Adriana Lisboa, nascida no Rio de Janeiro, publicou dez
livros e suas obras já foram traduzidas em vários países, incluindo França,
Estados Unidos, México, Itália, Suécia e Suíça. Dentre elas, Contos
Populares Japoneses foi a primeira que li. Trata-se de pequenos contos que
retratam algumas lendas e mitos japoneses, todos escritos numa releitura do
ponto de vista da autora. Adriana concordou em falar um pouquinho sobre ela e a
entrevista você confere logo abaixo…
1. Quando você soube que queria ser escritora? Quais foram suas
maiores fontes de inspiração?
Eu soube desde cedo que queria ser escritora, desde que comecei a escrever os
meus primeiros poemas, aos nove anos de idade, na escola. Acabei indo estudar
música na faculdade, mas sempre escrevi nas horas vagas, e finalmente aos 29
anos publiquei meu primeiro romance e comecei a me dedicar somente à literatura
(como tradutora também, durante dez anos, para fechar as contas, mas hoje
somente como ficcionista). Minhas maiores fontes de inspiração sempre foram em
primeiro lugar os livros que tive o grande privilégio de ler ao longo da vida,
mas também a própria vida, a existência cotidiana, que está cheia de momentos
surpreendentes.
2. De que maneira você descreveria o processo de escrita dos seus
livros? Você faz algum tipo de pesquisa ou preparação?
Depende muito do que vou escrever. Em alguns casos, a pesquisa histórica é
necessária, como num romance em que recriei a Guerrilha do Araguaia, ou as
leituras sobre a Guerra do Vietnã que estou fazendo atualmente. Em outros
casos, pesquisei a obra de determinados autores, como os poetas Manuel Bandeira
e Matsuo Bashô. Às vezes a pesquisa pode ser sobre uma determinada doença,
cidade ou tradição. Toda obra de ficção envolve pelo menos algum tipo de
pesquisa. Já com a poesia é diferente, é um processo muito mais instantâneo,
comparável a tirar fotografias.
3. Você nasceu aqui no Brasil, morou na França, passou pelo Japão e
hoje mora nos Estados Unidos. Essa diversidade cultural influenciou na sua
maneira de escrever, nos personagens e nas situações em suas obras?
Influenciou e influencia muito. Observar as diferenças é uma das coisas mais
fantásticas da vida – e claro que não é preciso dar a volta ao mundo para isso.
Basta ir para uma cidade perto da sua, ou mesmo para um outro bairro dentro da
sua cidade. No meu caso, a sorte de ter podido entrar em contato com culturas
tão diferentes me fez relativizar muita coisa na minha escrita e na minha
própria vida. Principalmente, eu diria, desenvolver um olhar de curiosidade,
que não espera que o outro seja igual a mim. É algo que venho tentando
transmitir sempre nos meus livros: o valor das diferenças.
4. No seu livro “Contos populares japoneses”,
você nos mostra muito da mitologia e do misticismo nipônico. Quando esse
interesse pelo Japão surgiu?
Minha história com o Japão, que nunca teve a ver com uma busca de exotismo,
começou quando me interessei pelo zen-budismo, há uns doze anos, e comecei a
ler um pouco da filosofia e da poesia japonesas. Acabei fazendo minha pesquisa
de doutorado sobre o poeta Matsuo Bashô, estive em Kyoto e Tóquio com uma bolsa
da Fundação Japão, e escrevi dois livros inspirados pelo país: “Contos
populares japoneses” e “Rakushisha.” Hoje em dia eu sou membro de um centro zen
aqui nos Estados Unidos (em Denver), de tradição japonesa. Também continuo
estudando o idioma – quem sabe um dia vou ser fluente! Eu me identifico
profundamente com certos valores muito presentes na cultura clássica japonesa,
como a impermanência, a incompletude, a assimetria, a irregularidade, a
simplicidade e a modéstia.
5. Há alguma figura da mitologia japonesa ou dos seus livros sobre o
assunto com quem você se identifica?
Não especialmente, mas as histórias que leio sobre os mestres zen sempre me
fascinaram. Algumas são extremamente engraçadas.
6. O que você esperava despertar nos leitores de “Contos
populares japoneses”?
Acho que esperava compartilhar um pouco da minha admiração pela visão de mundo
que encontrei nas lendas recontadas no livro. O que elas falam sobre respeito,
reverência, a transitoriedade da vida. Quanto mais percebemos o quão efêmeras e
passageiras as situações da nossa vida são, mais temos condições de
aproveitá-las a fundo.
7. O que você considera necessário para escrever um livro? Você
acredita que qualquer um pode se tornar escritor?
Não acho que qualquer um possa se tornar escritor, como não acho que qualquer
um possa se tornar bailarino, músico, jardineiro, jogador de futebol ou
político. Cada um de nós tem interesses especiais, habilidades especiais para
certas atividades mais do que para outras. Mas acredito que a vontade genuína
de escrever e o amor pela leitura já demonstram uma centelha dessa habilidade,
e nesse caso sim, é possível se tornar um escritor. É uma atividade que exige
grande dose de dedicação, esforço, humildade e autocrítica. Poucos escritores
nascem prontos. A gente precisa se aprimorar sempre, e na verdade não fica
pronto nunca.
8. O que você acha mais difícil na hora de escrever uma obra?
Encontrar o narrador. No momento em que encontro o narrador, a voz que vai
contar a história, seu tom, sua “cor,” sei que já tenho o problema principal
solucionado. Às vezes recomeço um livro quatro, cinco vezes até encontrar esse
narrador. Vou fazendo várias experiências: primeira pessoa, terceira pessoa, um
homem narrando, uma mulher narrando, uma criança narrando. Já escrevi até um
conto narrado por um boi (era um conto sobre a farra do boi, e achei que
ninguém melhor do que o protagonista dessa “festa” absurda para relatá-la).
9. Você está trabalhando em algum livro atualmente? Tem algum
projeto para o futuro?
Estou escrevendo um romance chamado “Hanói,” que tem dois fios narrativos, e
como pano de fundo a história recente do Vietnã, sobretudo logo após a guerra.
É um livro no qual eu quis, também, refletir sobre a violência da guerra e suas
consequências para a vida de tantas pessoas. A Guerra do Vietnã deixou um saldo
de novecentos mil órfãos naquele país. Pode parecer algo muito distante para
nós, brasileiros, mas acho que a luta por um mundo pacífico diz respeito a
todos e a cada um.
10. O que você diria para os que almejam escrever um livro? Que
dicas você daria a futuros escritores?
Em primeiro lugar é sempre a leitura. Ler muito. Em segundo lugar, buscar a sua
própria voz na escrita. Aquilo que você tem a dizer e o modo como vai dizer são
o que farão de você um escritor de valor – nada de imitar temas e estilos em
voga, por exemplo. E para encontrar esse tom é preciso uma dose imensa de
paciência, de persistência e de humildade. A gente tem que ser um terço
maratonista, um terço jogador de xadrez e um terço antena parabólica, atento ao
mundo, sensível ao que acontece ao nosso redor.
Curtiram? Para saber mais sobre a Adriana Lisboa visite o site pessoal da
autora clicando aqui (link = http://www.adrianalisboa.com.br/)
Matéria escrita por
Nana e retirada, originalmente, do Expresso Japão (link =
http://expressojapao.com)
Achei muito apropriada a declaração da Adriana Lisboa: "Não acho que qualquer um possa se tornar escritor". Longe de desmotivar as pessoas, ela demonstra que habilidade e dedicação caminham juntas. E, da forma como ela se posiciona durante a entrevista, não dá nem para pensar diferente...
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