As colunas são parte da programação semanal do Blog da Liga dos Betas, são artigos de opinião em que colunistas fixos e convidados irão discorrer sobre os mais variados temas no mundo da escrita, literatura e fanfic. Agradecimentos especiais a beta Rienne de Clairmont pela coluna desta semana.
E cá estou eu novamente com um tema polêmico (prevejo meu apedrejamento). Muito bem, para aqueles que leram meu último texto sobre a literatura erótica no wattpad, já sabem que eu deixei uma ponta solta sobre a constante romantização de temas polêmicos presente nas fanfics e originais postadas no site; contudo, isso não se resume apenas ao Wattpad, dado que, sim, é possível encontrar histórias com temas romantizados em diversos sites, eles sendo Spirit, Ao3, Nyah!, entre vários outros. Mediante a isso, nesta coluna pretendo abordar as consequências dessa romantização proposital e não como tratar de assuntos que se encontram nesse espectro.
Em primeiro plano, o que é a romantização? Segundo o dicionário, temos dois significados:
- transitivo direto e intransitivo
contar em
forma de romance; construir romances.
"r. o fato"
2. intransitivo
idear romances, descrições fantasiosas; romancear.
"vive a construir castelos no ar, a r."
Dado isso, é possível estabelecer uma base para a nossa discussão. É comum encontrarmos o termo “romantização” no nosso dia-a-dia em situações como a romantização da pobreza, por exemplo; é quando um indivíduo que se encontra no espectro da pobreza é completamente responsabilizado pela sua realidade, quando na realidade a culpa recai sobre uma dívida histórica. Entretanto, não estarei entrando nessa discussão, o foco aqui é a romantização nas histórias, fanfics ou originais.
Fazendo referência ao último artigo publicado na coluna do blog, “A problemática dos relacionamentos abusivos, manipulação emocional e sua abordagem em livros, quadrinhos e mangás”, escrito por Aelin; trago a romantização dos relacionamentos tóxicos e abusivos nas fanfics. Um adendo: esse tópico abre portas para diversos outros e provavelmente será a base da nossa análise. Dito isso, começo, também, com um exemplo utilizado na coluna de Aelin (para mais detalhes, leia a coluna). Grande parte da geração atual e, obviamente, gerações anteriores estão familiarizadas com o relacionamento de dois personagens de quadrinhos famosos, eles tais que até receberam grandes filmes de cinema; estou falando de Coringa e Arlequina, um casal tóxico e cheio de problemas, mas que a grande maioria do público torce para que sejam endgame em qualquer adaptação em que aparecem, de modo que as “bandeiras vermelhas” não são vistas, por assim dizer.
Posto isso, mergulhamos no universo das fanfics e na enorme quantidade de histórias sobre a máfia e o chefe mafioso que sequestra a mocinha e os dois se apaixonam. Para começar, já temos a romantização da máfia, uma organização responsável por diversos tipos de tráfico e, muitas vezes, mortes. Seguida pela romantização do “capo”, nome utilizado para o líder da máfia (mais comum em histórias relacionadas à máfia italiana), que começa a história como um homem bruto, frio e constantemente descrito como sem coração, que por circunstâncias impostas por ele mesmo ou não, acaba se encontrando com a nossa mocinha da história. À primeira vista, temos algumas opções, ou o “capo” se encontrará “preso” em uma situação legal, em termos de justiça, com a protagonistas e a tratará como um animal de estimação; ou ele a privará de todos os seus direitos, de modo que ela fique trancada na casa; ou a mocinha será totalmente contra a situação e o “capo”.
No desenvolvimento da história, obviamente o casal viverá uma montanha-russa de emoções, mas já ao fim serão um casal da Disney e viverão felizes para sempre. Todavia, por conta do sentimento, pela ânsia que o leitor sente ao ler a história, ele certamente irá torcer para que o casal fique junto e vai ignorar toda a situação tóxica que envolve os dois principais. É certo que o autor ao escrever uma história, tende a embelezar a realidade e todas as suas consequências.
Seguindo em frente, temos a romantização da conhecida "síndrome de Estocolmo" e aqui é o momento que vocês me matam; o famoso conto de fadas “A Bela e a Fera” pode, sim, ser analisado como resultado da Síndrome de Estocolmo. Afinal, a síndrome se resume no fato de que o indivíduo sequestrado e privado de liberdade desenvolve sentimentos de amor e amizade em relação ao seu agressor. E analisando o conto, de fato, Bela, depois de ser privado de sua liberdade e sofrer com a maldade da fera, acaba se apaixonando pela mesma e vivem o seu “felizes para sempre”. Ligando com o tema acima, muitas histórias carregam o seguinte plot “a mocinha é sequestrada pelo mafioso e algo inesperado acontece, eles acabam desenvolvendo sentimentos amorosos entre si”, o que na realidade é uma síndrome de um evento pós-traumático se torna algo romântico e até almejado por muitos leitores.
Agora, entrando em um campo mais polêmicos temos a romantização do estupro. Em muitas narrativas, o ato é tratado como algo romântico e uma intimidade entre o casal, quando na real ele é uma ação invasiva, degradante e sem consentimento. E, novamente, acontece em histórias que contam com a Máfia como tema principal. Entretanto, não quero dizer que apenas em histórias de máfia que tais romantizações acontecem, pois elas podem, sim, acontecer em histórias de CEO’s e em qualquer tema. Principalmente o relacionamento abusivo, que muitas vezes é justificado com o amor e proteção (digo mais uma vez, leiam o artigo da Aelin).
Como exemplo, trago o relacionamento entre Feyre e Tamlin, personagens principais do primeiro livro de uma trilogia, “Corte de Espinhos e Rosas” por Sarah J. Maas. Informo também que haverá SPOILERS no que eu estou prestes a apresentar para vocês, então àqueles que não leram ainda, podem pular mais para o final do texto.
A princípio, Feyre e Tamlin possuem uma relacionamento no estilo Bela e a Fera, dado que ele levou ela à sua corte como pagamento pela morte de um lobo; isto é, ela foi arrancada da sua vida anterior e levada a um lugar totalmente desconhecido e, automaticamente, uma realidade desconhecida. Obrigada a conviver com feéricos, Feyre acaba encontrando um porto seguro em Tamlin e com o decorrer do livro, eles desenvolvem um relacionamento amoroso; tal este que leva Feyre a extremos, inclusive a morte, dado que por conta de uma maldição ela é obrigada a lutar tanto por sua vida quando pela de demasiadas outras pessoas. Ao fim, Feyre é ressuscitada e espera-se que Tamlin sinta-se aliviado por ser sua amada de volta em seus braços, contudo, para ele ela deve se portar como sua consorte, ficando em casa e realizando tarefas banais. Tamlin não reconhece o trauma de Feyre e muito menos se importa com o fato, impodo-se sobre ela com a desculpa de amá-la tanto que apenas a quer protegida e viva; de modo a privá-la da liberdade.
No exemplo citado, não há a romantização do tema, apenas a descrição de tal. Mas como isso? Pois bem, a autora descreve e retrata a situação abusiva com cuidado e respeito, de modo a mostrar os pontos negativos da relação e quando chegamos ao ápice, no início do segundo livre “Corte de Névoa e Fúria”, a personagem principal chega à realização da realidade da vida dela, a partir desse momento há a quebra dessa relação.
Em histórias romantizadas, a personagem principal, mesmo que chegasse a perceber a sua real situação ainda permaneceria com o parceiro ou parceira, pois acredita que é capaz de mudar o caráter do outro, sendo assim, entrando ainda mais fundo na toxicidade da relação. Ainda há aquelas que atribuem a culpa a si mesmas, dando certeza ao comportamento do parceiro.
Por fim, trago as consequências para os leitores mais jovens, ainda em fase de formação. É comum encontrarmos leitores e ouvirmos a seguinte frase “esse livro mudou a minha vida”; claro que na grande maioria das vezes a mudança ocorre de maneira positiva, contudo, há, sim, as mudanças negativas. As chamadas “bandeiras vermelhas” são os avisos presentes em uma relação de amor ou de amizade, e indicam possíveis caminhos os quais tal relação pode seguir, tais estes muitas vezes abusivos. O leitor que cresce lendo sobre relacionamentos abusivos, sequestros e estupros romantizados, acreditará que são ações românticas e que deveriam estar acontecendo fora do mundo dos livros. E sabemos que quanto mais jovem o leitor, mais influenciável ele é (sim, mesmo as histórias com classificação indicativa alta possuem leitores abaixo dela). Posto isso, a visão de mundo desse leitor estará completamente distorcida perante à realidade e se caso ele se encontrar em um relacionamento abusivo, as chances dele detectá-lo são ínfimas.
Assim sendo, digo que o ideal seria parar com tais romantizações, mas sei que as tramas geram milhares de leitores e é isso que um autor almeja, de modo que recomendo no mínimo um aviso antes do início da história, descrevendo que aquele conteúdo não é um espelho da realidade e que as ações ali tomadas não devem ser replicadas. Mediante isso, é possível eliminar o problema da influência sobre os leitores e ainda assim continuar com as histórias publicadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O blog da Liga é um espaço para ajudar os escritores iniciantes a colocarem suas ideias no papel da melhor maneira possível.