever os diálogos deles. Claro, procure evitar tantos estrangeirismos (principalmente das palavras em inglês) para não guiar a fanfic ao grupo de pessoas que entende essa língua e não exagere demais. É sempre bom ter uma margem bem ampla de público, ficando sempre aberto a todos. Há, porém, aqueles que se desafiam e fazem algo bem restrito, e penso que eles merecem palmas.
Conclusão
Em suma, para ter um bom primeiro capítulo, é necessário introduzir sobre o que é a fanfic. Além disso, cuide sempre a ambientação sem optar pelo óbvio assim como deve ser feito na caracterização das personagens. Busque sempre o próximo do real e dê o seu ponto de vista sobre ele.
O primeiro capítulo deve ser o mais difícil de escrever, não se preocupe. Você não está sozinho nessa, pois todos passam pelo mesmo problema. Não sendo monótono, você conseguirá uma grande abertura para a sua fanfic. Se tiver dúvidas se o primeiro capítulo está entediante, contrate um beta-reader (que permanecerá lá dando o seu ponto de vista por toda a história), pois ele criticará coisas assim (além de muito mais).
Lembre-se: a sua missão aqui na Terra é a de abduzir leitores. Caso você não o faça, voltará para o seu planeta de origem.
Fontes:
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Letícia Silveira é vestibulanda, beta-reader, ficwriter e colaboradora das aulas do NYAH! Fanfiction junto à Lady Salieri. Indecisa sobre qual carreira deve seguir, segue em busca de respostas ainda que as tema escutar.