Entrevistando o escritor: Ghad

terça-feira, 30 de julho de 2013

Por: Cyndi 
(Beta reader e team da Liga dos betas)



Olá, sou a Cyndi e trago a primeira de uma série de entrevistas que será muito útil para qualquer um que leve a literatura a sério. Fui atrás de pessoas que já publicaram profissionamente e/ou trabalham em editoras, e teremos coisas muito interessantes a partir de hoje. Dicas, conselhos e alertas de quem já chegou onde todos nós sonhamos em chegar: ter um trabalho nas prateleiras de uma livraria e ganhar alguma coisa com isso.

O primeiro convidado é o Ghad, um rapaz que posso descrever como sombrio e quase tão paranóico quanto eu. Sim, porque eu moro em um bunker, meu nível de paranóia é mais de oito mil.

O trabalho do Ghad pode ser encontrado aqui: http://www.editora.estronho.com.br/index.php/autores/274-ghad-arddhu

Agora, ouçam o que o rapaz tem a dizer:



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Cy: Oi! Quenhé você? (aproveita pro jabá)

Gh: Sou um escritor amador, não sou um profissional e nem consigo extrair sustento por base nessa atividade ainda. Não tenho um primeiro romance lançado e ainda não consegui terminar de escrever nenhum. Sou um cara com quase 30 anos, moro no litoral de São Paulo e pela internet (e em boa parte da vida) me conhecem como Ghad, um nick antigo da época onde modens tinham 4000 bauds, BBS era hacktivismo e internet era um rumor. Mantenho meu site pessoal em http://www.axisdraco.com e estou no último semestre do curso de graduação em letras. Até o momento apenas participei de antologias como Cursed City e VII Demônios, ambas da editora Estronho mas trabalho arduamente na conclusão de meu primeiro romance.


Cy: Há quanto tempo escreve? Como começou e por que resolveu escrever?

Gh: Escrevo desde pirralho. Essa é a melhor resposta que tenho para isso. Não posso precisar uma idade já que fui alfabetizado muito cedo, segundo minha mãe, de forma auto-didata com intuito de ler meus livros e escrever minhas histórias. O que me motivou a começar a escrever eu não faço a menor ideia, não tenho uma história com fundo moral e nem um objetivo condutor, apenas escrevo pois é uma atividade que me dá prazer. Todo o resto é puro desejo momentâneo, projeção de interesses ou outras coisas que ocorrem naquela coisa que acontece enquanto fazemos planos, chamada vida.


Cy: Tem o hábito de mostrar seus textos para outras pessoas? Por quê?

Gh: Não tinha, hoje eu tenho e considero que eu era idiota. Escrever é uma atividade tão antiga e particular do ser humano que acredito estar visceralmente inserida na alma do homem, no entanto escrever por escrever é algo que resulta apenas em uma produção pessoal. Uma vez que exista qualquer razão ou intenção de externalizar esses escritos, leitores beta serão necessários. Veja bem, não julgo que sei tudo (ou que saiba algo na verdade) sobre escrever enquanto atividade para os outros, sei um bocado de coisas que percebi na trajetória de minha vida e elas me são bem úteis. Uma delas é: Eu não escrevo para engavetar, eu o faço para dar vida a meus pensamentos, ideias e fantasias e essa vida só existe na minha concepção, quando consegue alcançar outros. Ora, se eu desejo que alcance outros, eu preciso entender que minha voz interna é somente compreendida em sua totalidade por mim. Para que outras pessoas entendam o que escrevo com um maior compreensão, é necessário que exista uma pessoa "fora de mim" para ler e apontar onde minha voz interna abusa de meus recursos, pensamentos e experiências. O ideal é conseguie encontrar onde não me faço claro e onde eu escrevo algo tão auto-contido que não faz sentido a ninguém. Logo, mostro meu texto para outras pessoas para aprender, para escrever melhor com esse objetivo de dar vida.


Cy: O que você espera de um beta reader quando envia algo pra ele?

Gh: Honestidade, atenção, educação. Honestidade é a base de qualquer relacionamento com um beta-reader, não adianta você escrever alguma coisa que seja excelente aos seus olhos que faça todo o sentido para seu conjunto de pensamentos e vivências, se isso não vai reverberar em ninguém por ser extremamente hermético e auto-contido; honestidade é algo desejado quanto ao que se produz, afinal, se você não quer que o mundo conheça o que você escreveu, confine isso a sua gaveta, seu computador ou o que seja. Atenção é talvez a tarefa mais importante de um beta-reader e sua maior missão, atenção é encontrar o que esta expresso e o que esta implícito, o que está compreensível e o que precisa ser melhor trabalhado; sem atenção um beta-reader é apenas uma pessoa que lerá algo sem objetivo, sem função e sem contribuir em nada. Educação é necessária, o fato de honestidade ser requisito, não exime o beta-reader de ter educação, ser polido é algo desejável mas nem sempre possível, no entanto educação se faz mister para mexer em algo que é o resultado da essência de uma pessoa, da revelação muitas vezes íntima de seus pensamentos e sentimentos. 


Cy: Você já foi beta reader de alguém? Como foi a experiência?

Gh: Já fui beta-reader de algumas pessoas, principalmente amigos escritores e frequentemente de colegas de faculdade ou pessoas que considerem que eu tenho uma boa capacidade para a escrita. A experiência varia a cada acontecimento, não existem duas pessoas iguais e não existem duas escritas iguais. Enquanto algumas pessoas podem se expressar facilmente sem criar qualquer conexão emotiva, outras podem ter um vocabulário excelente mas mal empregado. Cada leitura beta é um universo com suas próprias regras que aos poucos vão sendo aprendidas pelo escritor e pelo leitor na busca de algo harmônico e que represente o balanço necessário para que a escrita tenha vida.


Cy: Acha que o beta tem algum papel de importância na literatura?

Gh: Sim, acho que a importância do beta-reader é proporcional à capacidade do escritor em ser honesto consigo mesmo e com seus objetivos. Como disse antes, se você escreve para guardar seus escritos, não há a necessidade de um beta-reader, mas se você deseja que qualquer obra sua venha à luz, considero que o beta-reader é tão importante quanto a inspiração ou a transpiração que escrever demanda.


Cy: O que você diria a centenas (ou milhões) de escritores de fanfics que sonham em chegar a um nível profissional?

Gh: Encontrem sua voz. Eu mesmo já escrevi inúmeras fanfics (a maioria de qualidade questionável) justamente por encontrar em alguns universos ficcionais coisas que existiam apenas em meus pensamentos. No entanto percebi que o que encontrei nesses escritos foi o reflexo disso, uma amálgama estranha da minha voz interna com o que eu suponho ser a voz dos escritores. Eventualmente percebi que encontrar minha voz era necessário, percebi que fanfic é a idealização e a projeção de necessidades e vontades. Uma vez que você encontre a sua voz interna, você pode ate utilizar de universos já estabelecidos e criados, no entanto poderá ao fim de um trabalho qualquer sentir satisfação em ter feito algo realmente seu. Na parte burocrática, infelizmente nem todos escritores gostam de fanfics, nem todos grande autores querem ver sua obra sendo desmembrada e tomando rumos que não eram o de sua criação. É um terreno nebuloso e que até o presente momento permite pouco espaço para alçar voo, afinal, os direitos intelectuais existem e se há alguma aspiração a profissionalização, ou ainda, a obter alguma renda com isso, é bem improvável que se consiga utilizando o universo dos outros. Exceto se você for contratado com esse objetivo, mas isso é outra historia.


Cy: O que diria a um bando de beta readers de fanfics que sonham em trabalhar profissionalmente com literatura de alguma forma?

Gh: Leiam, devorem, regurgitem e vejam o que sai pra fora. Vejam do que vocês são feitos por dentro, entendam quais são suas belezas e feiuras, aprendam a lidar com isso a a utilizá-las da melhor forma possível. Não tenham arrogância em achar que conhecem tudo sobre algo ou alguém, que sabem exatamente o que deve ser feito para alcançar o sucesso sem que o tenham alcançado ainda. Entendam que existe uma harmonia delicada a ser encontrada entre a sua voz interna e a voz que sai de você para os outros e que enquanto você não encontrar o caminho do meio entre os dois você ou não será compreendido ou não fará nada que seja seu. 

Conheçam a língua, internet é uma ferramenta de comunicação que transformou a humanidade, no entanto se você escreve apenas gírias, não se estranhe de pessoas por fora desse jargão particular não entenderem nada do que você produz. A língua no qual se escreve deve ser tratada com carinho por ter proporcionado a você a capacidade de conhecer historias e a leitura das mesmas. Retribua na mesma proporção que considera importante a escrita para você, assim você encontrará uma linguagem natural e compreensível. Eventualmente, você encontrará a sua própria língua, mas até lá é importante que você tenha em mente que a língua tem a função primordial de comunicar e se o seu domínio da mesma é pífio, dificilmente você encontrará uma forma efetiva de fazer sua mensagem, historia ou ideia ser entendida por outras pessoas e, nesse caso, é melhor que o que você produz fique confinado em uma gaveta, pendrive ou computador.

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