Resenha: Hapi Mari

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Por: Eena

 

As resenhas compõem o gênero mais tradicional de artigos no Blog da Liga dos Betas, sempre feitas por betas da Liga ou convidados especiais. Agradecemos a beta Eena pela resenha desta semana! 

Olá, pessoaaaal!

Vocês conhecem ou já ouviram falar sobre Hapi Mari? Se essa foi a primeira vez, aviso que aqui haverá SPOILERS, mas sinalizarei quando for algo muito gritante a ponto de atrapalhar sua leitura. Caso você já tenha lido, essa resenha TAMBÉM é para você, pois não será apenas uma recomendação e meus comentários sobre, mas sim uma problematização desse josei da Enjouji Maki.

Antes de começar a falar sobre a obra, quero fazer uma distinção entre shoujo e josei, pois, embora trabalhem com histórias românticas, não possuem as mesmas “estruturas”. De forma geral, o shoujo tem aquela pegada mais adolescente e costuma acontecer muito dentro de escolas. Já o josei trabalha mais assuntos da vida adulta como problemas no ambiente de trabalho e casamentos/namoros de forma mais íntima — se é que me entende.

É importante lembrar também que esses dois “gêneros” são voltados ao público feminino, porém de faixa etária diferente. Os joseis normalmente são recomendados para maiores de 18 anos, pois abordam temas que não são muito indicados para menores, enquanto os shoujos costumam ser mais livres.

Primeiramente, vamos aos fatos concretos: do que se trata Hapi Mari?


Takanashi Chiwa tem um sério problema com homens: ela não os suporta! Não por conta de namoros mal sucedidos, e sim pelas dívidas criadas pelo seu pai. No fundo do poço em questões financeiras, a mocinha da história se vê obrigada a trabalhar em dois empregos para tentar quitar o que sua família deve: durante o dia em uma empresa e a noite como anfitriã.

Até este ponto é compreensível, afinal, quem nunca precisou trabalhar além do recomendado para conseguir pagar as contas no fim do mês? Entretanto, uma coisa extremamente inesperada acontece: ela se casa por conveniência!

Essa obra parecia bastante interessante quando tive o primeiro contato. Como uma consumidora antiga de shoujo — e apreciadora de clichês bem estruturados —, ter encontrado este mangá mudou bastante meus conceitos sobre romances, uma vez que agiu como um divisor de águas para meus gostos. Leio romances há mais de 10 anos, mas nunca havia encontrado nada como Hapi Mari.

   Eu gostei bastante dessa história. Não pela temática em si, embora seja um dos pontos, mas pela forma que a Chiwa foi desenvolvida. Ela não é somente uma personagem que chora, pois também tem seus posicionamentos e decisões — e isso é um dos pontos que mais deixa a desejar, na minha opinião, quando se trata dos romances em mangás.

Já li e conheço um número legal de mangás, e o que pude notar é que as mangakás, afinal, a maioria que cria histórias nesse universo são mulheres, trabalham personagens do gênero feminíno com atitudes bastante superficiais ( ou até mesmo forçadas). Até então não vi outra personagem mulher que agisse de forma diferente e fosse reconhecida, embora poucas vezes, pelo parceiro da forma que acontece com Chiwa.

Há uma cena em específico que é a minha favorita de todas nesse contexto. De forma resumida, Chiwa precisa trabalhar no dia de um jantar/reunião importante de família. Após terminar seus afazeres, chega atrasada e é repreendida por uma parente do marido, ouvindo que “a esposa de um homem importante não deveria agir daquela forma”.

Nisso, Hokuto inesperadamente rebate a tia, dizendo que não é somente a esposa de alguém importante, mas:


   Alguns pontos me deixavam desconfortável durante a leitura, mas esse conseguiu abrir meus olhos e questionar sobre realmente se tratar de uma obra tóxica, ou uma tentativa de fazer diferente dentro de um cenário difícil para mulheres ou, uma das que mais fazem sentido, um reforço do comportamento que muitas mulheres são submetidas.

Embora haja muita coisa que eu discorde dentro da história, não posso dizer que se trata de uma obra ruim. Chiwa possui voz, vontade, chora e briga, e, acima de tudo, é uma mulher do jeito dela. Não digo que é uma mulher desconstruída dentro dessa esfera, mas talvez uma tentativa de fugir do esperado nessas narrativas.

Não estou na pele e nem estudei nada sobre a cultura japonesa para trazer informações corretas, porém é muito provável que os comportamentos que foram considerados tóxicos por mim sejam vistos como normais na sociedade de Enjouji Maki (autora). Da mesma forma que colocar isso dentro de sua obra seja somente o natural, talvez seja, como comentei mais acima, uma maneira de se adequar e ser aceita numa editora, por exemplo.

   Numa discussão durante minhas aulas de literatura na faculdade, foi comentado com o professor a possibilidade de Aurélia (a personagem principal de Senhora, do José de Alencar) ser o tempo todo censurada durante a narrativa, embora ao mesmo tempo tenha um comportamento progressista, para que obra fosse aceita na sociedade durante o lançamento — semanalmente por folhetins.

   Esse questionamento ficou gravado em minha mente e refletiu novamente em meus devaneios sobre também haver essa possibilidade neste mangá. Por mais que Senhora seja de 1874, no Brasil, e Hapi Mari de 2009, no Japão, a existência de uma sociedade, no geral, que ainda encara o casamento como “o marido ser o chefe da casa e a mulher submissa a ele” é muito presente, então não há como não levar isso em consideração.

“Ai, mas é só um mangá/livro com histórias fictícias, não leve tão a sério assim”. Justamente por ser ficção que precisamos encarar com mais seriedade, pois é a partir dessa abordagem que podemos analisar pontos que acontecem na realidade. Há muita mulher que sofre por ter um marido que a trata como inferior, mas não se divorcia por medo de ser julgada pelo resto da vida ou ficar sem rumo por não ter um homem.

Mulheres são donas de si e merecem agir de tal forma, então, ao ser encarado como “ficção” é bastante perigoso. Como muita mulher consome josei, imagino eu que mostrar Chiwa questionando e rebatendo o que Hokuto faz/fala, ajuda as consumidoras a refletirem sobre a vida — da mesma forma que aconteceu comigo.

Logo no começo da obra há algumas amigas de Chiwa comentando sobre homens como se fosse uma das coisas mais importantes do universo ter um namorado. Na mesma cena, a principal tem uma resposta muito bem colocada:


   Por mais que Chiwa fale a partir da raiva que sente do que seu pai fez, é muito importante saber que não “é tão ruim assim não ter um namorado”. Todas nós podemos ser felizes sem estar num relacionamento, então essa cena ajudou muito para que eu criasse um conceito positivo sobre a obra.

[SPOILER ALERT]

ABAIXO CONTÉM SPOILER, ENTÃO, SE VOCÊ NÃO CONHECER A HISTÓRIA E AINDA SIM QUERER LER, O PREJUÍZO É SEU!!!!

Outra situação que eu gosto muito também é o desenvolvimento dos personagens. Chiwa começou odiando homens e duvidando o tempo todo das atitudes de Hokuto. Odiava precisar seguir o que ele pedia, afinal, ela sempre teve sua liberdade para escolher o que bem queria fazer.

Não poder comentar sobre o casamento com os outros, por mais que ela não visse relevância no começo da história, irritou Chiwa demais. Havia um homem tentando controlá-la, um homem que nem ao menos arrumava a própria casa. Diante desse cenário de tentar mandar nela, ela recusava.

Ela dizia também que nem se importava com os gostos de Hokuto quando ele comentou sobre o corpo dela no capítulo que ela queria emagrecer para impressionar um ex-namorado. Esse comentário foi essencial para que eu pudesse visualizar o mangá de outra forma, pois não se tratava apenas de uma história josei. Chiwa fala sempre, independentemente de onde esteja, se for contrariada — ou alguém querido contrariado — de forma bizarra.

A partir desse ponto, há outra situação que foi trabalhada, também, na obra: a questão do corpo feminino. É realmente necessário ser magra para ser feliz?

Esse questionamento passou pela cabeça de Chiwa no mesmo capítulo em que ela se exercitava para emagrecer. Foi durante o casamento de uma ex-colega de turma que ela encontrou com ex, e lá também encontrou outra colega que também foi namorada dele.

Ela era chamada de Sawa-chan na época do colégio, e teve dois filhos após o casamento. Ela já não era mais magra como no passado, mas, como a principal disse, era feliz do mesmo jeito.


Chiwa foi aprendendo com o decorrer da narrativa o que era realmente importante na vida. Foi amadurecendo e mudando muitos paradigmas próprios depois que se apaixonou por Hokuto.

O desenvolvimento de Hokuto foi muito claro também, pois ele começou como um cara chato que só queria atingir seu objetivo, mas, com o passar da história e seu sentimento por Chiwa intensificar, ele amoleceu bastante.

Há diversas cenas que ele racha o bico da falta de experiência de Chiwa na questão sexual, e eu também acompanhei dando belas risadas das caras e bocas feitas no mangá.

Hokuto é uns seis anos, mais ou menos, mais velho que ela, mas muita coisa é nova para ele também. O casamento, o apoio de Chiwa e, acima de tudo, a vida que ele passou a ter após se apaixonar por ela. Tudo isso ajudou muito para que ele mudasse, de fato, para uma pessoa melhor.

Porém não posso dizer que ele deixou de ter atitudes/comportamentos tóxicos. Não quero passar pano, pois realmente é muito idiota algumas coisas que ele faz e fala. Tudo poderia ser resolvido numa conversa amigável e calma, mas o Hokuto tem uma tendência a sempre agir de forma grosseira num primeiro momento.

Chiwa também mudou, como eu disse, mas boa parte foi após aceitar que estava apaixonada. Ela não se tornou uma mulher chata que aceita tudo — como muitos dizem sobre a personagem —, somente queria se importar com ele por amá-lo. Quem nunca se apaixonou e se doou para o outro, sem pensar em si mesmo em alguns momentos, né?

ACABARAM OS SPOILERS, PODEMOS VOLTAR A SER FELIZES!

De forma geral, como comentei no início da resenha, eu gosto dessa história. Sou fascinada por relações humanas, pois é muito complicado, subjetivo e imprevisível. É literalmente isso que está presente dentro de Hapi Mari: um casamento extremamente complicado com pessoas que aprendem a se amar e respeitar aos poucos.

Há cenas que eu claramente vejo como forma de estragar a história, como a parte que usam a violência para acalmar o outro — isso acontece em muitas obras, e eu fico muito desgostosa quando vejo. Não gosto nenhum pouco desse uso, pois violência não resolve nada e estamos cansados de saber disso, não é?

Achei os dois primeiros capítulos muito rápidos, por mais que eles tenham mais de quarenta páginas. Imagino que seja uma tática para chamar os leitores, eu fiquei muito entusiasmada quando vi tudo acontecendo num piscar de olhos, porém, com toda certeza, exploraria um pouco mais a questão do casamento por conveniência.

Se eu pudesse dar uma nota de 0 a 10, como fiz no MAL (myanimelist), eu daria uns 7 para Hapi Mari. Gosto da arte e da história em si, logo menos que isso seria palhaçada da minha parte.

Espero que você, que leu até aqui, tenha se interessado por essa história, pois garanto que ela é muito boa para dar umas boas gargalhadas. Tem pontos que me deixaram extremamente indignada? Sim, mas isso abre brechas para questionamentos que devem ser feitos.

Nós devemos questionar e refletir sobre o que lemos. A vida não é um mar de rosas, mas quando sabemos disso, ela se torna mais tolerável e um mar que aprendemos a nadar sem tanto medo assim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O blog da Liga é um espaço para ajudar os escritores iniciantes a colocarem suas ideias no papel da melhor maneira possível.



As imagens que servem de ilustração para o posts do blog foram encontradas mediante pesquisa no google.com e não visamos nenhum fim comercial com suas respectivas veiculações. Ainda assim, se estamos usando indevidamente uma imagem sua, envie-nos um e-mail que a retiraremos no mesmo instante. Feito com ♥ Lariz Santana