As colunas são parte da programação semanal do Blog da Liga dos Betas, são artigos de opinião em que colunistas fixos e convidados discorrem sobre os mais variados temas no mundo da escrita, literatura e fanfic. O texto de hoje é de uma das nossas colunistas fixas, a beta Aelin.
Este texto contém spoilers do filme "Happiest Season" (Alguém Avisa?, 2020), leia por sua conta e risco.
Olá, você!
Lá pelo mês de dezembro, eu e a minha namorada estávamos em uma maratona de filmes de natal e encontramos o filme “Alguém Avisa?”, estrelado pela Kristen Stewart.
Particularmente, eu me considero uma grande fã de comédias natalinas — sim, estou falando com vocês, “Amor Com Data Marcada” e “Uma Segunda Chance para Amar”! —, mas não foi a vergonha alheia e as guirlandas que me conquistaram dessa vez. Ao invés disso, fui cativada pela delicadeza com que a diretora aborda um assunto que é importante para mim: a supressão da sexualidade dentro da própria família.
A partir daqui, alerto que o texto pode conter alguns spoilers, ok?
O filme começa com o casal Harper e Abby, que estão admirando decorações de natal em Pittsburgh, e discordam sobre a relevância do natal. Harper lamenta que a namorada vá passar o feriado sozinha e a convida para passar o natal com a sua família em um momento de pura emoção.
Durante o caminho, Harper confessa que, na verdade, não contou para os pais que está namorando e nem contou que é lésbica. Mas, para que Abby não desista da viagem, promete que contará tudo depois das festas.
A partir daí, existe uma infinidade de cenas que causam desconforto. O jantar, por exemplo, onde somos apresentados aos personagens Connor e Riley, ex-namorados da Harper, é muito desconcertante; a competição no gelo entre Sloane e Harper evoca um sorriso amarelo no espectador; e, muito pior, qualquer cena em que Jane apareça faz com que a gente queira cobrir a cabeça.
A personagem de Kristen Stewart passa pelo inferno durante o feriado. Tenho certeza de que o feriado de natal com a família de Harper é o que Abby vê durante a paralisia do sono. Mas, graças a Deus, existe a personagem Riley para tornar tudo suportável.
Honestamente, Riley é a minha personagem favorita de todo o elenco. Lá pelos 53 minutos, ela e a Abby protagonizam um dos diálogos mais doloridos de todo o filme. Enquanto fala sobre o seu relacionamento com Harper, Riley conta que Harper a expôs durante o ensino médio apenas para livrar a própria cara. E dói, dói muito.
“Uma coisa que eu disse que eu entendo é... estar apaixonada por alguém que tem medo de mostrar ao mundo quem ela é.”
Alguém Avisa? (2020)
Após esse diálogo, somos apresentados a uma cantiga natalina infantil que, para mim, é uma das melhores coisas do filme. Passei semanas cantando “Must Be Santa” com a minha namorada enquanto fazíamos absolutamente qualquer coisa. É uma canção superdivertida e eu classificaria o filme com nota máxima só pelas Drag Queens cantando num bar. É o máximo, juro.
Aos 72 minutos, Abby e Harper protagonizam uma discussão horrível que faz cada pedaço do meu coração se contorcer em agonia. É difícil não odiar a Harper por tudo que fez a Abby passar, mas conseguimos finalmente enxergar o lado dela e existe um breve momento em que o espectador se identifica com a personagem. O amor na família de Harper não é dado, é conquistado através da competição constante. Ela é uma garota que precisou competir para ser a favorita durante toda a vida e tem medo de perder o amor dos pais. É dolorido, mas conseguimos entender a situação. Mas, em menos de 10 minutos, Harper consegue estragar tudo e nos faz odiá-la mais uma vez.
“Sabe o quanto doeu assistir à pessoa que eu amo escolher me esconder?”
Alguém Avisa? (2020)
Com a ajuda de John, o melhor amigo de Abby, o espectador entende que o motivo para Harper não ter contado para os pais que era lésbica não era Abby. Era, na verdade, a própria Harper.
“— Eu não acho que ela me ama tanto quanto eu achei que amava.
— Aí... A Harper não te assumir pros pais dela não tem nada a ver com você.
— Como pode não ter?
— Você lembra o que seus pais disseram quando contou que era gay?
— Que eles me amavam e me apoiavam.
— Isso é incrível. — pausa. — O meu pai me expulsou de casa e não falou comigo por treze anos depois que contei a ele. Todos têm uma história diferente. Tem a sua versão e a minha versão... e tudo que tem no meio. Mas a única coisa que todas as histórias têm em comum é esse momento logo antes de você dizer as palavras quando o coração tá acelerado e você não sabe o que vai acontecer. Esse momento é aterrorizante. E aí quando diz as palavras... não pode voltar atrás. Um capítulo terminou e um novo começa. E você tem que estar pronto pra isso, não pode fazer pelos outros. Só porque a Harper não está pronta, não quer dizer que ela nunca vai estar e não quer dizer que ela não te ame. ”
Alguém Avisa? (2020)
(O diálogo é gigantesco, mas eu achei muito importante colocá-lo).
Agora, confesso que esta coluna ganhará um tom mais pessoal e espero que o meu editor não decida barrar todo o resto do texto por isso.
Apesar de ter achado a atuação da Kristen Stewart meio porca — e eu falo isso sem peso na consciência, já que na verdade gosto muito da atriz e não é hate gratuito —, ela transmitiu bem o desconforto da personagem ao ser forçada de volta para dentro do armário.
Quando eu tinha 11 anos, percebi que era diferente das outras crianças. Enquanto algumas gostavam de A e outras gostavam de B, a minha preferência sempre foi AB. A primeira pessoa para quem contei foi o meu pai, que fez uma única pergunta: “você é feliz?”. O meu pai, que nunca concordou muito com essas coisas, só se preocupou em saber se eu era feliz. Em todos os meus relacionamentos, o meu maior medo era ser forçada a me esconder.
Quando li a sinopse, pensei que seria bem engraçado. Mas, para ser sincera, não foi muito engraçado para mim. A todo o momento, me colocava no lugar da Abby e pensava “isso me deixaria muito triste”. Ao invés de me divertir com as situações que evocam vergonha alheia, só consegui me sentir mal pela personagem. No final do filme, estava chorando de soluçar e tive que ser confortada pela minha namorada.
Não é o primeiro filme em que os personagens principais precisam fingir ser algo que não são, mas é o primeiro que consegue me tocar tão profundamente. Fora isso, “Alguém Avisa?” exibe uma variedade de cenários possíveis para uma mesma confissão. Temos Abby, que foi aceita pela família e não conhece o sentimento de rejeição; Harper, que está assustada e tem medo de contar a verdade; John, que lidou com o distanciamento e precisou aprender a viver com isso; Riley, que foi exposta e teve que superar o trauma durante o ensino médio.
Existem um milhão de backgrounds quando o assunto é a revelação para a família, mas muitos escritores parecem se prender aos extremos. Lembre-se de que entre o 0 e o 1 existe uma infinidade de possibilidades.
A construção de personagens LGBT que não se limitam a um histórico ruim com os pais é bem mais difícil, mas vale a pena. O leitor reconhece um bom personagem pela sua história e pelo jeito que reage às situações a sua volta. Um bom escritor é capaz de criar um grande personagem, não se esqueça.
Por último, quero relembrá-los que a vida não é um filme de romance natalino, ok? Se você está namorando uma pessoa que se recusa a te assumir para a família, nega o relacionamento de vocês e age como uma cretina, terminem logo isso. Não existe mágica de natal que compense o desgaste mental.
Bom, é isso! Esse foi o tópico da vez e espero que tenha feito vocês refletirem um pouco sobre o assunto. A questão da sexualidade é importante pra mim e eu levo em consideração na construção dos personagens. Em "Alguém Avisa?" a abordagem foi muito satisfatória e eu, particularmente, gostei bastante. Caso não tenham conferido, assistam ao filme e comentem comigo aqui.
Fora isso, desejo um excelente final de semana para todos! Não se esqueçam de tomar os cuidados necessários nessa quarentena, ok? A gente se vê na próxima!
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