Por:
Humberto Cotrim
Um
texto narrativo é, basicamente, o ato de contar uma história, seja
ela real ou fictícia. Sendo assim, para que o enredo de uma obra
literária faça sentido, ele deve ser construído sobre elementos
alicerces, que são: as personagens, o narrador, o tempo e o espaço.
Essas unidades estão conectadas e tornam a narração factível.
Todo leitor já se deparou com esses elementos narrativos, certo?
Sim. Mas existe sempre aquele algo a mais.
Ao
iniciarmos o processo de escrita, todos os elementos destacados acima
estarão lá. Porém, podemos nos complicar na hora de definir e
descrever aonde a história irá acontecer, tornando-a pouco atrativa
aos olhos de um leitor. Uma boa maneira de gerar um texto coerente
com o espaço/tempo, por exemplo, é se prender à ambientação.
Embora a palavra ambientação nos remeta a um ambiente, esse termo
está longe de ser simplesmente o cenário ou local onde a narração
acontece.
Podemos
definir ambientação como o conjunto das circunstâncias ou
condições em que existe certo objeto ou em que ocorre determinada
ação. Este termo engloba ainda diferentes contextos, como a
biologia, política e geografia.
Tudo
fica mais fácil quando tomamos exemplos, não é? Então, para
compreender melhor o que cada termo desses representa, vamos analisar
uma obra cinematográfica bem conhecida: Avatar,
de 2009. O enredo é todo ambientado com a ajuda da ficção
científica e usa a lua Pandora como palco principal para desenvolver
a trama. Daí já se pode observar o que seria a geografia da
ambientação. Afinal, este “mundo” não existe e foi criado a
partir da imaginação do roteirista. Ele teve que criar espaços
físicos, relevo, fauna, flora e clima do local. A ambientação foi
embasada ainda na biologia de Pandora, tanto na sua natureza
diferenciada quanto na de seus habitantes humanoides, os Na’Vi. E
para tornar esse “mundo” novo mais acreditável, montou-se também
uma estrutura política dos nativos, um povo caçador-coletor que se
dividiam em tribos e que tinham uma forte ligação com todos os
seres vivos.
Dito
isso, pode-se afirmar que a ambientação traz para a história
profundidade e torna a leitura muito mais crível, pois possibilita
que o leitor veja as personagens situadas nas condições em que
vivem: seja no tempo, no espaço, na interação social e cultural em
que estão inseridas.
Por
vezes, a ambientação auxilia na hora de criar um conflito dentro da
história. E isso é bom? Claro! Uma narração é preenchida com
momentos-chave, que predem a atenção do leitor e servem de
combustível para o andamento da trama. Quando o ambiente se opõe às
personagens, estabelecendo com elas um conflito, o enredo se torna
mais atrativo. Sendo possível até mesmo categorizar a ambientação
como uma antagonista. Nestes casos, é comum haver uma caracterização
mais aprofundada do ambiente.
Então,
caro colega, que tal fazer uma ambientação legal em seu texto? Eu
acho digno.
“Mas,
tio, eu não sei fazer essas coisas.”
Sabe
sim, jovem padawan.
A
capacidade de narrar é um aspecto intrínseco dos seres humanos.
Estamos sempre narrando episódios ou contando eventos de que
participamos, assistimos ou sobre os quais ouvimos falar. Logo, fazer
uma ambientação dentro de seu próprio mundo é totalmente
possível. Quando tratamos de um enredo que é contextualizado de
acordo com o mundo a nossa volta, fica muito mais fácil ambientar a
história. Afinal, tudo que você precisa já existe, só é
necessário um olhar mais observador para captar o essencial e,
então, o traspor para o papel ou tela do computador. Há, claro, a
possibilidade de sua narrativa ser ambientada no passado. Aconselho,
nesse caso, a escrever após uma pesquisa em cima de registros
históricos.
Há
ainda a possibilidade de você querer escrever uma história mais
distante do nosso mundo sensível, ou seja, um enredo voltado para a
fantasia ou sci-fi, por exemplo. Diante disso, as coisas mudam de
figura. Todos os três termos da ambientação podem necessitar de
alterações e caberá a você uni-los em harmonia.
Nesse
contexto, irei exibir algumas dicas básicas para auxiliar a
construção da ambientação de um enredo.
Dica
um:
defina o gênero.
Ok,
pode parecer meio óbvio, mas é bom lembrar. O gênero da sua
narrativa diz muita coisa sobre o enredo. Ele guiará a história por
dentro de seu mundo fictício. Sem falar que muitos gêneros
direcionam a mente criativa por trás da obra, ou seja, você! ao
criar coisas novas ou a adaptá-las de maneira adequada.
Dica
dois:
encare o mundo atentamente.
Se
você optar por uma história original que pretende usar a sociedade
atual como plano de fundo, um olhar mais atento pode ajudar bastante.
Cada tempo é caracterizado por um estilo diferente. O contemporâneo
não é diferente, a sociedade age de uma maneira e você pode
transpor isto para seu texto. Sem falar que diversos eventos atuais,
que variam de conflitos a transformações sociais, podem virar palco
para a trama.
Dica
três:
a ambientação também ajuda os fandons.
Você
fará uma fanfiction
sobre
um fandom existente, mas não é por isso que negligenciará a
ambientação. Certo? Certo. Pense em como as personagens estão
estabelecidas dentro daquele ambiente narrativo. Procure compreender
como o tempo/espaço afeta o desenvolver da história e de que forma
ele se relaciona com as personagens. Isso irá te auxiliar até mesmo
na hora de compor as personagens.
Dica
quatro:
a literatura fantástica não requer tantas explicações.
Polêmica!
Temos
diversas referências de histórias de fantasia ou sci-fi que
exploram bastante a ambientação, descrevendo com riqueza de
detalhes o mundo da qual faz parte; sem falar das línguas, cultura,
mitologia etc. Isso é ruim? Não, mas pode cansar o leitor. Existem
narrativas que exploram tanto o ambiente, que acabam por esquecer-se
do principal, do enredo. É como se as personagens existissem somente
para que o autor pudesse descrever seu universo particular. Dessa
maneira, aconselho uma descrição sucinta e gradual. Assim, a
leitura se torna mais natural e você não deixa de dar destaque para
os detalhes da ambientação. Seria ótimo também se você
conseguisse mesclar as descrições com momentos-chave. Desse modo, a
trajetória não seguiria aquela linha de documentário, que por
vezes dificultam a fluidez da leitura. Vale lembrar que a literatura
fantástica não é única que sofre com o excesso de detalhes.
Existem inúmeras histórias que descrevem tudo a todo o momento e
fazem nossa animação em ler diminuir consideravelmente. Por isso,
siga o conselho do Balu, de Molgi
- O Menino Lobo,
e faça “♫o
necessário, somente o necessário♫”.
Dica
cinco:
evite incoerências.
Você
estava lendo aquela fic,
quando algo que lhe soou estranho? A história se passava nos Estados
Unidos, mas estavam comemorando uma data tipicamente brasileira? Esse
tipo de situação deprecia a qualidade da fic
aos olhos do leitor. Fique atento. Pesquisar sobre a cultura que sua
personagem vive é algo muito importante na hora de ambientar.
Contradições de diversos gêneros poderão ser evitadas. Outra
coisa legal é não limitar a diversidade étnica de suas
personagens. É comum você encontrar histórias que padronizarem
personagens ou até mesmo o seu tipo físico. Altos, ruivos e de
olhos claros. Isso soa irreal. Por isso, fuja dos clichês e traga
representatividade para seu texto.
***
Bem,
pessoal, é isso. Espero que as dicas tenham ajudado vocês, mas não
se limitem a elas, é claro. Pesquisem bastante. Todo conhecimento é
válido e só a prática irá lapidar a sua habilidade em fazer a
ambientação. Enfim, até mais!
BLOG
ABISMO INFINITO. O
que é Ambientação? Disponível
em:
https://abismoinfinito.wordpress.com/2010/02/25/o-que-e-ambientacao/.
Acesso em: 6 de novembro, 2015.
COSTA,
M. M. Teoria Da Literatura II. In: COSTA, M. M. (Ed.) A
Estrutura da narrativa: romance.
Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2008. p. 127-131.
PINNA,
D.
Animadas
Personagens Brasileiras:
A linguagem visual das personagens do cinema de animação
contemporâneo brasileiro. 2006. 448 f. Tese (Mestrado em Artes e
Design) – Departamento de Artes e Design do Centro de Teologia
e Ciências Humanas. PUC-Rio. 2006.
Obrigado, ótimas dicas!
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura!
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