Reconhecendo Uma Ideia Ruim

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Por: Edgar Varenberg

É muito comum que a vida de um escritor seja repleta de momentos aleatórios em que, de repente, temos uma ideia. Seja para algo novo ou para algo que ainda está sendo desenvolvido, diversas situações, palavras ou até mesmo outras obras implicam aquela movimentação nas “engrenagens” do cérebro. Entretanto, também passa pela mente de alguns a insegurança da tal ideia realmente é aplicável, isto é, se ela é boa ou ruim. Este artigo trará algumas dicas e exercícios que podem ajudar a reconhecer se essa ideia é ou não o esperado.

Primeiramente, reflita sobre a dimensão da ideia. É algo difícil de desmembrar? Tem muita quantidade de informação? Vejamos as situações mais comuns de quando a ideia é:

  1. Muito complexa ou quantitativa: caso se trate de uma ideia nova, significa que é um bom caminho a seguir, afinal, enquanto construímos nossas ideias, é muito comum cortarmos muito material, como um processo de polimento. Entretanto, se for para uma ideia para algo em desenvolvimento, é necessário se policiar quanto a isso, porque quantidade em excesso, nesse caso, pode implicar num desvio da sua ideia original (a que já estava em desenvolvimento). Normalmente, quando temos ideias mais quantitativas, elas estão orientadas para algo novo.
  2. Muito simples ou pequena: é evidente que para uma ideia nova, até mesmo para projetos pequenos (como, por exemplo, uma one-shot), é insuficiente; inclusive, a teimosia de seguir ideias assim costuma gerar bloqueio criativo. Já para projetos em andamento, já é possível uma reflexão sobre como aquilo pode contribuir, desde um detalhe importante sobre um personagem ou fato a até mesmo um pequeno acontecimento em um dos capítulos.

Outro ponto importante a ser trabalhado é a expectativa da ideia. Às vezes temos a falsa impressão de que uma ideia não funcionou por não ter parecido “tão legal” quando passada para o papel, mas as expectativas mudam de pessoa para pessoa, portanto, costumamos realizar aquele velho e bom ato de perguntar aos outros, pedir opiniões.

O terceiro ponto envolve o formato da ideia. Uma ideia pode assumir quatro formatos diferentes, que, por consequência, atuam de maneira distinta num projeto, e é elaborada conforme o seu tipo e cada tipo tem sua função própria no texto. São eles:

  1. Formato lógico: A ideia perante um conceito, um significado. Basicamente é o formato que mais conhecemos (e costumamos dizer que apenas isso é “ideia”), é tudo aquilo que é concreto e possível de se passar para o papel. É a “coisa pronta”, podemos dizer.
  2. Formato ontológico: A ideia perante a si mesmo, se o material é possível no real. Basicamente são conceitos que decidimos, conforme nossas próprias capacidades, se é utilizável ou não. Geralmente, quando a resposta é negativa, encaramos a ideia como algo absurdo.
  3. Formato transcendental: A ideia acima do conceito de ideia, quando é algo que não se conhece e você ainda precisa alimentar o conhecimento por trás disso. Geralmente é assim quando experimentamos coisas novas ou entramos em contato com ideias ontológicas alheias.
  4. Formato psicológico: A ideia perante informações subjetivas no nosso inconsciente, o formato em que se encontra a fonte das demais e que é alimentada pelas experiências da vida, também pode ser enxergada pelas inspirações ou o que nos inspira (embora não seja totalmente isso, já que este é um conceito mais perto da criatividade).

E como saber disso ajuda, afinal, a identificar uma ideia ruim? O primeiro passo é saber diferenciar esses conceitos para que não haja confusão. Muitas vezes achamos que uma ideia é ruim, por exemplo, por acharmos um absurdo; mas, na verdade, como foi visto, isso é simplesmente uma ideia ontológica, que só não se encaixa nas próprias capacidades; é um recurso que realizamos automaticamente e nos impede de trabalhar coisas que nunca estaria compatível conosco. Ou que a ideia ficou pequena demais e, portanto, necessariamente, é ruim; vimos que não é bem assim.

Contudo, o fato de reconhecer ideias ruins não se encontra nesses meios óbvios. O exercício disso deve ser justamente em situações aparentemente imperceptíveis, as quais achamos que tudo está perfeitamente aplicável, mas pode, na verdade, não estar. Juntamente com o conhecimento de saber separar esses conceitos de ideias, existem dois exercícios muito úteis para essa situação:

Situação 1 

Você se encontra numa situação onde tudo se encaixa perfeitamente, sua ideia tem início, meio e fim, é só colocar em prática. É muito provável que você esteja se deparando com uma ideia ruim. Afinal, todo projeto passa por modificações, tanto pessoais quanto externas. Basta rever os formatos de ideia, ou seja, um projeto está fadado a passar por pelo menos aqueles quatro formatos, essa linearidade que você vê inicialmente na sua ideia vai ser quebrada cedo ou tarde. 

Um ótimo jeito de contornar isso é, primeiramente, aceitando que por mais perfeita que a situação pareça ser, você pode estar lidando com uma ideia ruim. Tente mudar algumas situações, ver se fica melhor ou pior. Esse senso crítico que você estiver exercitando vai te ajudar não só a ver se o seu projeto realmente pode seguir outro caminho, mas também serve para olhar a ideia, antes totalmente perfeita, com uma visão mais crítica. Se você tiver dificuldades com senso crítico, pode sempre chamar um amigo ou um beta-reader. Ser crítico amplia horizontes e abre portas para uma ideia ter mais de um conceito.

Situação 2

Você está com uma ideia, porém se encontra totalmente em dúvida sobre valer a pena ou não; além disso, não quer arriscar colocar em prática só para descobrir que isso, futuramente, vai ser como você queria ou não. Realmente não dá para prever o futuro, mas essas quatro perguntas a seguir podem ajudar a ter um esclarecimento mental:

  1. A ideia veio realmente de uma inspiração ou de um impulso temporário em ter visto algo maravilhoso?
  2. O meu eu de x anos atrás planejaria algo assim?
  3. Eu realmente faço ideia do que eu estou fazendo?
  4. Eu seria capaz de ter essa ideia novamente?

Como muitas coisas na vida, fazer as coisas por impulso tendem a nos levar para o erro. Inspiração é algo que nos vem e permanece, admiração é algo que acontece enquanto estamos ali para admirar e, no processo criativo, isso nos instiga a querer “fazer parecido”; e esse desejo de fazer parecido nos leva a ideias ruins.

Se você se considera um ser em constante evolução, coisa que é comum entre os escritores, olhar para o passado pode ser uma ótima opção. Se a resposta para a pergunta “2” for sim, considerando que você se considera em constante evolução, esteja em mente que é muito provável que você esteja segurando uma ideia ruim. Desapega!

Essa vai para os ambiciosos de plantão, que se esforçam bastante para ter a ideia triunfal e mais bem trabalhada de todas. Antes que me joguem pedras, não tem nada de errado em se esforçar demais com isso, mesmo que seja extremamente trabalhoso. No entanto, a pergunta “3” pode ter pegado alguns desse tipo de surpresa. E se a resposta foi não... Ideia ruim.

O melhor artifício que um escritor pode ter é a mente e a criatividade que funcionam constantemente, por dias, abordando uma infinidade de assuntos. Mas escritores também são pessoas e pessoas são muito passageiras, assim como ideias. Uma ideia forte é aquela que não é tão passageira assim, algo bom para refletir. E a última pergunta foca justamente nisso: a ideia é algo passageiro assim como o meu eu naquele momento em que a tive ou é algo que com certeza eu pensaria hora ou outra? Se você não consegue enxergar aqui sempre como novo e intenso com o passar dos dias, a ideia ruim é uma possibilidade.

Enfim, o conceito de ideia ruim não fica preso a coisas inviáveis ou rejeições pessoais; com esse artigo, o que desejo é que vocês enxerguem como ruim aquilo que não é praticado, que pode se tornar um obstáculo e, futuramente, atrapalhar mais do que ajudar, ou simplesmente ser algo que não vai para frente, que não produz. Afinal, são ideias ruins.


Um comentário:

O blog da Liga é um espaço para ajudar os escritores iniciantes a colocarem suas ideias no papel da melhor maneira possível.



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