Alicerces de Enredo: As Estruturas Mais Comummente Usadas [01/03]

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Por: Elyon Somniare

Saudações, jovens canários pipilantes!

Há muito, muito tempo, numa galáxia distan… Bom, está bem, nesta nossa galáxia, estreei-me no blog da Liga com um artigo sobre uma das estruturas mais famosas de todo o sempre: A Jornada do Herói. No entanto, essa está longe (muuuuuito longe) de ser a única estrutura passível em histórias. E desde então eu tenho tido a ideia de abordar algumas das outras, não de forma tão detalhada, mas com certeza dando informação suficiente para se tornarem úteis a alguém, e tentando, ao mesmo tempo, abranger um bom número. E assim, juventude, nasceu esta série de artigos, que, se cumprir com os seus planos direitinhos como eu sei que irá cumprir (otherwise eu sou uma pessoa que não atinge os seus objectivos), irá debruçar-se sobre os vinte tipos de estruturas mais comummente usados e abusados nas nossas artes.
Mas antes demais… Ainda se lembram da diferença entre estrutura e enredo? Fear not! Isto não é um exame, o vestibular ou um quizz! Eu relembro: a estrutura é a ordem pela qual um autor coloca os seus eventos, enquanto o enredo serão os eventos em si, bem como a relação causa-efeito dos acontecimentos (porque X aconteceu, Y seguiu-se, ou seja, porque o Manel traiu a Maria, a Maria mandou o Manel pastar).
Há vários modos de dividir os “momentos” de um enredo, e, tanto quanto sei, todos são válidos, não havendo propriamente um “este é melhor que aquele”, mas mais um “dou-me melhor com este do que com aquele”. Como estes artigos se irão basear no livro “Twenty Master Plots and How to Build Them”, de Ronald B. Tobias, e se destinam a passar por vários enredos com relativa simplicidade, irão seguir as divisões nele apresentadas: a estrutura tripartida do Começo, Meio e Fim. E podemos começar, já por aqui, abordando o que todas as vinte estruturas que iremos ver têm em comum:

🐁 Começo: O ponto de partida de qualquer história. É onde se define as personagens, bem como os desejos do protagonista. Aristóteles (que ao fim de anos e anos continua a ter a sua Poética muito considerada no meio literário e académico, o safado) escreveu que uma personagem ou quer alegria ou quer miséria - oh, por favor, não me vão dizer que por mais estranho que pareça, não se conseguem lembrar duma só pessoinha que pelas coisas que faz ou diz parece mesmo, mas mesmo, que o seu maior desejo é ser uma miserável. Mas adiante, este é o momento em que nos devemos questionar “O que é que a minha personagem quer?”

🐁 Meio: Aristóteles, mais uma vez a meter aqui o nariz, descreve o Meio como “o nascer da acção”. O desejo que foi definido no Começo leva à acção: a personagem persegue o seu objectivo, demonstrando, então a sequência causa e efeito. Por exemplo: Pinóquio deseja ser um “menino de verdade”. Todos os eventos que se seguem ao longo da história são consequência/efeito desse desejo/causa.
É também aqui que a personagem encontra problemas e obstáculos, tendo de os ultrapassar. Por conta disso, verificamos alterações nas personagens e entre as suas relações: há uma mudança emocional, frequentemente expressa com um crescimento das personagens. Já lá diz o provérbio que “O que não mata engorda”. Metaforicamente falando.

🐁 Fim: É o resultado lógico dos eventos anteriores. Aqui temos o clímax onde tudo é exposto, clarificado e explicado. Convém que faça sentido, lembrem-se que até Alice no País das Maravilhas tem um fim que o leitor compreende, e essa é uma das obras mais emblemáticas a nível do nonsense.
O que também seria bom ser aqui evitado: Deus ex Machina. Ou seja, evitar soluções caídas do céu, exteriores às personagens, que claramente só ali surgiram para salvar o dia, e depois de o fazerem desaparecem tão repentinamente quanto surgiram. Remember: o final é o resultado lógico dos eventos anteriores, não algo despegado e independente de tudo o que tem para trás.

Agora que temos o geral tratado está tudo pronto para avançar para os enredos específicos? Errr… não. O senhor Tobias alongou ainda a introdução do seu livro com oito regras a serem tidas em conta durante a narrativa. Tal como qualquer regra de escrita, convém que tenham delas conhecimento: e tal como qualquer regra de escrita, depois de aprendidas é para serem quebradas conforme a história o exija. Muito melhor do que as leis judiciais, que quando violadas dão julgamento, não é? Mas adiante:

1) Faz da tensão o combustível do teu enredo. Sem tensão a história torna-se aborrecida, parecendo não ter propósito. Peguemos no exemplo das histórias “boy meets girl”. Sem tensão, este tipo de histórias resumir-se-ia em: ele pede-a em casamento, ela diz que sim. Fim. É preciso haver obstáculos pelo meio, sendo esses mesmos obstáculos a origem da tensão.

2) Cria tensão através de oposição. Cada protagonista precisa de um antagonista, algo ou alguém que se lhe opõe, colocando-se entre o protagonista e aquilo que o protagonista deseja. O antagonista pode ser externo (um vilão, um rival, mera competição) ou interno (a tentativa de ultrapassar um trauma, um medo, uma dúvida ou um defeito). Ou seja, o antagonista não é necessariamente uma pessoa, podendo também ser uma coisa, um espaço, um sentimento. Ademais, a sua oposição ao protagonista pode, também, não ser intencional. Dúvidas? Temos artigos no blog especificamente voltados para esta figura!

3) A tensão aumenta à medida que a oposição cresce. Na tentativa de alcançar o seu objectivo, o protagonista enfrenta um crescente número de dificuldades que, por sua vez, aumentam a tensão até chegar ao clímax. Só um conflito inicial não chega, outros se colocam e, através deles, as personagens são exploradas. Voltando ao exemplo de “boy meets girl”. O Hermínio apaixona-se pela Gertrudes e quer namorar com ela. Mas o Hermínio namora já com a Petúnia: conflito. Após várias peripécias que, por exemplo, as novelas sabem explorar como ninguém, e que constituem a tensão, o Hermínio acaba o namoro com a Petúnia: temos a resolução, e o Hermínio é um jovem livre para namorar com a Gertrudes. Fim.

4) Faz com que a mudança seja a razão da tua história. Que quer isto dizer? Apenas para que tenham em atenção que os eventos alteram a personagem. Tal como aquilo que nos acontece na vida contribui para a formação do nosso carácter, também o mesmo deverá acontecer com as nossas personagens. De outro modo, as personagens serão coisitas estáticas que por ali andam, em nada credíveis.

5) Quando alguma coisa acontece, faz com que seja importante. Não sei quantos de vocês saberão disto, mas eu lembro-me de ter ficado zangadíssima com um tipo que, no que agora vejo ser uma tentativa triste e desesperada de querer chamar a atenção, escreveu um artigo defendendo a imundice de Harry Potter porque, fiquem comigo nesta, os livros praticamente não tinham descrições das idas do protagonista à banheira. Yep. Isso mesmo. Porque descrever os banhos do rapaz é uma coisa tãaaaaao importante e influente para o enredo, não é? *sarcasm over* Claro que isto é um exemplo extremo, mas expressa bem o que esta regra pretende passar: o acontecimento é importante para o enredo, caracterização, personagens, etc? Óptimo! Não é? Então talvez seja altura para se fazer alguns cortes e ajustes.

6) Faz com que o causal pareça casual. Não esquecer que estas relações causa-consequência fazem parte da estrutura da história. A estrutura pode ser comparada com o esqueleto: nós não andamos com o nosso esqueleto à mostra, andamos? (Se sim, por favor dirijam-se ao centro hospitalar mais próximo.) Também as histórias precisam de ter o seu esqueleto coberto pelos músculos, carninha, pele…

7) Deixa a sorte e a coincidência para a lotaria. Ok, um e outro existem na vida real, é certo, mas numa história? O leitor usualmente não gosta e a verdade é que na grande maioria das vezes o autor só o faz por preguiça de planear ali qualquer coisa.

8) Faz com que a tua personagem principal actue na acção principal do clímax. Para quê ter um protagonista se as coisas lhe vão passar ao lado? Para quê ter um protagonista se as coisas acontecem sem ele mexer um dedo? Uma história quer um protagonista, não um peso-morto que tanto faz como se lhe deu estar ali ou não. E, como é protagonista, claro que tem de ser na acção principal.


E por enquanto é tudo, pessoal. Foi uma hell of an introdução, em que nem chegamos a falar das tais vinte estruturas mais utilizadas, mas worry not! Elas seguir-se-ão em breve com os próximos artigos. Até breve!


REFERÊNCIAS:
TOBIAS, Ronald B. - “Twenty Master Plots and How to Build Them”, [s.l.], Piatkus Books, 1999

2 comentários:

  1. Com esse artigo eu lembrei de Harry Potter nesta parte da tensão. Em A Ordem da Fênix Harry a lista de coisas com as quais o personagem tem que lidar só aumenta de tamanho, deixando o personagem e o leitor irritados o.O É legal como uma história pode passar sentimentos como este.

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