Por: Estrela de Rubi
Olá pessoal! Este é
o meu terceiro artigo aqui. Para mim é uma honra ajudar a enriquecer este blog,
que tem vindo a ser um grande apoio a quem pretende iniciar-se na longa
caminhada de escrever uma história.
Mas deixemos de
lamechices e passemos ao que interessa, né?
Este artigo é um
complemento ao da NamelessChick, que
elaborou um post sobre o tema “Como escrever um bom enredo policial”. Nas
próximas linhas irei expor as vinte regras criadas por S. Van Dine, um escritor
de grande renome na literatura policial norte-americana dos anos 20 e 30.
Para S. Van Dine,
um enredo policial é uma espécie de jogo intelectual. O autor deve jogar de uma
forma justa com o leitor. Não pode recorrer a truques e a enganos e continuar a
manter a sua honestidade como se estivesse a fazer trapaça num jogo de cartas.
Deve ser mais sagaz que o leitor e manter o interesse dele através de uma
ingenuidade pura. Ao escrever-se uma história policial há leis muito definidas
– não escritas, talvez, mas nenhuma delas menos obrigatória; e todos os
criadores de ficção policial que se auto-respeitem devem observá-las fielmente.
Eis, então, uma
espécie de “Credo” de Van Dine, baseado na sua prática como escritor de
histórias policiais:
1- “O leitor deve ter as mesmas oportunidades que o detetive
em resolver o mistério.”
Todas as pistas
devem ser claramente referidas e descritas.
2- “Não se deve jogar com nenhum truque ou engano
voluntário, para além daqueles desempenhados legitimamente pelo próprio
criminoso ou detetive.”
3- “Não deve haver interesses amorosos na história.”
Introduzir o amor é
misturar uma experiência puramente intelectual com sentimentos irrelevantes. O assunto
em mão é levar o criminoso à barra da justiça, não levar um casal de
apaixonados ao altar do matrimônio.
4- “O próprio detetive, como um dos investigadores oficiais,
nunca deve ser o culpado.”
Esse é um truque
sujo, equivalente a trocar ouro por prata.
5- “O culpado deve ser descoberto pela dedução lógica”
Não deve ser pelo
acaso, pela coincidência ou por uma confissão imotivada. Resolver um problema
policial assim é o mesmo que enviar o leitor caçar gansos selvagens e
dizer-lhe, depois de haver falhado, que durante todo o tempo tínhamos conosco o
objeto da sua procura. Um autor assim não passa de um charlatão barato.
6- “O romance policial deve incluir um detetive; e um
detetive só o é se detectar, se descobrir.”
A função de um
detetive é reunir pistas que eventualmente conduzam à pessoa que realizou o
trabalho sujo; e se o detetive não chegar às suas conclusões através de uma
análise dessas pistas, resolveu tanto o problema como o estudante que chega a
uma resposta através de uma cábula(cola).
7- “Numa história policial tem de haver um cadáver”
Para Van Dine, não
há crime como o assassinato. Trezentas páginas é carga de mais para um crime
que não seja homicídio. Afinal, deve-se recompensar a perda de tempo e de
energia do leitor. Os leitores são essencialmente humanos e, portanto, um crime
de homicídio desperta o seu sentido de vingança e de horror. Eles desejam levar
o criminoso à justiça; e quando “o crime mais horrendo” tiver sido cometido,
inicia-se a caça com todo o entusiasmo justiceiro de que é capaz o leitor mais
cavalheiresco.
8- “O problema do crime deve ser resolvido por meios
estritamente naturais.” Esses métodos de descobrir a
verdade através de processos ocultos, como sessões espíritas, leitura da mente,
quiromancia e outros, são tabu. O leitor deve estar em pé de igualdade com um
detetive racional, mas se tem de competir com o mundo dos espíritos e percorrer
à quarta dimensão da metafísica, é derrotado.
9- “Só pode haver um único detetive – isto é, um
protagonista da dedução.” Arranjar três ou quatro, ou
por vezes um grupo de detetives, para resolver um problema é somente dispersar
o interesse e interromper o fio direto da lógica, como tirar vantagem injusta
do leitor que, desde o início, entra em competição com o detetive numa batalha
mental. Se houver mais do que um detetive, o leitor não sabe quem é o seu
co-dedutor. É o mesmo que colocar o leitor a correr sozinho contra uma equipa
de estafetas.
10- “O
culpado deve ser uma pessoa que desempenhou um papel mais ou menos proeminente
na história”
Isto é, uma pessoa
com quem o leitor esteja familiarizado e por quem se interesse. Atribuir o
crime, no capítulo final, a um estranho ou a uma pessoa que desempenhou um
papel sem importância na história é confessar a incapacidade de competir com o
leitor.
11- “Criados
– como mordomos, empregados de mesa, copeiros, cozinheiros, etc… não devem ser
escolhidos pelo autor como os culpados.”
Seria uma solução
demasiado fácil. É insatisfatório e leva o leitor a sentir que esteve a perder
o seu tempo. O culpado deve ser uma pessoa de bem – alguém de quem em geral não
se suspeita; é que se o crime foi a obra sórdida de um demente, o autor estaria
a perder o seu tempo a descrevê-la na forma de livro.
12- “Tem de
haver um culpado, por muitos crimes que tenham sido cometidos.” O culpado
pode, naturalmente, ter um ajudante ou cúmplice menor; mas o ônus completo deve
cair sobre um único par de ombros: toda a indignação do leitor deve
concentrar-se numa única figura negra.
13- “Sociedades
secretas, camorras, máfias, etc… não têm lugar numa história policial.”
Aqui, o autor entra
na ficção e no romance de serviço secreto. Um crime fascinante e
verdadeiramente interessante fica irremediavelmente estragado com um tal
culpado. Uma história policial deve dar ao criminoso uma boa oportunidade, mas
é ir demasiado longe envolvê-lo numa sociedade secreta (com os seus ubíquos
santuários de proteção). Nenhum criminoso de classe e estilo iria aceitar tais
ajudas na sua luta com a polícia.
14- “O método do crime e os meios para o detectar devem ser
racionais e científicos.”
Isto é, a
pseudociência e instrumentos puramente imaginativos e especulativos não devem
ser tolerados num romance policial. Por exemplo, a morte de uma vítima por um
elemento recém-descoberto, um super-rádio, por exemplo, não é um problema
legítimo, nem tão pouco deve intervir numa droga rara e desconhecida, que
apenas existe na imaginação do autor. Um escritor de histórias policiais deve
limitar-se, toxicologicamente falando, à farmacopéia. Uma vez mergulhado no
mundo da fantasia, ultrapassou as fronteiras da ficção policial, aventurando-se
por caminhos desconhecidos.
15- “A verdade do problema deve ser sempre
evidente – desde que o leitor seja suficientemente sagaz para a detectar.”
Com isto, Van Dine
quer dizer que se o leitor, depois de conhecer a explicação do crime, reler o
livro, deve verificar que a solução afinal tinha estado patente desde o
princípio – que todas as pistas realmente apontavam para esse culpado – e que,
se tivesse sido tão esperto como o detetive, teria sido capaz de resolver
sozinho o mistério sem chegar ao último capítulo. É evidente que o leitor
esperto frequentemente resolve o problema. E uma das teorias básicas de ficção
policial é que se uma história policial é estruturada como deve ser, é impossível
ocultar a solução a todos os leitores. Haverá inevitavelmente um certo número
deles tão perspicazes como o autor; e se o autor manifesta o adequado
desportivismo e honestidade na sua declaração e projeção do crime e das suas
pistas, estes leitores perspicazes, pela análise, eliminação de hipóteses e
lógica, serão capazes de apontar o dedo ao culpado tão depressa quanto o
detetive. E aqui jaz o gozo do jogo. Aqui temos uma explicação para o fato de
leitores que repelem um romance popular vulgar serem capazes de devorar um
romance policial.
16- “Uma história policial não deve conter grandes passagens
descritivas”
Não deve demorar-se
em questões secundárias, em análises subtilmente elaboradas da personalidade,
nem deve ter preocupações de “atmosfera”. Tais questões não desempenham nenhum
papel vital no relato do crime e das deduções. Suspendem a ação e apresentam
questões irrelevantes para o alvo fundamental que é apresentar um problema,
analisá-lo e conduzi-lo a uma conclusão bem sucedida. É claro que tem de haver
descrição suficiente e um delinear das personagens a fim de dar verossimilhança
ao romance; mas quando um autor de uma história policial atinge aquele ponto
literário em que cria uma sensação dominante de realidade e atrai o interesse e
a simpatia do leitor pelas personagens e pelo problema, então foi demasiado
longe na técnica puramente “literária” relativamente ao que é legítimo e
compatível face às necessidades de um documento de um problema criminoso. Uma
história policial é um assunto sinistro e o leitor entra nela não pelo valor
literário e estilo ou pelas lindas descrições e projeção das personalidades,
mas pelo estímulo mental e pela atividade intelectual – tal como se vai
assistir a um jogo de futebol ou como quando se resolve um problema de palavras
cruzadas. A descrição da beleza do campo dificilmente aumenta o interesse pela
luta entre duas equipes adversárias; e dissertações sobre etimologia e
ortografia intercaladas nas definições de um problema de palavras cruzadas
tendem apenas a irritar a pessoa interessada na correta resolução do problema.
17- “Um criminoso profissional nunca deve sofrer o ônus da
culpa de um crime numa história policial.”
Os crimes cometidos
por arrombadores e bandidos são do foro do Departamento da Polícia – não de autores
e de brilhantes detetives amadores. Tais crimes pertencem ao trabalho rotineiro
das Brigadas de Homicídios. Um crime realmente fascinante é aquele cometido por
um pilar de uma igreja ou por uma solteirona conhecida pelas suas obras de
caridade.
18- “Um crime numa história policial nunca deve
transformar-se num acidente ou num
suicídio.”
Terminar uma
odisséia de pesquisa intensa com um tal anticlímax é pregar uma partida
imperdoável ao leitor. Se quem compra um livro exigisse a devolução do dinheiro
com a alegação de que o crime foi uma farsa, qualquer tribunal com um mínimo de
sentido de justiça decidiria em seu favor e repreenderia severamente o autor
que assim teria enganado um leitor cheio de boas intenções.
19- “Os motivos de todos os crimes de uma história policial
devem ser pessoais.”
Tramas
internacionais e políticas bélicas pertencem a uma categoria diferente de
ficção – as histórias de serviços secretos, por exemplo. Mas uma história de um
crime deve refletir as experiências diárias do leitor e dar-lhe uma certa saída
para os seus próprios desejos e emoções reprimidas.
20- Os próximos pontos
são alguns dos instrumentos que nenhum autor policial, que se preze, utilizará
nas suas histórias. Para Van Dine, as seguintes alíneas têm sido usadas com demasiada
frequência e são conhecidas por todos os verdadeiros amantes da literatura do
crime. Utilizá-las é confessar a incapacidade do autor e a sua falta de
originalidade.
a) “Determinar a identidade do
culpado pela comparação da “bituca” deixada na cena do crime com o cigarro
recentemente fumado pelo suspeito.”
b) “A sessão espírita para
assustar o culpado, levando-o a ceder.”
c) “Impressões digitais
forjadas.”
d) “O álibi da pessoa parva.”
e) “O cão que não ladra e,
portanto, revela o fato de o intruso ser familiar.”
f) “A descoberta final do crime
num gêmeo ou num parente muito parecido com a pessoa suspeita mas inocente.”
g) “A seringa hipodérmica e o
remédio em gotas”
h) “A entrada do criminoso numa
sala trancada depois de, eventualmente, a polícia ter lá estado.”
i)“O teste da associação de
palavras para a detecção do culpado.”
j) “A carta cifrada ou codificada
que é eventualmente descoberta pelo investigador.”
E aqui termino,
desejando a todos os futuros romancistas policiais muita sorte para conseguir
escrever uma história seguindo com rigor cada regra descrita por Van Dine. ;)
BIBLIOGRAFIA:
S.S. Van Dine; “The Winter Murder Case”; Clube do Crime; 1995; Publicações
Europa-América; pág 89