Por Ana Coelho
Como expressar uma opinião com pontos negativos e positivos sem ofender o outro, e como transformar essa opinião num incentivo para levar alguém a melhorar o seu trabalho?
Comecemos com uma coisa que, por vezes, deixa muita gente confusa:
Em que consistem as críticas construtivas?
Bom, para podermos ter uma noção do conteúdo de uma boa crítica construtiva, temos de entender qual é a função dessas críticas. Quando alguém escreve uma, a sua intenção nunca é deitar um autor abaixo, mas tentar arranjar maneira de o fazer melhorar. Quer-se levar o escritor de uma história tanto a reconhecer as suas falhas, para as poder superar, como a reconhecer as suas maiores capacidades, para poder continuar a apostar nelas sem medos.
Assim sendo, depois de isso estar esclarecido, é-nos mais fácil entender que uma crítica construtiva aborda tanto pontos positivos quanto pontos negativos. Nelas é sempre explicado o porquê de algo ter funcionado menos bem ou de ter sido mal desenvolvido, para que o escritor possa vir a trabalhar nesses problemas e possa procurar resolvê-los. Por outro lado, também é sempre mencionado aquilo em que o escritor tem mais jeito, para que este possa ficar ciente das coisas que desenvolve, descreve ou cria melhor, e possa tentar algo semelhante noutra história, ou para que dedique o seu tempo a desenvolver outras áreas da sua escrita (não se preocupando tanto em aprender mais sobre um assunto que já domina relativamente bem).
O objetivo de uma crítica construtiva é sempre ajudar um autor a melhorar e, para isso, todos os aspetos bons e menos bons podem e devem ser mencionados — sempre com uma explicação para que o autor compreenda cada aspeto mencionado, compreenda que a crítica é justificada e tenha um caminho a seguir para poder tentar melhorar.
O que diferencia uma crítica construtiva dos outros tipos de comentários?
Nenhum comentário simples alguma vez se compara a uma crítica construtiva. Os comentários maldosos ou cheios de elogios bonitos, mas vazios, por exemplo, falham exatamente naquilo que é mais fundamental numa crítica: a intenção de levar um autor a melhorar. Um bom crítico, como já disse acima, explica todas as coisas que indica, boas e más, para que um autor possa ter algo com que trabalhar e melhorar.
Por exemplo, um comentário com más intenções somente indica pontos negativos, sem contrapeso algum, e o seu objetivo é, pura e simplesmente, atirar um autor para baixo. Usualmente os seus comentários são até de caráter pessoal e não recaem sobre a obra, não têm quaisquer argumentos que fundamentem aquilo que é dito ou, às vezes, não chegam a passar de insultos e xingamentos, melhor ou pior disfarçados.
Um comentário positivo mas sem conteúdo também falha porque, apesar de subir a autoestima a um autor, este não se irá tornar melhor por causa dele — não irá ter uma análise à sua obra feita por outros que têm um ponto de vista diferente do seu, não saberá o que a pessoa interpretou ou achou realmente do seu trabalho, não saberá quais são os pontos menos bons do seu trabalho e não terá uma base sobre a qual se apoiar para melhorar. O comentário pode estar cheio de elogios, muitas vezes adjetivos positivos para elogiar o autor, mas ele não ficará a saber o que motivou essa opinião, quais são os pontos fortes do seu trabalho que surpreenderam e agradaram tanto ao seu público.
Como escrever uma crítica construtiva?
Como fui dizendo ao longo do texto, há várias coisas que compõem uma crítica dessas e que devem estar presentes no resultado final.
Antes de mais nada, é preciso analisar o trabalho na sua totalidade. Foi maioritariamente bom? Ou foi maioritariamente mau? No caso de ser maioritariamente bom, e tendo em conta que nada é perfeito, como é que se pode transmitir ao autor que a história é boa, sim, mas que tem coisas que também podem ser melhoradas? E, no caso de ser maioritariamente mau, como é que se pode transmitir isso ao autor sem que ele fique ofendido ou magoado, e sem nos esquecermos das pequenas coisas boas que há no texto?
O "truque" está no equilíbrio e na forma como todos esses aspetos são abordados.
Assim, se o texto for maioritariamente positivo, não te esqueças de dizer que mesmo assim há coisas que podem ser melhoradas.
Por exemplo:
«A história tem uma linguagem fluída e natural, as personagens estão todas bem criadas e os diálogos são super realistas. No entanto, acho que poderás melhorar as tuas descrições; elas são um pouco pesadas e longas, tornando o texto mais aborrecido em certas ocasiões.»
E, depois, expande a tua ideia e tenta explicar por que algo não foi feito da melhor maneira:
«As descrições devem ser longas quando isso é necessário, e mais curtas quando aquilo que está a ser descrito for menos importante para a história. Por exemplo, quando a protagonista passeia junto à praia e descreves as lojinhas espalhadas pela areia, poderias simplesmente ter descrito uma loja ao pormenor. Elas são todas iguais e, quando as descreveste a todas com extrema minúcia, o texto tornou-se repetitivo e aborrecido. A tua história não se ia passar nas lojas, elas não eram importantes para o desenvolvimento do enredo. Por muito bonitas que aches que certas descrições são, às vezes é melhor cortar ou reduzir o que é acessório... Porque, mesmo que nem toda a gente tenha achado isso aborrecido, podes ter criado expectativas erradas nos leitores. Se dedicas tanta atenção às lojas e aos seus produtos, seria de esperar que eles fossem importantes para a história, certo? Num filme nunca vês coisas secundárias a ocuparem o plano principal por muito tempo. Isso acontece porque o que é secundário deve ser deixado para segundo plano, para que os teus leitores possam concentrar-se no que é realmente importante. Este foco tão grande apontado às lojas na praia tirou a atenção da trama principal e nunca deves querer que isso aconteça. Os "figurinos" nunca devem ser mais chamativos do que os "protagonistas".»
O mesmo vale para histórias maioritariamente negativas.
«A história tem bastantes erros ortográficos e gramaticais, que tornam a leitura difícil e confusa. Muitas vezes, por as frases não estarem muito claras, torna-se bastante complicado de entender o que queres dizer ou a quem te estás a referir... As tuas personagens sofrem alterações muito repentinas e não justificadas, o que faz com que seja difícil para um leitor levá-las muito a sério. Elas não reagem a nada, elas simplesmente vão andando pela história. Verosimilhança é algo muito importante numa narrativa e as tuas personagens não são muito realistas.»
A seguir tens de te focar em ajudar o escritor, desenvolvendo o porquê de algo não estar bem tratado no seu trabalho:
«Sugiro que consultes gramáticas e dicionários online para esclareceres as tuas dúvidas sempre que não souberes muito bem como algo se escreve. Podes sempre pedir ajuda a um amigo que seja bom a lidar com português, ou até a um beta reader. Mas não lhes peças correções; pede-lhes explicações dos teus erros, para que possas aprender e escrever cada vez melhor!
Sobre as tuas personagens, deixa-me explicar isso melhor, dando-te exemplos. Imagina que eu quero muito ser médica. Aqui em Portugal, tens de ter notas altíssimas para entrares em Medicina, é o curso em que é mais difícil entrar. No entanto, se eu não tivesse entrado por duas décimas, eu ficaria destroçada. Seria incapaz de, dez minutos depois de saber dessa novidade, ir sair com amigos e de estar sorridente e bem-disposta. As pessoas sofrem com coisas más, têm de ter tempo para as digerirem. Quanto mais importante algo for para alguém, de mais tempo esse alguém precisará para superar a dita coisa. Se eu tivesse tentado entrar em Medicina por acidente, então não ficaria triste. Mas, se ser médica tivesse sido o meu sonho de criança, a única coisa que eu me conseguiria imaginar a fazer no futuro, se fosse o meu objetivo de vida mais importante... eu quebraria por dentro e teria de me recompor antes de poder retomar à minha vida normalmente. E, ainda assim, em momentos chave, como ao ter os meus colegas a falar das suas faculdades, ou ao ter amigos a perguntar-me se eu entrei no curso, eu iria abaixo novamente. As pessoas reagem às coisas ao seu redor... Vivem, respiram, sentem e sofrem. E as tuas personagens devem fazer o mesmo. Devem agir como pessoas reais, e reagir como pessoas reais também. Quando as tuas personagens são contraditórias naquilo que pensam, sentem, querem ou fazem, parecem demasiado superficiais. Por vezes parece que não tiveste cuidado ao desenvolver as personagens, e não valorizas o que sentem ou pensam, e chegas até a ter momentos de contradição. É preciso ter cuidado com isso, e pensar sobre a forma como elas devem reagir e comportar-se nas situações que lhes apresentas.»
E tens de tentar compensar, dizendo coisas boas:
«Por outro lado, tenho a dizer-te que crias diálogos incríveis! São realistas e vivos, cheios de energia e sem conversa vazia aborrecida. Usaste sempre os diálogos para fazeres a história avançar, para criares ou resolveres conflitos, para dares a conhecer as tuas personagens.
As tuas descrições também são fenomenais! Não te prendes com detalhes irrelevantes e dás a informação certa para que o leitor se possa situar nos teus cenários, sem nunca abrandares a ação por causa delas. Consegues equilibrar muito bem as imagens que crias com o avançar do enredo.»
Para terminar, em qualquer uma das críticas, a destinada a uma história maioritariamente boa ou a uma com muitos problemas, menciona novamente tudo o que houver de bom antes de concluíres o texto, para subires a autoestima ao escritor. Isso é importante para que ele não se sinta humilhado e consiga ver que não pretendes deitá-lo abaixo, mas ser realista. Focar o lado bom é muito, muito importante porque, sem ele, destruirás uma obra e um autor. Lembra-te que o "truque" está no equilíbrio, e o lado positivo costuma ser o mais esquecido.
Esta é também a altura certa para dares uma opinião mais pessoal, se quiseres.
«Gostei muito da tua história! Os problemas e conflitos que foste desenvolvendo foram super originais e divertidos, e as personalidades de todos os protagonistas são muito engraçadas. Diverti-me muito!»
E pronto. Basicamente é isso. Espero ter-vos ajudado!
Se tiverem dúvidas, não hesitem em entrar em contacto com a Liga pelo nosso ask.fm/ligadosbetas, não hesitem em aparecer pelo nosso grupo de Facebook, o SBLAN, e falem conosco :) .
Podem sempre pedir sugestões de temas aqui para o blog por todos os nossos canais de comunicação :D .
Até a próxima.
Esse artigo pede por notas finais:
- Críticas construtivas podem ser feitas a qualquer tipo de trabalho, criativo ou não, escrito ou não, e não só a histórias. Podes criticar um prato cozinhado por um chef, podes criticar um cachecol que a tua tia tricotou para ti, podes criticar um filme, podes criticar o que quiseres. No entanto, tendo em conta o universo em que a Liga dos Betas se insere, mantive o post sobre críticas de histórias, normalmente deixadas como comentários em plataformas como o Nyah, que servem para a divulgação dos ditos trabalhos escritos.
- Sei bem que as críticas dadas como exemplo têm um vocabulário e uma forma pessoal/informal. Novamente, foram criadas tendo em conta a maior fatia do público do Nyah, e adequados ao meio informal da partilha de histórias online que é esse site.
- As críticas de exemplo não foram feitas a nenhuma história específica. Foram exemplos elaborados a partir da minha imaginação. Se estiverem confusos, por favor, avisem-me, que eu criarei outros.
- Normalmente, nas críticas que eu faço, costumo ser muito mais pessoal e menos "fria" (apesar de as críticas de exemplo terem um tom informal). Tentei criar os exemplos da forma mais neutra que consegui, para que a forma possa ser usada como base para todo o tipo de comentário. Sintam-se à vontade para serem menos frios nas vossas críticas, por favor! O que interessa é o conteúdo e a ajuda que quiserem dar a um autor, e não as palavras ou o nível de linguagem escolhidos para passar a ideia. Não precisam de ser duros ou parecer austeros para se fazerem e terem a vossa crítica reconhecida pelos outros. O que lhe dará o valor e o reconhecimento será sempre o seu conteúdo informativo, preocupado com as justificações para os apontamentos e em ajudar os outros. Desde que a crítica cumpra a sua função, em sites ou situações como no Nyah!, com um ambiente descontraído e "não-profissional", procurem divertir-se enquanto ajudam os outros!
Muito produtivo! Ajudou muito, Bunny. O blog está lindo, com um leque enorme de ajuda dentro da literatura. Parabéns, comunicadores ♥
ResponderExcluirMuito obrigada pelo comentário! ♥
ExcluirSempre me pergunto como farei uma crítica sem ofender, e ainda, como saberei analisar um texto com olhos críticos. Tenho um problema seríssimo em analisar os textos criados por amigos autores, já que na minha visão, todos estão perfeitos, pois eles escrevem muito bem. Mas, enfim, sabemos que somos eternos aprendizes e que uma boa crítica nos ajuda muito no aperfeiçoamento.
ResponderExcluirAdorei seu artigo!Já me deu as primeiras dicas de como devo avaliar algo em dois aspectos sem medo.
Obrigada!
Ficamos contentes por ajudar!
Excluir