Por: Rodrigo Caetano
E aí, galera. Tudo bem? Pois é, parece
que eu estou aqui novamente, dessa vez para fazer uma resenha. Vim falar de um
livro bem diferente do que aqueles que o pessoal costuma falar por aqui. Espero
que curtam!
Título Original:
The Lies of Locke Lamora
Título Brasileiro:
As Mentiras de Locke Lamora
Autor:
Scott Lynch
Editora:
Arqueiro
Tradução:
Fernanda Abreu
Sinopse:
O Espinho é uma figura lendária - um espadachim imbatível, um especialista em
roubos vultosos, um fantasma que atravessa paredes. Metade da excêntrica cidade
de Camorr acredita que ele seja um defensor dos pobres, enquanto o restante o
considera apenas uma invencionice ridícula.
Franzino, azarado no amor e sem nenhuma
habilidade com a espada, Locke Lamora é o homem por trás do fabuloso Espinho,
cujas façanhas alcançaram uma fama indesejada. Ele de fato rouba dos ricos (de
quem mais valeria a pena roubar?), mas os pobres não veem nem a cor do dinheiro
conquistado com os golpes, que vai todo para os bolsos de Locke e de seus
comparsas - os Nobres Vigaristas.
O único lar do astuto grupo é o submundo
da antiquíssima Camorr, que começa a ser assolado por um misterioso assassino
com poder de superar até mesmo o Espinho. Matando líderes de gangues, ele
instaura uma guerra clandestina e ameaça mergulhar a cidade em um banho de
sangue. Preso em uma armadilha sinistra, Locke e seus amigos terão sua lealdade
e inteligência testadas ao máximo e precisarão lutar para sobreviver.
Resenha:
“As Mentiras de Locke Lamora” é o primeiro livro de uma série intitulada Nobres
Vigaristas. Brincando com o tempo, o autor vai ao passado e volta ao presente,
enquanto nos conta a história de um menino pequeno e franzino, com uma
habilidade mais do que natural para o roubo e a farsa. Órfão, pobre e sem
ninguém para olhar por ele, Locke aprende a se cuidar ao mesmo tempo que ensina
a todos à sua volta que as aparências, por menores que sejam, enganam.
No prólogo somos apresentados à cidade
de Camorr, ambiente onde toda a narrativa acontece, mesmo que o livro demonstre
que o mundo criado por Scott Lynch é muito mais vasto. Em uma cidade dividida
entre a nobreza e as gangues de ruas, ficamos sabendo que há um acordo, chamado
de Paz Secreta, entre os nobres e o líder das atividades criminosas da cidade.
Essa paz consiste na garantia de proteção da nobreza contra os criminosos e, em
contrapartida, na garantia de intervenção mínima necessária do Estado, em
relação aos crimes contra o povo comum.
Locke, uma criança de cerca de 10 anos
de idade, órfã, é apresentado para o Aliciador, um homem que comanda uma grande
trupe de ladrões infantis, que são treinados por ele para roubar pelas ruas. O
Aliciador é apenas um dos líderes de gangues que responde ao Capa da cidade, o
líder dos líderes, que comanda a todas as gangues clandestinas simultaneamente
e o responsável pela Paz Secreta.
Logo, porém, o Aliciador se prova
incapaz de conter o talento natural de Locke para a grandeza. O menino não foi
feito para pequenos roubos nos mercados da cidade. Ele foi feito para a farsa e
para o golpe – para a trapaça. Depois de cometer três grandes erros no início
de sua carreira na gangue do Aliciador – erros que incluem incendiar uma
taberna e ameaçar erradicar a Paz Secreta e começar uma guerra civil, sem
contar o maior deles – o menino é condenado à morta pelo líder de sua própria
gangue.
Porém, em um último momento de piedade –
mais de ganância, na realidade – o Aliciador decide ofertar o menino como uma
espécie de escravo, por um preço barato, ao Padre Correntes. Um farsante que se
faz passar de padre cego, mas é o líder de uma gangue chamada Nobres
Vigaristas. Essa gangue, apesar de obedecer e respeitar a autoridade do Capa de
Camorr, não nutre respeito pela Paz Secreta, e busca miná-la passo a passo,
escondida até do submundo da cidade.
Parece interessante? Pois é, isso é
apenas o prólogo.
Os Nobres Vigaristas foram fundados pelo
Padre Correntes e, no passado, eram liderados por ele, que ensinou e treinou
não apenas Locke, mas também os gêmeos Calo e Galdo, Jean Tannen, um menino
gordo, recrutado por sua habilidade com os números e sua capacidade de força
bruta, além de Sabeta, uma menina que roubou o coração de nosso protagonista,
mas que permanece um mistério durante toda a narrativa.
Já no presente, após a morte de
Correntes e ainda sem notícias de Sabeta, vemos uma gangue liderada por Locke
Lamora e formada por seus antigos amigos, com a jovem adição do menino Pulga,
aprendiz e pupilo de Locke, além de mascote do grupo.
O primeiro capítulo abre com a
preparação de um golpe contra uma das famílias nobres de Camorr, os Salvara, e
o autor nos leva passo a passo, indo e voltando no tempo, para a execução da
primeira fase, onde Locke é apresentado como um comerciante estrangeiro
precisando de investimentos, enquanto vemos como todo o encontro foi preparado
e estudado pela gangue nos mínimos detalhes.
Indiscutivelmente, a abertura desse
livro é bem mais animada do que a da maioria dos livros por aí.
Logo, porém, descobrimos que a
autoridade do Capa Raza está sendo posta em cheque por uma figura misteriosa,
quase mágica, que se autointitula Rei Cinza, e pretende derrubar o poderoso
chefe das atividades clandestinas da cidade.
O Rei Cinza começa a atacar, um a um, os
líderes das gangues da Cidade e, em pouco tempo, Locke se vê preso entre a
farsa que mantém vivo o seu golpe contra os nobres Salvara, ao mesmo tempo em
que lida com as ameaças e os planos do Rei Cinza e tenta manter em segredo as
violações à Paz Secreta que vem cometendo desde que começou a roubar da
nobreza.
É então que os Nobres Vigaristas se veem
presos a uma guerra da qual não desejam fazer parte, e em que não podem tomar
nenhum dos lados. Sem ter para onde correr, cabe ao homem por trás do
fantasioso Espinho de Camorr encontrar uma solução para o problema, mesmo que
lhe prejudique o bolso ou a reputação. Em pouco tempo, a única coisa que passa
a importar é enfrentar a tempestade e sair com vida.
O romance em si é subdividido 4 vezes,
cada uma das secções chamadas de “Livros”. Cada um desses livros é subdividido
em capítulos, que, por sua vez, são subdivididos em cenas numeradas e
interlúdios. E é interessante observar como o narrador se aproveita dessa
subdivisão para mudar o foco da leitura, mudar o personagem foco e apresentar
outras maneiras de ver as coisas, além de, nos interlúdios - últimas cenas de
cada capítulo - voltar no tempo para o treinamento oferecido à trupe dos Nobres
Vigaristas pelo fascinante padre farsante.
Com o jogo de idas e voltas no tempo, o
autor também consegue uma tarefa difícil, mas essencial para a devida
compreensão do conteúdo que o livro se propõe a trazer para o leitor. É apenas
com esse jogo de ritmos e de contraposições entre o passado infantil de Locke,
o passado recente das atividades dos Nobres Vigaristas e o presente atribulado,
que podemos compreender a profundidade que as farsas armadas têm, e como a
mentira está entranhada em cada página desse romance.
É interessante também observar as
armadilhas escancaradas que o autor monta, afinal, sabemos desde o título que
os personagens desse romance são mentirosos. Mais do que isso, vivem e amam a mentira.
Desse modo, somos ensinados, pouco a pouco, a não acreditar em todas as palavras
ditas e/ou escritas no livro.
A linguagem é muito bem trabalhada, e
alguns diriam que um pouco realista demais. Eu discordo desses poucos. Pela
primeira vez vejo um livro em que os personagens, amigos de infância, íntimos,
falam todos os palavrões a que tem direito, pregam peças que muitos diriam
desrespeitosas e, ainda assim, amam-se e são mais sinceros do que qualquer
outro personagem educado e seguidor da moral e dos bons costumes.
Além disso, o mundo criado por Scott
Lynch é um lugar onde as diferenças ainda são igualadas a base do punho
fechado, da lâmina de uma espada ou da flecha de uma balestra. Não há escassez
de sangue, assassinatos, hematomas, sem contar urina, fezes e bile. E, apesar
de não ser comparado a George Martin, Scotty Lynch não tem medo de matar alguns
personagens legais.
Fica então aqui o aviso: se qualquer
dessas coisas lhe incomoda, esse não é um livro para você. Que pena. Você não
sabe o que está perdendo.
Por fim, como nada é perfeito e como eu
falo muito, apesar de não ter falado tudo que devia, é importante fazer algumas
críticas e observações finais.
Em alguns pontos, senti algumas
incongruências, ou, no mínimo, uma falta de informação (que pode ser aceitável,
considerando que ainda faltam seis livros para o final da série). Ainda assim,
alguns pontos-chave ficaram sem explicação, e isso me incomodou um pouco.
Além disso, para um livro que se baseia
na farsa e na mentira, em alguns momentos importantes o autor se esquece das
lições ensinadas. A falta de cuidado de alguns personagens (experientes e que
se mostraram cautelosos anteriormente) teria colocado todo o enredo por água
abaixo, caso as informações que serviam de base para suas decisões fossem
falsas ou imprecisas.
A impressão que tive, no final, é que
esse era um livro teste. Ele funciona bem como o primeiro livro de uma série de
sete, mas resolve muito da sua trama principal em si mesmo, deixando-se levar
no fim para encontrar o final que precisa.
Além disso, ele deixa muita coisa do
mundo criado em aberto, de modo que fica difícil julgar por ele a habilidade de
criação de mundo do autor. Parece-me que ele focou mais no enredo do livro em
si do que em explorar o seu mundo. Isso não é algo ruim, mas me passou uma
certa insegurança – compreensível, ao se considerar que ele era um escritor
iniciante em 2005, quando o livro foi publicado pela primeira vez em Londres.
Fica então registrada a minha esperança
de que, nos próximos livros, já como um autor bem estabelecido, Scott consiga
dar cabo de uma série que não é nada menos do que promissora, e que merece
todos os elogios que recebe. Alguns leitores o comparam ao primo medieval de
“Onze homens e um segredo” e do “Poderoso Chefão”. Já os autores fantásticos
renomados como George R. R. Martin (“Uma história original, vigorosa e
arrebatadora”) e Patrick Rothfuss (“Provavelmente é um dos cinco melhores
livros que eu já li na vida”) não poupam elogios.
Para finalizar, ninguém melhor que o
próprio Padre Correntes para lhes dar uma ideia do nosso incrivelmente
carismático:
“Algum dia, Locke Lamora, algum dia você
vai fazer uma cagada tão gigantesca, tão ambiciosa, tão avassaladora, que o céu
vai se acender, as luas vão girar e os próprios deuses vão fazer chover cometas
de tanta alegria. Só espero ainda estar por perto para assistir”.
Eu vou estar. Aconselho que estejam
também...
Até
a próxima, galera!
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