Por: Rodrigo Caetano
Você
conhece muitas histórias que mexem com o tempo. Seja através do
vira-tempo de Harry Potter, do famoso carro do filme De Volta ao
Futuro ou da cabine telefônica do icônico Dr. Who, você sabe do
que estou falando. Se você ainda não considerou como seria ter o
poder de brincar com o tempo, eu o convido a fazer isso agora. Pense
bem no que você faria se pudesse dar um pause na sua vida, ou
então voltar alguns anos, e – por que não? – ver como será o
futuro. E se pudesse fazer com que tudo se movesse mais devagar ou
então corresse mais depressa?
Então
o que você faria se eu te contasse que, quando você se senta para
escrever, você ganha o poder de controlar o tempo?
Deixem-me
explicar:
Alguns
dizem que o trabalho de um escritor, em muitos aspectos, se assemelha
ao trabalho de Deus. Afinal, nós, escritores, criamos mundos e damos
vida às personagens que neles vivem. Nós decidimos o que e quando
vai alguma coisa vai acontecer, e ainda dizemos como aquilo acontece.
A nossa habilidade de dar vida é tão impressionante, que muitos
escritores dizem que seus personagens fogem de seu controle, com uma
forma própria de livre arbítrio.
Pensando
assim, nós, muito como Deus, também podemos brincar com o tempo.
Muitos
de vocês já devem ter visto ou utilizado um flashback, ou uma cena
solta de algum ponto no futuro, colocada no meio ou inicio da
história para dar um tom de suspense. Isso se assemelha a voltar no
tempo, ou a visitar o futuro para ver o que vai acontecer, e são
apenas alguns dos muitos usos que esse poder tem.
Mas,
como disse um certo Tio Ben, em uma certa história em quadrinhos,
com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. E hoje estou
aqui para ajudar vocês a tomarem controle do seu poder e usá-lo
para o deleite de seus leitores. Para iniciarmos, contudo, vamos
devagar. Nada de saltos na linha do tempo, por enquanto. Antes de
brincar com o futuro e o com o passado, por que não aprender a
brincar com o presente primeiro?
Como
fazer o tempo andar devagar
Você
já percebeu como, em alguns momentos da sua vida, você se lembra de
algo que você sabe ter acontecido em alguns segundos, mas que, na
sua cabeça, aquilo demora muito mais para realmente acontecer?
Normalmente são momentos marcantes, surpreendentes ou com alguma
dose de adrenalina, susto ou medo.
Isso
acontece em momentos em que sua mente é subitamente obrigada a
trabalhar tão rápido, que você consegue registrar uma imensa
quantidade de informações em apenas um segundo. Depois, quando sua
mente está trabalhando em velocidade normal e você se lembra de
toda aquela informação, as frações de segundo parecem passar
muito mais devagar.
Você
vê o menino dentro da quadra dobrar e esticar a perna para atingir,
com o peito do pé, o centro exato da bola. Ele está perto do limite
da área de futsal, não muito longe de você, na arquibancada da
quadra do seu colégio. Você vê o objeto redondo pegar impulso com
a força do menino e deixar o solo, veloz. Percebe a expressão
tranquila do goleiro enquanto ele vê que o chute saiu sem a direção
desejada, e a careta que o jogador faz quando percebe que seu chute
foi em vão.
Você
não quer acreditar naquilo. De novo, não...
O
torcedor, do outro lado, já virou o rosto, decepcionado. Você
percebe exatamente o momento em que a bola tomou conta de mais da
metade do seu campo de visão, lembra-se de quando você perdeu a
respiração, em susto, enquanto involuntariamente arregalava os
olhos. Você antecipa a dor, sabendo que não há mais como escapar.
E, apesar de tudo, consegue se lembrar com perfeição da pontada de
dor que sentiu quando ela amassou o seu nariz, antes de atingir o
restante do rosto, deixando uma marca tão vermelha que não levaria
menos de algumas horas para desaparecer inteiramente.
E,
mesmo que você não lembre de mais nada depois da pancada na cara,
você vai guardar na sua memória aqueles poucos segundos, como algo
que aconteceu em câmera lenta.
Nós,
escritores, temos o poder de fazer com que isso aconteça com nossos
leitores à hora que quisermos. Mas, para isso, devemos saber como
usar esse poder de maneira adequada. Não basta escrever “O menino
chutou a bola e errou o alvo. Ela me acertou em cheio no rosto e eu
fiquei desnorteado.” Por mais que essas frases tenham narrado a
mesma coisa, elas estão longe de produzir o mesmo efeito e poder da
cena que descrevi acima.
E
qual seria o motivo disso?
Lembra
como eu falei que, naqueles segundos em que a vida parece acontecer
em câmera lenta, a nossa mente registra muitas informações em
pouco tempo? Pois bem, quando escrevemos, temos de repetir o mesmo
processo. Temos de nos concentrar em mostrar os detalhes, as pequenas
coisas, e descrever cada passo e cada sentimento, de maneira a fazer
com que o leitor absorva também toda aquelas informações que
seriam absorvidas na vida real. Desse modo, para o leitor, cuja mente
trabalha na velocidade normal, aquele momento também passa mais
devagar, devido a toda a informação que tem que processar.
E,
simples assim, você conseguiu frear o tempo.
Agora,
vamos fazê-lo correr.
A
lógica é bastante parecida, mas o procedimento é inverso.
Lembre-se daquelas vezes em que você mal consegue se lembrar do que
aconteceu. Lembre-se das vezes em que o mundo parecia estar se
movendo tão rápido que tudo em que você conseguia pensar era no
que fazer para entrar no mesmo ritmo. Normalmente, isso acontece
quando temos um maior senso de urgência, algum instinto guiando a
nossa cabeça. É normal que estejamos em alguma atividade que
envolva esforço físico e/ou mental.
Isso
acontece quando nossa mente é tomada por um instinto maior, uma
preocupação que inibe a nossa capacidade de processar qualquer
outra informação que não possa ser utilizada para aquele propósito
instintivo. É algo muito comum quando somos movidos pelo que é
chamado de “instinto da sobrevivência”, por exemplo. Vou
explicar um pouco do seu poder para vocês entenderem melhor:
Você
sabia que os salva-vidas são comumente treinados para abordar uma
vítima de afogamento por trás e, antes de qualquer coisa,
imobilizá-las? Isso porque, caso o salva-vidas se coloque ao alcance
dos braços da vítima, ela tentará usá-lo como alavanca para subir
à superfície, podendo, inclusive, afogar aquele que tentava lhe
salvar. Normalmente, nesses casos, a vítima não tem memórias
claras do que aconteceu. Ela não processa que na sua frente tem um
homem. Tudo o que ela vê é algo que pode lhe trazer à superfície,
onde ela pode respirar. Sua mente está focada unicamente em respirar
para sobreviver.
Assim,
a primeira coisa que precisamos ter para acelerar o tempo, é foco.
Precisamos de algum objetivo claro na cena, algo importante em que se
concentrar, capaz de ofuscar todo o resto, como faz o instinto de
sobrevivência com a nossa mente. Em seguida, nós devemos nos
preocupar em registrar apenas o que é importante para aquele
objetivo, deixando de lado detalhes menores. Lembre-se de que a
mente, nessas situações, é o mais objetiva e direta possível,
portanto, nada de frases longas ou enrolações.
Observem
a sequência de fatos a seguir:
“Ela
pulou da janela do segundo andar sem olhar para trás. Caiu de
joelhos, já estudando para a rua à sua frente. Pulou o primeiro
carro e estava do outro lado da calçada quando os homens de preto a
avistaram. Um deles tinha uma pistola na mão. Ela correu, esbarrando
em algumas pessoas pelo caminho, tentando se esconder no mar de
pessoas à sua frente. Correu pela rua sem saber o que fazer. Sentiu
a respiração pesar e continuou correndo. Em um cruzamento, viu a
porta de um caminhão de carga aberta, na rua ao lado. Fez a curva e
pulou para dentro, sentando-se atrás de uma das caixas de madeira.
Rezou para que tivesse conseguido se esconder antes que seus
perseguidores tivessem virado a esquina.”
O
parágrafo não é curto, mas você percebe a quantidade de coisas
que aconteceram aqui? Nesse parágrafo, pode-se estimar, foram
narrados alguns, se não vários, minutos de perseguição. E, ainda
assim, isso tudo aconteceu até um pouco mais rápido que os segundos
que a bola levou para atingir o rosto do menino lá em cima, lembra?
Nesses
momentos, nós não queremos saber o modelo do táxi em que a
personagem pulou enquanto estava fugindo dos bandidos pelo meio da
rua, ou o sabor do sorvete que o menino, que parecia ter cinco anos
de idade, derrubou quando ela esbarrou nele, correndo. Ela não
precisa perceber o cheiro de repolho dentro do caminhão até que
tenha sentado atrás das caixas para respirar fundo e se
tranquilizar.
Tudo
o que você deve registrar é o essencial para construir a cena que
tem em mente, e, simples assim, os quinze minutos que ela levou para
fugir do apartamento e encontrar um esconderijo terão se passado
como um piscar de olhos, com muitos verbos, poucos adjetivos, e pouco
espaço para o seu leitor respirar, enquanto apertamos o botão de
fast forward.
E
ai? Gostaram de brincar com o tempo?
Lembre-se,
de nada adianta termos o poder se não soubermos quando e como
usá-lo. Encontre o momento que você quer registrar com mais cuidado
e detalhe bastante para reduzir a velocidade, e encontre o momento em
que você precisa de foco para sobreviver e foque em apenas
sobreviver. Use seus recursos com sabedoria e tudo correrá no tempo
certo.
Os
flashbacks e viagens ao futuro a gente discute em outro momento,
beleza? Até mais!
Adorei! Certamente foi de grande valia, daqui pra frente enriquecerei muito mais meus textos. Gosto muito de usar do recurso de "frear o tempo" em algumas cenas, dá um lindo efeito às palavras. "Acelerar o tempo" é uma técnica que não utilizava, até porque não sabia como colocar em prática. Mas agora sim! Obrigada pelas super dicas!
ResponderExcluirDe nada! Ainda bem que gostaste!
ExcluirNossa esse texto foi de grande utilidade para mim.
ResponderExcluirAinda bem que gostaste!
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