Criando um personagem vegetariano/vegano - Entendendo o veganismo

domingo, 20 de setembro de 2020

 


Por: Thalita Gonçalves


Hello, little loafs!

Aqui quem fala é a Thalita e hoje vamos continuar nossa série sobre a criação de um personagem vegetariano/vegano! Mas, de novo, é importante deixar claro que esse post não tem a intenção de te convencer a se tornar vegetariano/vegano ou a incluir personagens vegetarianos/veganos nas suas histórias. São apenas algumas ideias reunidas para ajudar os escritores que querem incluir personagens vegetarianos e veganos em suas produções.

Vamos lá?!

No post passado nós discutimos sobre a transição para o vegetarianismo (ovo-lacto) e o vegetarianismo enquanto dieta. Hoje nós vamos entender melhor o veganismo e como ele aparece na rotina para que seu personagem, caso seja vegan, seja retratado de forma mais realista.

Antes, porém, todavia, contudo... Para compreender o veganismo em sua essência na sociedade em que vivemos, precisamos compreender um aspecto essencial da sociedade em que vivemos: economia de livre comércio (nada a ver, né? Calma, que já chego lá). Isso porque, hoje em dia, grande parte das relações entre as pessoas envolve a economia (em algum aspecto, pelo menos) e, basicamente, desde que esteja dentro das leis vigentes do país, uma pessoa pode vender e comprar qualquer coisa.

Agora, sejamos sinceros: todos nós queremos um lucro, alguma vantagem, algo que faça valer a pena todo o trabalho que realizamos por determinada relação. Claro que nem sempre esse “lucro” é em formato monetário (e temos como resultado, por exemplo, relações políticas). Nesse momento vamos focar nas relações econômicas — portanto, monetárias.

Suponhamos que você tenha uma vaca e sabe que seu vizinho não tem, mas que ele também quer ter leite para consumir. Dessa forma, ao ordenhar a vaca, você tira leite para si mesmo(a) e para vender ao seu vizinho. Claro que, sendo uma pessoa sensata, você vai incluir no preço de venda do leite, além do seu lucro pessoal, os custos de produção: ração para a vaca, água, limpeza, remédios, estrutura para abrigá-la e o seu próprio trabalho para cuidar da vaca e ordenhá-la. Dessa forma, no final do mês, você tem o seu lucro, que te ajuda a pagar as suas próprias contas e assim gira a economia.

Tudo muito básico, tudo muito bem.

Mas e se o seu vizinho não quiser mais o leite? Suponhamos que ele desenvolveu alergia a lactose e, ao invés de ficar tomando lactase, ele decidiu simplesmente parar de consumir leite e derivados. O que você faz para manter o lucro? Claro, pode vender leite para outros vizinhos. Mas seu vizinho, cliente fiel de muitos anos, agora começou a tomar leite de soja e está querendo comprar leite, desde que seja de soja.

Você pesquisou, viu que fazer leite de soja não é nenhum bicho de sete cabeças e já tem a soja, pois ela faz parte da ração que você dá para a sua vaca. Então você faz o leite de soja para seu vizinho e mantém a relação com ele, que amou seu leite de soja. Outros vizinhos vieram atrás do seu leite de soja e, de repente, não vale mais a pena manter a vaca, porque os custos para mantê-la são mais altos do que os de fabricar o leite de soja, o que também implica num pequeno boost nos seus lucros.

Outros empreendedores perceberam isso e viram o nicho de mercado: leite vegetal. Repentinamente existe leite de soja, de amêndoas, de amendoim, de coco, de arroz...

Claro, tudo isso é uma relação hipotética e extremamente simplificada, usada a título de exemplo da lei de oferta e procura: quanto mais determinado produto é procurado, mais valioso ele se torna, o que aumenta o número de pessoas querendo vendê-lo, o que faz aumentar sua oferta no mercado e faz cair o seu preço, tornando-o acessível. Na vida real ainda há os impostos a considerar, as leis regulatórias, os incentivos fiscais e, por último mas não menos importante, a cultura.

Agora, você se lembra que no post anterior dessa série, eu falei que o veganismo era uma filosofia de vida que procura acabar com toda e qualquer exploração e sofrimento animal? Um vegano tem consciência de que é apenas uma pessoa, mas cujo consumo é cuidadosamente estudado por grandes empresas que visam o lucro. E o movimento vegano está crescendo a ponto de gerar um impacto importante em grandes empresas, que cada vez mais estão investindo em criar opções veganas para seus produtos tradicionais.

Dessa forma, veganos em geral, e o seu personagem, têm consciência do que consomem, pois sabem o quanto isso impacta as empresas. Por isso, olham os ingredientes de todo e qualquer produto industrializado e checam se a empresa não realiza testes em animais ou faz qualquer tipo de exploração animal na linha de produção. Sabe-se mais de comida vegana porque seres humanos, comumente, transformam suas refeições em ocasiões sociais: almoço em família, jantar a dois, festa de aniversário, brunch para reunião de negócios, etc. E, bem, recusar-se a comer algo caseiro feito com muito carinho causa um impacto muito maior socialmente do que trocar a marca do sabão em pó para lavar roupas. 

Tradução: Quando você é a única vegana numa festa e precisa levar a sua própria comida.

Mas, como espero que esteja claro nesse momento, o veganismo vai muito além das opções alimentares de alguém. Trata-se de uma filosofia de vida que impacta como o indivíduo vai se relacionar com a sociedade, como irá consumir os produtos dessa sociedade, e do impacto que esse indivíduo traz de volta para a sociedade. É importante ter esse raciocínio em mente quando estiver criando seu personagem vegano (ou em transição), especialmente se o seu personagem estiver inserido na nossa sociedade, que é baseada numa economia capitalista, de oferta e procura.

É importante considerar, entretanto, que essas mudanças que falei com tanto otimismo até agora ainda são nascentes e é extremamente fácil para uma pessoa vegana deixar de ser vegana: é só consumir propositalmente qualquer produto que contenha exploração animal e que possua uma alternativa vegana. E, quando digo qualquer produto, é qualquer produto. Pode ser desde uma refeição com filé mignon até um simples xampu. Por isso considera-se que uma pessoa vegana escolhe a todo momento continuar vegana.

Então, na criação do seu personagem, você precisa pensar num motivo crucial e basilar para ele ou ela escolher esse estilo de vida, algo que seria como “a gota d’água” e que irá ajudá-lo/a a manter a escolha pelo veganismo. Eu, por exemplo, deixei de comer carne por causa da minha religião, mas conforme fui compreendendo o veganismo, eventualmente adotei outros argumentos como fulcrais para a minha decisão. Esse caminho é comum à maioria dos veganos, senão a todos (pelo menos aconteceu o mesmo com todos os que conheci, apesar de seus motivos “gota d’água” terem sido diferentes dos meus).

Motivos e razões existem vários e não vou perder tempo aqui detalhando cada um deles. Existem inúmeros documentários reunindo as principais razões e muito mais estudos científicos. Se você for incluir algum personagem vegano na sua história e não faz a menor ideia de por onde começar a procurar razões para seu personagem ser vegano, recomendo começar pelos documentários The Game Changers, What The Health, Cowspiracy, Forks Over Knifes, Live and Let Live, Earthlings, Dominion, Carne e Osso.

Resumindo, um personagem que gosta de usar maquiagem decidiu tornar-se vegan? Agora irá atrás de uma maquiagem (e todos os produtos de beleza que também usa) que não tenha exploração animal, seja nos ingredientes ou em qualquer etapa da produção. Claro que o personagem não precisa jogar tudo o que possui fora e comprar tudo novo de uma vez; ele pode ir trocando os produtos conforme vai sendo necessária a sua substituição. O personagem vai lavar roupa? O sabão em pó e amaciante precisam ser vegans. Vai lavar as mãos? O sabonete tem que ser vegan. Um personagem vegan também não usa roupa de couro e terá um pequeno dilema a cada peça de couro que tiver de antes da transição: mantém a peça? Joga fora? Doa? Claro, se a peça de couro tiver um valor sentimental importante, essa pessoa pode abrir uma exceção pelo sentimento atrelado à peça. Mas ainda terá o mesmo dilema com qualquer produto que possua algum ingrediente de origem animal que o personagem possui (ou possuía) de antes da transição.

É claro, entretanto, que vai chegar um momento em que esse personagem vai se acostumar com as escolhas entre manter e terminar de usar produtos com exploração animal já comprados ou doá-los/jogá-los fora. E vai ter uma espécie de política própria quando descobre que determinado ingrediente que tem no seu xampu favorito é de origem animal, por exemplo. Essas escolhas terão muito a ver com os motivos que levaram o personagem a tornar-se vegan: por exemplo, se o personagem decidiu pelo estilo de vida após assistir um documentário sobre ética animal, é bem provável que pare de usar algum produto que contenha exploração animal no mesmo instante em que descobre isso. Por outro lado, se o personagem decidiu pelo estilo de vida após assistir um documentário sobre saúde, é capaz de usar o produto com exploração animal até o fim para só depois trocar por um vegano.

Produtos com certificados veganos existem e são um pouco mais caros, mas também existem vários produtos que não têm certificação e não possuem ingredientes de origem animal. Então, o custo de vida do seu personagem também dependerá das escolhas que ele fizer. Se estiver disposto a pesquisar ou a fazer seus próprios produtos, poderá ter um custo de vida menor; mas se quiser comprar produtos com certificados e selos, irá pagar mais por isso. Dessa forma, do mesmo jeito que todos nós temos algumas marcas favoritas de produtos, uma pessoa vegana também tem as dela — a única diferença é que a pessoa vegana pesquisa com seriedade sobre aquela fabricante e sempre verifica se o produto continua sem ingredientes de origem animal. 

Tradução: Quando você se esquece de checar os ingredientes antes de comprar. Mas é tudo vegano. 

Ainda, existem alguns questionamentos que pessoas veganas fazem e que não existe uma resposta unificada do movimento vegano sobre elas (o raciocínio que dei ali em cima, apesar de ajudar a compreender a essência, não é muito útil para pequenos detalhes). Portanto, para construir seu personagem, mesmo que esses aspectos não apareçam na sua história, talvez seja interessante questioná-lo a fim de conhecê-lo melhor:

— Posso usar um produto marcado como vegano, mas de uma empresa que testa em animais?

— Posso usar um produto sem ingredientes de origem animal, mas cuja fabricante patrocina eventos de exploração animal, como rodeios?

— Um vegano pode trabalhar para uma churrascaria ou para uma empresa como a JBS? A JBS está entrando para o mercado de carnes de origem vegetal, será que um vegano não poderia trabalhar nesse setor?

Então, só para deixar absolutamente claro, esses questionamentos e as opiniões do seu personagem sobre essas perguntas só entrarão na sua história se forem necessários para o plot. Mas, mais uma vez, sugiro que, caso você esteja criando um personagem vegano, que procure responder essas questões para compreender melhor o caráter do seu personagem e como o veganismo se insere em sua vida.

Outro ponto importante a considerar é o que o personagem pensa de produtos obrigatoriamente testados em animais, como os remédios e procedimentos médicos. A Vegan Society coloca que o veganismo deve estar dentro do possível e do praticável, e a maior parte dos veganos segue essa filosofia. Mas para toda regra existe a sua exceção e, portanto, existem veganos que não seguem essas diretrizes e procurarão alternativas, como fitoterápicos e homeopatias, se acreditarem que elas funcionam.

Como se tudo isso não bastasse, veganos também procuram boicotar todo e qualquer evento e lugar que faça qualquer tipo de exploração animal, como rodeios, zoológicos, aquários, etc. Então, se você está escrevendo uma fanfic de um mangá shoujo que se passa no Japão, já deve ter percebido que um dos principais locais de encontros (aquário) é uma furada para veganos. Aliás, seria bem difícil de levar algum vegano num encontro na terra do sol nascente, já que são poucos os restaurantes que oferecem opções veganas por lá.

Agora, uma questão do cotidiano de qualquer pessoa vegana é: O que fazer com os bichos indesejados que entram na nossa casa, como mosquitos, pernilongos, baratas, ratos, aranhas, etc.? O dia em que entrou um camundongo dentro de casa foi uma verdadeira aventura, porque eu não queria matá-lo. O pobre não tinha culpa se o gato da vizinha o caçou e depois acabou deixando-o escapar e, no desespero da fuga, acabou entrando na minha casa. Foi um parto convencê-lo a sair da minha casa, mas consegui. Então, é importante considerar o que o seu personagem vai fazer com esses animais: vai matá-los? Vai procurar estratégias para espantá-los? Quais estratégias serão essas? Isso poderá aparecer na sua história, por exemplo, como o simples detalhe de uma vela de citronela durante um encontro ao ar livre entre o seu OTP; ou até mesmo como um capítulo dedicado exclusivamente a um relato de como o personagem lidou com um animal indesejado.

Ah, e com relação a animais domésticos: veganos têm, sim, animais domésticos. É claro, veganos se preocupam de nunca comprá-los, principalmente se vierem daquelas casas de procriação de animais. E sim, veganos vão procurar um jeito de tornar todos aqueles à sua volta veganos, incluindo seus animais de estimação. Existem rações veganas próprias para gatos e cachorros, tanto da úmida quanto da seca. E, é claro, com o acompanhamento de um bom veterinário é mais tranquilo para mantê-los saudáveis mesmo sendo veganos. 

Tradução: Quando o gato sabe que você é vegan: “Eu matei isso para você.”

Agora, sobre essa questão de tornar todos à sua volta veganos: vamos discutir melhor sobre esse assunto no próximo post dessa série: Criando um personagem vegetariano/vegano — O impacto de um personagem vegano entre carnívoros (esse vai ser polêmico!).

Antes de finalizarmos, saiba que ainda existem vários aspectos do veganismo para serem discutidos, mas foquei apenas nos pontos onde as mudanças de hábitos e de consumo são mais importantes e aparecem mais na rotina (a parte de alimentação foi tratada no post anterior). Você pode pesquisar melhor sobre o assunto usando alguns dos links que estarão aqui embaixo ou pode mandar a sua pergunta!

Mas atenção! Esse foi um post compreensivo, procurando ver a rotina e os personagens como um todo e procurando abordar todos os aspectos da vida que são afetados pelo veganismo. Você não precisa abordar todos os aspectos incluídos nesse post na sua história. Use apenas o que for necessário para o plot e aproveite essas observações para compreender melhor seu personagem.

Boa pesquisa e boa escrita!

See ya! 

Links:

Pessoas pelo tratamento ético de animais (PETA): https://www.peta.org/

Sociedade Vegetariana Brasileira: https://www.svb.org.br/

Vista-se: https://www.vista-se.com.br/

Canal no youtube do Vista-se: https://www.youtube.com/c/fabiochaves/featured

The Vegan Society: https://www.vegansociety.com/

Página da The Vegan Society sobre medicamentos: https://www.vegansociety.com/resources/nutrition-and-health/medications

2 comentários:

  1. Estou amando seus posts sobre esse assunto. Me ajudou bastante apensar melhor numa personagem vegana que estou escrevendo. Você já escreveu as próximas partes ou ainda não? Porque não consegui achar.

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    1. Olá! Neste momento nós temos quatro posts sobre o assunto, basta pesquisar "veganismo" na barra de pesquisa :) Muito obrigada pelo comentário.

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