Olá,
pessoas! Como vocês estão?
Sou Bruna,
sou graduanda do quarto período de Psicologia e estou estreando no Blog da Liga
logo para falar do tão falado e complexo “transtorno de personalidade
múltipla”.
Primeiramente,
acho importante trazer que, hoje em dia, o termo mais adequado seria Transtorno
Dissociativo de Identidade (TDI), de acordo com o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) ― muito técnico, né? Eu sei, mas vai
fazer sentido porque vou usá-lo depois. Sobre o manual, existem diversas
controvérsias a respeito da estereotipia e, por vezes, “patologização
excessiva” que ele propiciaria, mas vou usá-lo para escrever esse post porque
muitas versões são de fácil acesso online, e ele é muito completo na descrição
de sintomas e características, o que pode ser muito útil.
Ao longo
dos anos, várias obras trouxeram o TDI como tema principal ou secundário de
suas narrativas e como característica fundamental de seus personagens ― o que
popularizou muito o transtorno e nos deixou envolvidos em vários plot twists,
né não? O Médico e o Monstro, Clube da Luta, Psicose, Fragmentado, etc etc etc.
Eu suponho que isso se dê ao apelo dramático que a condição muitas vezes traz
para as histórias, que, na maioria das vezes, não têm necessariamente tanto
interesse em promover uma maior compreensão sobre os transtornos mentais.
É sobre
isso que eu queria discutir, antes de partir para a parte boa da criação de
personagens: liberdade poética versus responsabilidade cívica. Eu, como beta,
leitora e, por vezes, autora amadora sou 100% a favor da total liberdade
poética e liberdade de expressão como um todo e entendo que, às vezes, ela
venha acompanhada de temas bem delicados da nossa sociedade. Como leitora, por
exemplo, diversas vezes me peguei lendo romances que, se analisados friamente,
estabelecem-se na história como extremamente abusivos ― narrativas de vida com
as quais eu, obviamente, não compactuo. Nesse sentido, entendo que a utilização
de transtornos mentais pode servir para deixar mais intenso tanto o enredo
quanto o personagem ― em Clube da
Luta (spoiler alert), quem já leu/assistiu sabe que é o grande plot twist da
história!
A reflexão
que eu queria trazer, no entanto, é se essa representação em massa não
demonstra certo fetichismo e romantização dessas experiências que podem causar
tanto sofrimento psíquico em quem as vivenciam, sabe? Especialmente quando
feita de maneira “livre demais” e, às vezes, um pouquinho irresponsável. No
caso do TDI, como estamos tratando, em muitos exemplos ficcionais os
personagens cometem altos crimes, chegando até a assassinatos, quando, na
verdade, o mais comum é que sejam pacientes que escondam seu sofrimento mental
e tenham tendência mais autodestrutiva que agressiva (o que, é claro, não é
regra).
Além disso,
vale ressaltar que essa fragmentação geralmente se dá como mecanismo de defesa
consequente de um grande trauma psíquico, muitas vezes relacionado à abuso
(infantil, inclusive) físico, emocional e sexual. Geralmente o transtorno vem
acompanhado de imensa confusão mental, alterações no senso de identidade
própria, alterações na percepção, lapsos de memória, dentre muitos outros
sintomas que, obviamente, causam (e são causados por) extremo sofrimento.
Dito isso,
espero ter plantado em vocês a sementinha da “de que forma eu posso tornar esse
meu personagem mais realista e menos fetichizado?”, ou até mesmo “por que
realmente eu quero um personagem com TDI? Tem a ver com o background de vida
dele ou eu só quero usar e abusar da possibilidade de ter múltiplas personalidades?”
― o que estaria tudo bem, também, afinal quem nunca, né não? E agora vamos para
as diquinhas:
De acordo
com o DSM-5, que já mencionei, o TDI vai se caracterizar pela presença de dois
ou mais estados distintos de personalidade (ou, dependendo da cultura, uma
experiência de possessão) e episódios recorrentes de amnésia dissociativa.
Não vou
entrar em detalhes quanto aos critérios diagnósticos porque não vêm tanto ao
caso, mas as principais formas como essa experiência é relatada (ainda de
acordo com o manual) são:
1) Alterações
ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias
ações: muitas vezes é relatada uma sensação de despersonalização (como se você
tivesse se vendo de fora do seu corpo); a escuta de vozes (que podem ser de um
alter ego específico, como uma criança, um homem, uma mulher, ou um conjunto de
vozes, ou até uma “entidade espiritual”, etc etc etc), geralmente vivenciadas
como pensamentos independentes e incontroláveis; impulsos e ações que emergem
repentinamente, também sem controle; dentre outras coisas.
2) Amnésias
dissociativas frequentes (muito comum nos casos): podem vir como lacunas de
memórias de longo prazo (e, muitas vezes, de momentos muito importantes da vida
do indivíduo); lapsos de memória recente (tipo o que fez hoje, o que cozinhou,
etc); descoberta de ações que supostamente teriam feito, mas das quais não se
lembram; dentre outras situações.
Agora,
saindo um pouco do Manual, que já é, por si só, bastante discutido dentro da
Psicologia, acho que o que eu mais aconselharia para quem quer construir uma
história que traga como característica do personagem o TDI é a leitura/escuta
de relatos reais de pessoas que vivem com o transtorno.
Não tenho
como afirmar a veracidade de todos os relatos que são encontrados online, mas
li recentemente um livro fantástico (Hoje eu sou Alice), escrito pela própria
Alice, que fala sobre a experiência dessa mulher, que sofreu diversos abusos
inimagináveis na infância e que desde então vem tentando sobreviver com os traumas
e as consequências que eles a trouxeram. Além dele, eu assisti à entrevista de
uma mulher chamada Truddi Chase que também relata uma história impressionante,
também muito boa. E, para quem quer o apelo criminal, tem o caso de Billy
Milligan, que cometeu três estupros, e foi diagnosticado com TDI durante seu
julgamento (o que, vale ressaltar para os fãs de romance policial, também
rendeu várias polêmicas). Do Billy, entretanto, são relatos sobre ele, e não relatos dele, o que para mim faz toda diferença
na hora de criar um personagem.
E é isto,
galera. Espero ter ajudado de alguma forma, mas a verdade é que, na hora de se
falar de mente, não existem regras ou fórmulas de construção, porque quase tudo
que você imaginar provavelmente já foi vivenciado por alguém. O que eu quis
trazer de primordial aqui foi: estudem na hora de criar seus personagens,
mores, especialmente se eles vierem com características muito alheias à sua
própria experiência de vida. Deem uma pesquisadinha, leiam relatos, leiam
críticas dos filmes que vocês curtem sobre o transtorno X e depois mandem o
link da fanfic para a gente que eu já estou querendo ler de agora.
Ai! adorei esse post! Já me deu altas ideias! Muito obrigada ;)
ResponderExcluirFicamos felizes por ajudar! :D
ExcluirEstou pretendendo criar um personagem com esse transtorno, mas estou com medo, pois é algo delicado...
ResponderExcluirGostei muito do post, vai ser de grande ajuda, muito obrigada!