Por: Little Girl
Olá, pessoal! Conforme o prometido, aqui estou eu novamente para dar continuidade ao assunto que começamos alguns dias atrás, sobre como escrever um romance slow burn.
Na publicação passada vimos o que é esse tipo de romance, as formas mais comuns nas quais o encontramos, e vimos, também, uma maneira bem simples de organizar a evolução do casal dentro da história. Portanto, se você ainda não viu o texto passado, corra ver para que possamos continuar o nosso papo.
Hoje eu vou falar sobre a construção do Romance Slow Burn dentro da estrutura de enredo mais conhecida e adotada pelos escritores, que é o enredo construído em três atos (assunto, que por sinal, já foi abordado aqui no blog outras vezes). É importante dizer logo neste início, que existem vários tipos de arcos de enredo, e o que vamos abordar para a construção do slow burn será o arco de mudança positiva, pois os nossos protagonistas sempre iniciarão a nossa história incompletos de certa forma, e através do desenrolar dos fatos eles aprenderão determinadas lições que os farão pessoas melhores no final. Algumas pessoas também têm dúvidas se a estrutura do arco do personagem é algo diferente da estrutura do tema da história, e a resposta para isso é: uma coisa certamente depende da outra. A escritora K. M. Weiland, em quem este texto irá grandemente se basear, diz que “o personagem dirige o enredo, e o enredo molda o arco do personagem. Eles não podem trabalhar independentes um do outro”. Logo, o que vamos fazer aqui é aprender como preparamos o arco dos nossos personagens dentro de uma temática qualquer que está inserida numa história com romance slow burn.
A primeira coisa que você terá que ter em mente é que o slow burn é um romance estruturado de maneira diferente de uma história de amor comum. Como a Elyon Somniare aponta num dos textos aqui do blog, a estrutura mais comumente usada nas histórias de amor dá-se da seguinte forma:
Ato 1: Os protagonistas são apresentados ao leitor (e por vezes um ao outro), começando e estabelecendo a sua relação. No final desta fase estão apaixonados [...], mas algo acontece que os separa.
Ato 2: Os amantes separam-se. Pelo menos um deles tenta reaproximar-se do outro, o qual ou espera pacientemente, ou rejeita as tentativas de aproximação. Pode haver uma luta com um antagonista.
Ato 3: Os amantes reúnem-se, devido ao amante ativo, que encontra um modo de ultrapassar todos os obstáculos. E não podem ser os dois ativos e fazer isso? Podem. O que interessa é que o amor foi testado e é agora maior e melhor.
Note que nesse tipo de enredo os protagonistas já começam a estabelecer uma relação amorosa logo no Primeiro Ato, e já no fim dele se separam para serem reunidos novamente apenas no final do Terceiro Ato. Na estrutura do Romance Slow Burn você não pode, de maneira nenhuma, esquecer que o negócio, sim, é muito lento e levado em “banho-maria”, e, portanto, não, nosso casal não fica junto já no Primeiro Ato. Algo concreto irá acontecer só depois da metade do Segundo Ato, sendo seguidamente atrapalhado por algum empecilho que o fará ficar junto apenas no Terceiro e último Ato. Mas, tia, o negócio é tão lento e entediante assim mesmo? Sim, o negócio é lento, cara criança, mas de modo algum entediante. Desde que você siga os passos para prender a atenção do leitor desde o tenro início de sua história, as coisas estarão bem longe do tédio.
Tá, tia Helen, então, como eu faço para estruturar esse romance nos três atos que a senhora falou?
Simples: da mesma forma como você faria com qualquer outra história com arco de mudança positiva (haha!). Por isso, o que vamos fazer aqui é relembrar como essa estrutura é organizada e, no final, veremos um exemplo prático de construção de enredo e personagens os quais, por maldade minha, se enquadrarão naquele primeiro caso mencionado no post anterior, do típico casal que se odeia à primeira vista, depois se torna amigo e, finalmente, ufa, apaixona-se.
Os cinco elementos que irão compor a história do seu personagem
Para colocarmos a história do nosso lindo casal dentro do arco histórico, precisamos antes definir os elementos que darão vida ao nosso enredo. Eu falarei sobre eles no singular, como se referindo-me apenas a um personagem, mas, claro, se a sua história for escrita tanto sob o ponto de vista do personagem A como pelo ponto de vista de B, lembre-se que esses elementos devem ser planejados para ambos.
1. A Mentira em que seu personagem acredita
A Mentira é uma crença específica que o seu protagonista tem, uma visão mal concebida a respeito de si mesmo, do mundo ou de ambos. O Arco do nosso personagem será todo sobre esta Mentira em que ele acredita, pois ela o faz incompleto, e o faz enxergar as coisas sob uma perspectiva errada. Essa visão mal concebida será o calcanhar de Aquiles do nosso personagem, como M. K. Weiland mesmo menciona, e será o que o impedirá de conseguir o alvo que ele tem traçado no enredo da história, assim como o impedirá de desenvolver também um relacionamento amoroso livre de problemas com a outra pessoa. A Mentira é o que o torna “quebrado”, e a jornada é sobre torná-lo “inteiro” novamente.
A Mentira pode causar em seu personagem alguns sintomas, como o medo, a mágoa e diversos outros.
No Romance Slow Burn: A Mentira é visão de mundo ou de si mesmo que faz com que o personagem tenha dificuldades de amar ou aceitar o amor de outra pessoa.
2. A coisa que seu personagem quer versus a coisa que seu personagem precisa
A Mentira se apresenta na história através do conflito entre a coisa que seu personagem quer (algo que o faz sentir-se aliviado dos sintomas da Mentira) e a coisa que ele realmente precisa (a Verdade que ele precisa descobrir, a cura para a sua Mentira). Por exemplo, na história o seu personagem tem um alvo bem definido (a coisa que ele quer). Mas ele, provavelmente, quer essa coisa por uma razão profunda, que talvez nem mesmo entenda direito, e que pode não ser revelada abertamente ao leitor nos primeiros capítulos da história. Você saberá do que se trata, afinal, é a Mentira na qual ele crê que o faz perseguir o alvo que ele quer para a vida dele naquele momento.
Duas coisas a serem ressaltadas:
- A coisa que seu personagem quer será, geralmente, algo externo, físico, pois ele está tentando sanar o seu vazio interno correndo atrás de coisas externas;
- A coisa que seu personagem precisa (a Verdade) é algo que transformará a perspectiva que ele tem sobre si mesmo e o mundo, vindo, portanto, na forma de uma simples (nem um pouco simples) realização.
3. O Fantasma de seu personagem
Bom, a gente sabe que todo mundo possui um passado, certo? Com o nosso protagonista não será diferente. O Fantasma de seu personagem será um evento, algo traumático que o levou a acreditar na Mentira. Esse Fantasma pode prover um bom mistério para a sua história se revelado pouco a pouco. Pode também nunca ser revelado em pormenores, caso você ache que não há necessidade disso, e pode também, algumas vezes, ser dramatizado dentro do Primeiro Ato, como uma espécie de prólogo. Quanto maior o Fantasma, logicamente, maiores os traumas e os efeitos da Mentira na vida de seu personagem.
No Romance Slow Burn: O Fantasma de seu personagem é alguma experiência de vida que o fez ter dificuldades de relacionamento, que o fez ter medo de amar e aceitar o amor proveniente de outra pessoa, e pode estar geralmente atrelado a uma experiência romântica ruim do passado ou mesmo traumas familiares, como rejeição, abandono ou violência.
4. O Momento Característico
É aquele momento no qual você tem a chance de cativar os seus leitores, logo no início do Primeiro Ato. É a forma com a qual você irá apresentar as características importantes de seu personagem, o papel dele na história, revelar qual é o seu alvo dentro do enredo e demonstrar de alguma forma qual é a Mentira em que ele acredita. Pode ser feito numa grande cena ou numa sequência de cenas. O importante aqui é ganhar o coração do leitor.
No Romance Slow Burn: Além de ser as cenas nas quais você apresenta os seus personagens e suas características, pode também ser aquele momento relacionado ao que chamamos de Evento Instigante: É aquele momento em que você apresenta o potencial de conflito entre os nossos personagens, que no final acabarão se apaixonando.
5. O Mundo Normal
O Mundo Normal é um cenário, uma montagem. É onde a sua história começa, é o lugar no qual o seu personagem está inserido. Ele pode estar contente vivendo dentro dele, pode estar infeliz ou mesmo apático. Mas é neste Mundo Normal que as coisas se transformarão. Ele acaba sendo uma representação externa do mundo interior de seu personagem. No final da história, ou ele conseguirá sair daquele Mundo que para ele é destrutivo ou, se o seu Mundo Normal é um lugar saudável e apenas a visão do seu protagonista é que é distorcida, ele terá de mudar o suficiente para conseguir enxergar as coisas de um outro ângulo.
No Romance Slow Burn: O Mundo Normal de seu personagem pode ser, além do lugar físico, um cenário que o mostre em relacionamentos de apenas uma noite com muita frequência, um lugar que o torna propício a tratar o sentimento dos outros com desprezo, um cenário que o mostre miserável, querendo se manter isolado das pessoas, pelo trauma que lhe causaram no passado. Seja o que for, mostre aos leitores que o Mundo Normal é um mundo no qual ele ainda não encontrou o amor de verdade.
Vamos, agora, colocar esses elementos dentro dos três Atos de nossa história:
O Primeiro Ato
- Cobre, aproximadamente, 25% do total de sua história;
- Introduz os personagens importantes, os cenários, as questões e as Mentiras nas quais nosso personagem acredita;
- Introduz o conflito de sua história com o Evento Instigante — o evento que começa a mudar a sua vida (é aqui que a primeira problemática surge entre o nosso futuro casal: ou eles se odeiam logo de cara, ou se conhecem pela primeira vez, ou descobrem que terão de fingir um falso relacionamento... Enfim, algo acontece e prepara/muda a relação dos dois);
- É no Primeiro Ato que também encontramos o primeiro ponto da virada, que é aquele grande acontecimento que mudará, definitivamente, a vida de seu personagem, e o fará sair de seu “Mundo Normal”. É aí que começará, de fato, sua grande jornada e, no nosso caso, a sua longa caminhada até o amor. O primeiro ponto da virada acontece no final do primeiro ato e está diretamente ligado com o Evento Instigante. Por exemplo, se na sua história o Evento Instigante é uma trombada do personagem A em Personagem B na entrada da escola (o que irrita B profundamente), o primeiro ponto da virada pode ser o fato de eles descobrirem que, além de colegas de classe, terão de trabalhar juntos num projeto que durará o semestre inteiro.
- Cobre 50% do total de sua história;
- Na primeira metade, mostra o personagem se imergindo, de fato, na sua nova jornada tentando reganhar o seu equilíbrio e descobrir como sobreviver no “Mundo Novo” no qual ele foi parar (aqui na nossa temática, tem a ver com aprender a se relacionar de alguma nova maneira com o outro protagonista. É aqui que eles se tornarão amigos, se já não eram antes, e perceberão gradativamente que possuem sentimentos um pelo outro. E sim, aqui poderá ser inserido diversos conflitos entre nosso casal). É na primeira metade também que conhecemos mais sobre o Antagonista do nosso personagem, com que forças “do mal” ele está lidando (note bem, esse Antagonista não precisa, necessariamente, ser uma pessoa. O Antagonista tem a ver com tudo aquilo que tem potencial para fazer com que o nosso casal não fique junto, o que inclui os seus traumas do passado e a forma como ele age e enxerga o mundo no momento presente);
- Na metade dele podemos encontrar o Ponto Central, que é o outro ponto da virada na vida de nosso personagem; aqui há uma nova mudança de perspectiva, um momento chave de revelação na vida dele. Ele para de apenas reagir e começa a agir em favor de si mesmo. Ele ainda aceita a Mentira, mas, inconscientemente, começa a agir em harmonia com a Verdade (em outas palavras, aqui pode ser o momento no qual ele percebe que, de fato, possui sentimentos pela outra pessoa, ou percebe que sim, ele pode se abrir novamente para o amor, ou que as pessoas são capazes de amar sem enganar, de serem sinceras, de se importarem verdadeiramente, enfim, há uma gama de possibilidades, e todas essas realizações influenciarão de forma muito positiva na relação de ambos);
- Na segunda metade do Segundo Ato, há uma forte ação do protagonista, baseada na Revelação do Ponto Central (ou seja, é aqui que comportamentos destrutivos que são regidos por conta da Mentira vão sendo deixados para trás, e nossos protagonistas vão deixar de fugir do que sentem. Eles irão, conscientemente, se aproximar mais e mais até não mais resistirem um ao outro). Há também a mostra da habilidade que o antagonista possui para derrotar os protagonistas e é onde faz-se necessário que todas as peças do quebra cabeça de nosso enredo estejam apresentadas, para que sejam colocadas no devido lugar no Terceiro Ato.
- No fim do Segundo Ato haverá também o que chamamos de “falsa vitória” (No Romance Slow Burn, é aqui que, provavelmente, nossos pombinhos irão entregar-se ao sentimento que sentem um pelo outro pela primeira vez de maneira concreta).
- Preenche os últimos 25% do total de sua história;
- Ata as pontas soltas dos enredos menores;
- Inicia-se com o terceiro ponto da virada (este será o momento mais baixo de seu personagem, a derrota vinda após o seu falso momento de vitória, proveniente por uma “carta na manga”, uma crise inesperada que o acomete. Claro, como você já deve estar imaginando, essa “crise inesperada” vai totalmente separar o nosso querido casal, mesmo que ele mal tenha tido tempo de ficar junto pela primeira vez. É aqui também que o “velho eu” morre, e o personagem será totalmente honesto consigo mesmo, escolhendo, de uma vez por todas, entre aquilo que ele quer e aquilo que ele precisa);
- Possui o clímax, o ponto mais alto do conflito de sua história (uma cena, ou sequência delas, que deve mostrar a força do protagonista de encarar o conflito principal que rege a sua história num confronto decisivo — os nossos protagonistas lutarão contra todos os problemas internos e externos que os impedem de ficar juntos. No final do clímax, finalmente, o nosso casal resolve todas essas questões e consegue ficar junto, yay!);
- Termina com a Resolução, mostrando aos leitores o novo Mundo Normal de seu personagem (sim, o momento de relaxamento, para acalmar o leitor dos eventos anteriores. Mostre o nosso casal feliz e apaixonado, bem como as conquistas que tiveram superando seus traumas pessoais e fazendo o outro uma pessoa melhor no decorrer da caminhada).
E assim, chegamos ao final do nosso esboço. Para aqueles que desejarem, aqui embaixo vocês encontrarão dois links com uma planilha contendo todos os tópicos aqui abordados, expostos de maneira mais detalhada e com fichas de perguntas para que você possa criar a sua história de Romance Slow Burn (ou qualquer outra, na verdade). No primeiro link está a planilha com um exemplo de enredo com o slow burn, criado com a ajuda e a criatividade do Beta Seikou Aori (thank you!), e na outra, a mesma planilha em branco, para que você possa fazer o download e utilizá-la para seu planejamento histórico.
Gostaria de ressaltar que os detalhes apontados dessa estrutura, bem como as fichas de perguntas contidas nas planilhas são informações retiradas do blog da escritora já mencionada anteriormente, K. M. Weiland. Eu apenas organizei tais informações dentro de uma planilha de trabalho. No site dela você encontra o assunto aqui abordado de forma muito mais minuciosa e detalhada, como também outros assuntos relacionados a este. Se você entende inglês, dê uma passadinha por lá, vale totalmente a pena. Quanto a mim, deixo aqui o meu tchauzinho e até a próxima!
Link 1 (planilha com exemplo):
Link 2 (planilha em branco):
Referências:
Blog da escritora K. M. Weiland:
Demais referências:
Olá,gostei bastante dessas duas partes sobre slow-born,será muito útil mesmo.Mas,meu problema está relacionado a condução da história,tem muitos momentos em que a protagonista conta histórias para outra pessoa,isso é,continuamente:a cada capítulo ela vai contando mais histórias sobre sua relação romântica com um garoto.Quero ajuda em como deixar as histórias narradas por ela não monótonas pelo excesso e frequência delas,e minimizar os diálogos adicionais,como:a ouvinte comentar e aconselhar,e as duas conversarem sobre a história falada.Porém,minimizar sem tirar o realismo,e também adicionar motivação e sentido para que a ouvinte tenha se interessado tanto e fale pouco.Conselhos sobre como deixar uma história que se passe em maior parte do tempo por lembranças mais interessante também seria útil,agradeço desde já,ótimo blog.
ResponderExcluirEu vou adicionar a tua sugestão ao nosso banco de ideias para posts. Entretanto, o melhor conselho que te consigo dar é arranjares um beta, pois ele, conhecendo a história e acompanhando a tua escrita, será a pessoa mais capaz de te ajudar. Boa sorte!
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