Senhorita
Elllie
Começando a
segunda parte do nosso artigo sobre a representação feminina nas
histórias, vou abordar, dessa vez, o teste de bechdel, a
sexualização das mulheres nas histórias de fantasia e também o
desenvolvimento de personagens em cima de visões estereotipadas de
mundo. Novamente, gostaria de lembrar que a sua história está sob o
seu controle e nada do que está aqui são regras, mas que também é
sua, e unicamente sua, a responsabilidade pelo impacto gerado pelas
suas palavras, sejam elas negativas ou positivas.
Como prometido no
último post, falarei um pouco sobre o teste de Bechdel, a beleza
excessiva de nossos protagonistas e sobre a polarização da
personalidade das mulheres na fantasia.
Teste de Bechdel
— O teste de Bechdel é atribuído à cartunista Alison Bechdel,
que o apresentou em uma de suas tiras na década de oitenta. Na tira,
a personagem dizia que só assistia a um filme se ele tivesse, em seu
elenco, duas personagens mulheres que conversassem uma com a outra
sobre qualquer coisa que não fosse um homem. Parece simples, não é?
Mas a verdade é que a maior parte dos grandes sucessos do cinema não
cumpre esses requisitos.
Obviamente, sendo
um teste pensado para mídias visuais (inicialmente apenas filmes,
logo depois séries), não se deve ser literal ao aplicar o Bechdel
para obras literárias. Nos filmes, tem-se uma perspectiva ampla de
todo o cenário e vários pontos de vista são abordados
simultaneamente, enquanto, nos livros, às vezes tem-se um recorte
restrito dos acontecimentos (como em narrações em primeira pessoa,
onde tudo depende do que o protagonista vê) ou um cenário que não
favorece o desenvolvimento de personagens secundários.
Não dá para
exigir, por exemplo, que o teste de Bechdel seja seguido à risca
numa história narrada em primeira pessoa por um homem que mora num
colégio interno masculino, mas dá para problematizar a falta desses
critérios em histórias onde temos um elenco mais amplo, como, por
exemplo, colegiais ou fantasia, e é aí que quero chegar com toda
essa ladainha.
Colegiais
predominantemente apresentam uma protagonista mulher, o que é ótimo,
mas falham na hora de fazê-la interagir com o entorno. Tirando o par
romântico da protagonista, muitas vezes não há muitas falas com o
resto dos personagens, e, quando há, elas geralmente são sobre a
relação da moça do seu par romântico. Meninas, como todas as
outras pessoas, possuem sonhos — uma faculdade, um bom emprego, uma
vida independente — e não ver esse recorte da vida das
protagonistas pode torná-las insossas aos olhos do público. Um
exemplo disso é Bella Swan; em certos momentos dos livros, o nome, a
menção ao nome ou a presença (implícita ou explícita) de Edward
chegavam a dominar todos os diálogos. Isso não parece assustador?
Em livros de
fantasia, temos uma parte ainda mais complicada do problema: não há
mulheres, muitas vezes, e, quando há, elas aparecem em formas
pré-definidas estereotipadas. Geralmente na forma de alguma deusa,
de alguma feiticeira, de alguém que poderá dar o suporte adequado
ao protagonista para conseguir seguir em sua jornada, da mulher que
morre para motivá-lo ao seu fim; raramente como personagens ativas
que possuem a sua própria história e capacidade para fazer a
diferença no enredo. É irritante ler um livro de fantasia e
perceber que, no meio de tantos homens, há apenas uma mulher com
nome, e que ela não muda absolutamente nada na história, que
a mulher passa o livro inteiro agindo em função dos homens que
estão no seu entorno, ou, pior de tudo, que a existência da moça
no livro tem a única função de mostrar uma cena chocante de
estupro ou assassinato — que existe pelo único motivo de chocar.
Não dá para
criar um teste de Bechdel com critérios para a literatura, sendo ela
uma mídia muito diversificada, mas pensar nos critérios usados para
o cinema já é o suficiente para que reflitamos a respeito. Há
mulheres lendo esses livros; naturalmente, elas vão esperar que suas
representações estejam no mínimo decentes. O que leva aos próximos
pontos.
A Beleza
Excessiva dos Protagonistas — Faça um exercício mental e
lembre-se: das fics e livros que você já leu, quantos protagonistas
eram gordos? Quantos, em suas descrições, poderiam ser lidos como
feios? Poucos? Nenhum?
Não há ninguém
feio em filmes, livros, fics, séries, sejam esses personagens
femininos ou masculinos. O máximo que existe são pessoas lidas como
"comuns" e quase nunca há uma pessoa gorda — em livros e
fanfics principalmente. Contudo, a vida real é bem diferente da
realidade mostrada nessas histórias; não é preciso ir muito longe
para encontrar pessoas que se diferem do padrão lido como bonito
para a mídia. Elas existem, claro, elas consomem esses livros, elas
sentem falta de personagens que representem seu tipo corporal, e eles
continuam não existindo.
Interessantemente,
pode-se ver esse tipo de problema até de livros vindos de autores
cujo corpo difere-se muito dos padrões midiáticos. Cassandra Clare,
autora da série Os Instrumentos Mortais, é uma mulher gorda, e
nenhum de seus protagonistas foge da definição de beleza clássica.
Todos são magros. Foram precisos três livros para que aparecesse
uma negra de importância. Era de se esperar que Cassandra, por estar
envolvida com o fato de não se encaixar no biotipo magro, quisesse
trabalhar isso em suas histórias, mas ela não fez. Por quê?
Não há nenhum
estudo respondendo a essa questão: por que homens e mulheres negros
e brancos, altos e baixos, magros e gordos, continuam escrevendo
grupos de protagonistas com, essencialmente, as mesmas
características. Mas há teorias, e uma bem aceita é o aquela que
defende o fato que você sempre escreve sobre aquilo que você quer
ser; se você não considera bonito, vai escrever protagonistas
lindos, com personalidades perfeitas, com corpos de modelo. Não é
sua culpa você querer escrever protagonistas que se encaixem no
padrão dos seus sonhos, mas vale a pena se perguntar: por que esse é
o padrão dos seus sonhos?
Este não é um
artigo sobre mídia e a influência da propaganda; não vou me
delongar nisso. Contudo, é interessante você notar que, ao escrever
um personagem que é diferente do que a gente vê sempre, você vai
estar mostrando para pessoas com aquela característica que aquilo
também diz a respeito delas. Isso é uma injeção de autoestima.
Pessoas gordas ou feias podem fazer exatamente as mesmas coisas que
as pessoas ditas "bonitas", inclusive amar e ser amadas.
A Polarização
das Mulheres na Fantasia divide-se em sexualização e "puerização".
Sexualização - Pense em um joguinho situado em um mundo de fantasia
qualquer. Não vou citar nomes, não é necessário, você vai
conseguir se lembrar de pelo menos um jogo. Pense nas armaduras dos
homens. Pense nas armaduras das mulheres. Pronto. Você está diante
da sexualização das mulheres na fantasia.
Um jogo não é
um livro, óbvio; há claras diferenças em muitos aspectos, mas não
tanto no que tange à representação das mulheres. É comum aparecer
em histórias uma deusa do mal que, coincidentemente, é também
muito sexy, ou uma bruxa do mal que também é, coincidentemente,
muito sexy. É comum associar a sensualidade à maldade nas mulheres.
Esse é um
pensamento antigo; a Igreja já se baseava nele para punir mulheres
lá na época da Inquisição e ver que ainda temos sinais disso nas
histórias de fantasia atuais mostra como e em que pontos houve uma
evolução. Desenvolver as mulheres baseado apenas em sua
sensualidade é reduzi-las à sua aparência, e isso chega a ser
revoltante. Você não é má apenas por ser sensual; você não é
uma maldita apenas por ser bonita.
Puerização - Se a mulher não está representada como uma femme
fatale, ela é geralmente uma doce donzela pueril. Esta mulher
sempre tem coisas bonitas para dizer ao protagonista, coisas sobre
perdão, espírito. Ela não sente raiva, a não ser quando o
protagonista está envolvido; ela não guarda mágoas, fala sempre
manso, é suave. De acordo com os padrões da época da Inquisição,
ela é a esposa perfeita.
Assim sendo,
temos um padrão onde, na presença de sensualidade, a mulher tem um
componente de perigo, enquanto, na ausência de sensualidade, ganha
um ar quase angelical. Os homens, nas histórias, não são definidos
por esse tipo de comportamento; eles fazem sexo, seduzem mulheres,
matam, torturam e não são tachados pela irritante linha do bem e do
mal. Por que os homens não têm sua personalidade definida pela sua
vida sexual? Por que as mulheres têm?
Isso pode parecer
taxativo: tantas regras para escrever uma personagem feminina, soa
até como se eu estivesse podando a criatividade de todos os
possíveis escritores. Depois de todos esses clichês, pode-se
perguntar: como escrever uma personagem feminina?
Simples. Escreve-a como se escreve uma pessoa normal, porque mulheres
são pessoas normais. Dê à sua personagem feminina uma
família, amigos, sonhos, perspectivas, opiniões, um passado,
defeitos, qualidades, erros. Não defina o que ela é apenas porque
ela é bonita,ou sexy. Apesar do senso comum, ela não precisa ser
salva sempre, ela pode se virar sozinha, e ela pode também salvar
alguém; ela pode ser forte, ela pode ser fraca, ela pode ser chata
ou legal, mas isso tem que ser parte do que ela é. Desenvolva-a como
você desenvolve seus personagens masculinos.
Não pode ser
assim tão difícil: não somos lá tão diferentes, somos?
Adorei a aula, mas faltou citar o fato de que quando personagens fora do padrão aparecem eles SEMPRE emagrecerão ou algo do tipo.
ResponderExcluirEu sendo gorde agenere me arranho tode quando vou ler algo que só tem personagens estereotipados.
O gordo é engraçado
A trans tá se odiando
E feie quer uma cirurgia
A mulher adora ser cantada na rua durante a noite na rua sozinha
SÓ PAREM
Tens toda a razão! Beijos
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