Romantização de abuso e doenças

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Precisamos falar sobre a romantização de abusos e doenças

Por: Clara Aeva
Perfil: https://fanfiction.com.br/u/388220/

Olá, pessoas!
Tudo bom? Andam lendo muito?
Bom, esse é meu primeiro post no Blog da Liga e para início de conversa, eu nem tinha pensado em fazê-lo, mas recentemente eu abri uma história muito boa e interessante que uma amiga me recomendou e resolvi ler. Logo no primeiro capítulo tinha um estupro que me deixou extremamente de cara e eu decidi que eu precisava falar sobre isso em algum lugar de uma forma séria e objetiva.

A história que li se passava em um universo ABO – Alfa, Beta, Ômega, para quem não conhece -  e durante o cio de um dos principais, o ômega, que já tinha deixado extremamente explícito que não queria absolutamente nada com o alfa, ele ficou "fora de si" por conta dos hormônios e o alfa, que estava perto, se sentiu atraído pelo cheiro que o ômega exalava no cio e disse, simplesmente, que não ia se segurar durante o cio do outro e puf, rolou. No final, o ômega estava chorando as pitangas silenciosamente e o alfa perguntou o motivo dele estar chorando e ele respondeu que era porque estava se sentindo sujo por ter transado com o alfa sendo que ele só o fez por estar fora de si por causa do cio. A questão é que quando eu olhei os comentários, 90% deles eram "Deixa de frescura", "Você topou, agora cala a boca" e até "E daí, olha só quem é ele pra tu ficar reclamando".
Acho que nunca fiquei tão embasbacada na vida, de verdade. Depois de ler esse capítulo e o resto da história (olá, mania de conclusão), eu vi cada vez mais e mais comentários reclamando que o ômega estava era fazendo drama, que não tinha sido um estupro – mesmo depois dele ter gritado aos quatro ventos que não queria nada com o alfa −, que ele estava reclamando de barriga cheia só porque o alfa era o mais desejado de toda a cidade e que tinha escolhido ele e que isso e aquilo e eu simplesmente não consegui tirar essa questão da cabeça: qual a graça e a necessidade de culpar uma vítima de abuso?
Não digo para simplesmente irem em todas as plataformas de histórias existentes para protestar contra histórias que contenham abuso, até porque algumas são extremamente bem escritas e fundamentadas com um plot que faz sentido e sem essa romantização infeliz de algo sério. Peço que caso forem escrever alguma história que envolva abuso, que tome um extremo cuidado com as cenas tanto do ato do estupro quanto da repercussão que terá dentro e fora da história. A culpa nunca é da vítima, o agressor não pode sair impune, não se deve tratar esse assunto como algo banal.
Pensando assim, aqui vai um breve step-by-step para escrever sobre abuso sem romantizar a coisa ou idealizar como algo bom:



1) Pense nos detalhes:
Como assim "pensar nos detalhes", Clara? Tenha em mente que estupro é algo extremamente sério e que muda totalmente a personalidade da vítima, o modo com o qual ela se relaciona com as pessoas e o modo que ela vê o mundo e faz as coisas. Muda o rumo da história, basicamente. Tendo isso em mente, pense no motivo da existência dessa cena. Você a quer só para dar um "up" na história? Impor um drama leve? Se for por isso, aconselho que não faça uso desse ato porque, como eu já disse, estupro é sério demais para ser uma brincadeira. É preciso pensar também em como vai abordar isso, se vai ser narrado, se não vai ser, se a vítima conhecia o estuprador ou não, onde vai ser, o quão pesado vai ser, o objetivo do agressor ao fazer tal coisa com a outra e etc.



2) Pense nas sequelas e em como a vítima vai reagir:
Como a vítima vai reagir ao estupro? Como ela vai lidar com a realidade que foi imposta após isso? Ela vai se recuperar e tentar volta à rotina que tinha antes, ou vai se isolar de tudo e todos e consequentemente demorar a aceitar isso? Como vai ser a recuperação dela? Qual será a ordem das "etapas" que ela vai passar antes de aceitar o que aconteceu? (Obs: As etapas básicas são o choque, negação, culpa – porque sim, há vítimas que se culpam por terem sido abusadas e ficam remoendo o que podem ter feito para isso acontecer – e a "aceitação", mas não precisa ser nessa ordem.) Ela vai ter traumas em decorrência disso? Pense bastante em como esse fato vai refletir na personalidade da personagem.



3) Tome muitíssimo cuidado na repercussão da cena:
Tanto dentro da história quanto fora, essa cena vai dar o que falar, seja algo bom – o que acho bem difícil dadas as circunstâncias -  ou algo ruim, mas vai dar o que falar e é exatamente nesse ponto em que o cuidado precisa ser dobrado. Se o abusador já tiver uma relação com a vítima é necessário que deixe claro que foi um estupro, que a personagem não queria e foi totalmente contra a vontade dela. É realmente importante frisar que estupro não é forma de demonstrar amor, afeição ou algo do tipo e relembrar que é crime (código Penal Brasileiro, artigo 213, Lei nº 12.015, de 2009). De todo modo, tenha extremo cuidado com o que escreve, querendo ou não, alguns leitores pegam o que leem como verdade absoluta e isso é perigoso, por isso tenha em mente a repercussão que isso pode ter.


~x~

 Outro ponto que decidi abordar foi a idolatria sem sentido das doenças e problemas psicológicos que começou há uns dois anos. Passou um tempo que era considerado atraente você dizer que tinha algum problema ou que se cortava. Foram tempos difíceis, não há como negar. Eu lembro de entrar no Facebook, Tumblr etc e dar de cara com fotos de garotas e garotos chorando afirmando ter depressão, fotos de pulsos cortados e sangrentos e a única coisa que eu conseguia pensar era no quanto isso era errado e absurdamente sem sentido, eu digo como alguém que faz tratamento para depressão e ansiedade que aquilo não é nem dois por cento verossímil.
Quando você tem depressão, não costuma sair   espalhando isso para Deus e um mundo que "Oh, eu estou em depressão, olha que legal, não consigo sair da cama e tenho pensamentos suicidas, incrível, não?", na realidade, é exatamente o contrário, você não sente vontade de fazer nada, muito menos de falar com outras pessoas. Isolamento quase que total é o que acontece em grande parte dos casos.
Quanto à ansiedade, ela não é uma doença simples de lidar − ela existe em níveis que vão desde o desconforto até crises de pânico que comprometem várias atividades do dia-a-dia. Ansiedade não é aquilo que você sente ao fazer uma simples prova, que você fica levemente desconfortável, ansiedade é você tremer dos pés à cabeça, suar de modo desenfreado, hiper-ventilar e passar realmente mal.
Essas doenças e outras semelhantes não se curam do dia para a noite −, algumas nem possuem cura, mas sim um tratamento que diminui a intensidade delas. Os únicos conselhos para dar ao escrever sobre essas doenças são quase iguais aos dados com relação ao estupro, só mudam algumas palavras, a essência é a mesma.
Caso resolva abordar algo relacionado ao suicídio, o cuidado precisa ser triplicado e cuidadosamente trabalhado, porque é um assunto delicado e motivo de muitas divergências de opiniões, já que há pessoas que condenam quem tem pensamentos que levam ao suicido e tem gente que não condena e que tenta ajudar.
O conselho geral desse post é: saiba o que você quer alcançar ao colocar alguma dessas coisas na história. Assuntos delicados assim devem ser muito bem estudados e deve-se ter certeza de que é necessário para o andamento da história ou se é só um "drama adicional". Caso tenha dúvidas, não escreva sobre isso. Sugestão de quem entende das coisas: não escreva nada tiver dúvidas, vai por mim.  

E bem, caso não tenha dúvidas e saiba como desenvolver, vá em frente! Só vai! E para quem pretende narrar o abuso, eu recomendo um post, também da Liga, sobre como escrever cenas de estupro, é de 2014, mas ainda assim tem dicas ótimas, então aproveite e faça bom uso. 

4 comentários:

  1. O pior é que essas histórias também refletem a realidade. Não é incomum ver pessoas culpando a vítima pelo ocorrido. Já vi chamarem vitima de estrupou de prostituta

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  2. Fiquei meio confusa na cena do Alfa, Beta e Ômega kkk eles são animais?
    Eu já tinha visto o post de 2014, e é realmente muito bom.

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    Respostas
    1. Como eu não leio muitas fics neste estilo, não sou a melhor pessoa para explicar, mas este artigo (http://sosfanfiction.blogspot.pt/2016/04/universo-abo-o-que-e-como-funciona.html) explica muito bem!

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