Se você está no mundo da literatura
há um tempo, seja lendo ou escrevendo, com certeza já ouviu falar da palavra estilística. Caso não, já viu alguém
dizer ou perceber em um livro que ele tem um estilo próprio, um jeito
individual de se expressar. Entretanto, como funciona esse processo? Estilo é
só o autor fazer qualquer coisa e declarar que é o jeito dele? Bom, não é assim
que funciona, então vem comigo entender o que torna algo, de fato, estiloso
literariamente e saiba como deixar a sua marca registrada na sua escrita!
Intencionalidade: o estilo parte de um objetivo
Antes de qualquer coisa, precisamos compreender que o estilo parte de um pressuposto intencional. O que significa isso? É um recurso em que modificamos a ordem natural da escrita para expressar um objetivo planejado, podendo até mesmo quebrar barreiras gramaticais. Um exemplo de recurso que temos para exemplificar isso é a figura de linguagem chamada neologismo. Neste recurso, criamos novas palavras, geralmente unindo palavras já existentes, para expressar informações de uma forma que a nossa gramática existente não consegue suprir (em negrito e sublinhado porque essa é toda a base da intencionalidade, portanto, guardem no coração de vocês!). Vejamos alguns exemplos:
● O
verbo “deletar” e todas as suas conjugações → Embora seja um tipo de termo já bem
inserido na nossa fala, essa construção verbal não vem da nossa língua. E o
processo de construção veio a partir da união do “delete”, em inglês, com a nossa morfologia verbal padrão “-ar”. E qual foi a intencionalidade disso se a
nossa gramática já tem os verbos “apagar” e “excluir”, por exemplo? Criar
uma escolha vocabular (confira o post “5 hábitos que vão te ajudar a ser um
escritor melhor” para saber mais sobre isso) específica para o contexto de
eliminar coisas virtualmente, além de ter sido uma melhor integração de um
termo num ambiente que, inicialmente, só era distribuído na língua inglesa.
● Brasagélido → Uma palavra que eu inventei para uma das minhas histórias, que vem da união das palavras “brasa” (fogo) e “gélido” (gelo). E qual foi a intencionalidade? Descrever a sensação de algo que é quente e frio ao mesmo tempo, uma vez que não temos uma palavra assim na nossa gramática.
Agora que vimos um exemplo de como a intencionalidade funciona, podemos observar o processo reverso. Um evento que acontece de forma recorrente na escrita de fanfics, por exemplo, é utilizar características dos personagens em função de pronome. Você já deve ter visto construções assim:
● “E então o loiro pegou seu
guarda-chuva e saiu de casa.”
● “Estavam muito amorosos naquele dia, principalmente quando o mais alto resolveu abraçar o mais baixo com força, na frente de todo mundo.”
E qual é o problema de fazer assim? Vamos
lembrar o princípio da intencionalidade: “expressar informações de uma forma
que a nossa gramática existente não consegue suprir”, só que, no caso, a nossa
gramática supre isso muito bem com o uso de pronomes, então não existe um uso
intencionado e direcionado. Além disso — e fica como uma dica extra —, ao menos
que a característica física seja algo crucial e importantíssima para o enredo,
não é muito adequado referir-se aos personagens através dela, uma vez que isso
pode comprometer o fluxo de leitura, já que vários personagens podem ser
loiros, altos, gordos etc, e dar essa carga para o leitor de ter que lembrá-las
imediatamente pode causar problemas de fluidez.
Para
quebrar as regras é preciso conhecê-las e entender por que você está quebrando,
ou seja, não é um evento aleatório.
Criar novas palavras, revirar as formas de usar pontuações, dar novos valores
gramaticais a palavras já existentes, tudo isso precisa ser bem medido até que
se concretize como estilo. No entanto, nada nos impede de experimentar e ver se
funciona ou não, uma vez que parte do processo criativo também vem da
experimentação.
O componente visual da estilística
Nem sempre o estilo precisa estar atribuído somente a
palavras, o aparato visual também contribui para uma representação própria do
texto. Em se tratando de prosa, essas questões são mais sutis, limitando-se a
situações como tamanho de parágrafo, frequência de diálogos. Um texto com
parágrafos muito longos fica notoriamente diferente de um texto com parágrafos
mais curtos quando você está enxergando o produto final no geral.
Em
se tratando de textos em versos, essa questão é muito mais presente, pois o
jeito que você distribui suas estrofes, ou onde os versos longos ficarão dão
toda uma identidade visual para o seu texto; por exemplo, é comum autores
fazerem sequências de versos curtos quando querem expressar um ritmo mais
rápido, apressado. E assim como já vimos ao longo deste artigo, esses tipos de
recursos também são motivados, isto é, há uma intenção, afinal, você não vai
parar a sua poesia para indicar ao leitor que ele precisa ler aquilo mais
rápido; é para isso que servem os recursos de estilo.
Voltando
lá para a prosa, desta vez com a questão da intencionalidade em mente, é muito
importante pensar em como o formato do seu texto expressa a situação da sua
história. Está acontecendo um monólogo ou as descrições são tão arrastadas que
seu leitor precisa ler mais lentamente? Parágrafos longos são preferíveis. Sua
situação é mais corriqueira e apresenta apenas uma passagem de fatos?
Parágrafos curtos são mais recomendados. Você quer quebrar o ritmo de repente
ou simplesmente cortar uma situação instantaneamente? Experimente um parágrafo
de linha única. Existem muitas possibilidades que, também com experimentação,
nos tornam mais sensíveis a entender melhor tais usos.
É importante otimizar
Depois de entendermos como esses fenômenos funcionam através
da relação de intencionalidade, podemos falar sobre a frequência de uso. É
muito comum, principalmente em escritores iniciantes, procurar coisas assim
para inserir na história, como uma espécie de demonstração de conhecimento
técnico, mas a verdade é que o uso estilístico é bem mais efetivo quando o
processo é reverso a isso. Como assim?
É mais fácil — e mais seguro —
quando é algo que a história demanda do que quando é algo que decidimos inserir
apenas para estar lá. A literatura é uma arte baseada em justificativa, tudo
que você escreve ou deixa de escrever aguarda uma justificativa (mesmo que
muitas vezes apliquemos tais recursos de forma natural, devido a estarmos
acostumados com esse meio criativo). Quando o autor joga recursos assim para o
aleatório, é comum que acabe se encontrando em uma situação de ter um certo
termo ou expressão lá, mas vazio, sem um significado rico, justamente porque
não há justificativa que sustente a presença daquilo naquela narrativa.
Na maioria das vezes, menos é mais.
Seu texto não precisa ter um neologismo só para você mostrar que sabe usar um;
no entanto, se você pensa que a história está demandando isso e enxerga várias
justificativas para isso estar inserido, então já é um bom sinal de que pode
ser uma opção boa.
Por fim, vale lembrar também que é
preciso ter muito cuidado para não confundir erro ou mau uso de recursos com
estilo! Já aprendemos aqui tudo que direciona um bom uso de estilo: intenção,
relação gramatical e justificativa. Ou seja, como já foi dito, não é um
processo aleatório, não é algo que você pode pegar qualquer coisa e falar que é
estilo e, com toda essa discussão, o objetivo é justamente facilitar a
identificação desses momentos.
E
você? Como enxerga esse mundo do estilo? Gosta de arriscar e experimentar de
tudo ou é mais na sua e prefere fazer do modo tradicional?
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