Resenha: "Shingeki no Kyojin": a terceira perspectiva da história

domingo, 28 de março de 2021

Por: Eena

As opiniões nessa resenha dizem respeito à autora do post.

O texto a seguir contém spoilers de Shingeki no Kyojin, siga por sua conta e risco.

 

Olá, caro leitor!

Gostaria de informar que haverão spoilers por aqui. Então, caso esteja fugindo disso, meu aviso está dado! Entretanto, juro que não contarei sobre o que está acontecendo no mangá nem muita coisa que passe dos acontecimentos da última temporada, certo?

Enfim...

Hoje, dia 28/04/2021, chegamos ao fim de mais um anime da temporada de inverno. Por ser um dos mais comentados e vistos atualmente em diversos lugares do mundo, o universo de guerra e destruição advindas por povos tão iguais, mas ao mesmo tempo diferentes, transmite uma sensação muito pesada de angústia e medo.

Com base nisso, tive a ideia de escrever essa resenha, embora seja mais uma análise, de um ponto que é muito recorrente em Shingeki no Kyojin: a questão dos vilões e dos “mocinhos”.

A obra Attack on Titan, de Hajime Isayama, ou Shingeki no Kyojin (進撃の巨人), é vista como grotesca, bizarra ou até mesmo ruim por quem não possui conhecimento do quão gigantesco é o enredo dessa história. Esta é desde 2009 publicada mensalmente na Bessatsu Shōnen Magazine e, posteriormente, compilada num volume que agrupa por volta de quatro a cinco capítulos e publicado pela Kodansha. O mangá é licenciado no Brasil e publicado pela Panini Comics desde 2013.

Informações técnicas não terão tanta relevância nesta resenha, mas saber que ela está há 12 anos praticamente no mercado é impressionante. Não pela questão do tempo, pois temos outras obras que são bem mais velhas — como é o caso de One Piece e Hajime no Ippo, por exemplo —, mas o fato de seu enredo ter sido deglutido sem nenhuma perspectiva positiva pelos leitores por tanto tempo. Isso é fantástico!

Falo por mim. Acompanho a história desde 2013, quando a primeira temporada foi lançada e deu muito o que falar. De primeira, achei um absurdo haver seres humanoides devorando pessoas descontroladamente, sem nenhuma esperança de um futuro diferente daquele.

Como seria possível eu, com meus 14 anos, ver tanta destruição sem propósito e ainda imaginar que todos se dariam bem um dia? Sentir a dor de Eren nos primeiros momentos da história ainda é presente em minhas memórias, mas muito além disso: pude sentir as dores dos personagens, tomá-las para mim e entendê-las.

Quando eu ainda estava na faculdade, cheguei no fatídico TCC. Odiado por 99,9% dos graduandos de qualquer área que exija, o tema inicial do meu foi uma questão muito importante na narrativa e história de Shingeki no Kyojin: existe mesmo um vilão? Se sim, quem seria?

Essa ideia surgiu durante muitas discussões em 2018 com uma professora que adorava qualquer novidade. Ela queria saber as ideias da turma para o TCC, e eu não tinha nada em mente, pois havia virado a noite lendo os capítulos que havia deixado acumular de Shingeki no Kyojin.

Foi aí que eu notei o fato de não conseguir definir quem seria o lado certo e o lado errado. Se era Paradis ou Marley. Se era Eren ou Reiner. Este ou aquele?

De fato passei muito tempo direcionando todo o rancor causado pela obra em Marley. Como poderiam ser tão malditos a ponto de usar crianças para atacar o povo inimigo?

O problema desse meu ponto de vista começou quando Marley foi apresentado. Aquele lugar, que para mim guardava os maiores demônios da Terra, apenas possuía pessoas com vontade de viver, assim como era em Paradis.

Então, ao vê-los com outro olhar, consegui mudar minha concepção de serem os vilões da história.

Mas calma, quero voltar para dentro das muralhas e mostrar um ponto que, acredito eu, tenha sido o principal fator para haver o favoritismo voltado para o lado dos Eldianos de Paradis.

Durante grande parte da história, apenas um ponto de vista era mostrado: o de Eren e seus companheiros da tropa de exploração. Era como se a história fosse narrada em primeira pessoa, trazendo somente uma determinada visão de um fator muito mais amplo e de escala mundial.

Sem sombra de dúvidas esse foi o objetivo de Isayama. Senão, desde o início teríamos um contato mais direto com o pessoal de Marley sem que fosse na perspectiva dos Eldianos — tanto os de Paradis quanto os do guetos. O principal sempre foi Eren Yeager, os pensamentos sempre foram os de Eren Yeager, as conclusões sempre foram as de Eren Yeager.

Essa forma de contar a história continua até o ponto em que Eren ataca Marley — que foi o relatado nessa última temporada. Nesse ataque, temos contato com Falco, Gabi e outros personagens que faziam parte dos eldianos de Marley.

Para não deixar somente jogado no ar, vou resumir os “eldianos em Marley”. Mas, antes, há uma questão muito importante para compreender a história: a origem dos titãs.

Quando descobri o segredo da origem dos titãs de fora das muralhas, foi angustiante. Era algo que nunca havia passado pela minha cabeça, por mais que houvesse motivos para tal, uma vez que beirava o absurdo. Sim, o absurdo.

Foi inadmissível perceber que todo o trabalho da tropa de exploração foi para matar seu próprio povo.

Os titãs de fora da muralha eram eldianos transformados em titãs pelo exército de Marley. E os de Paradis matavam todos sem nem ao menos ter conhecimento sobre, lutando contra eles mesmos durante anos e mais anos.

Percebe como isso é triste e transmite, automaticamente, a culpa para o sofrimento dos eldianos para Marley? Sendo que, no passado, as guerras entre titãs e marleyanos começaram quando Ymir adquiriu o poder de titã — dito como algo demoníaco no território de Marley — e lutou a favor de seu reino.

Tudo o que os personagens de Shingeki no Kyojin passam “hoje” é decorrente do passado. Um passado tão cheio de sangue e dor quanto o que é visto na narrativa do anime até então.

Haver eldianos em Marley é por uma causa tão podre que, quando descobri, deixou-me completamente fissurada em como Isayama apresenta os seres humanos como pessoas podres e egoístas. Gabi, Falco e qualquer outro Eldiano que está nos guetos de Marley estão lá com um propósito: ser uma arma para o exército.

Como descendentes de Ymir, eles podem se tornar “marleyanos hororários” caso ofereçam suas vidas para o exército para adquirir o poder dos titãs originais que estão em posse de Marley.

O pai de Eren era um desses eldianos em Marley. Só que, diferente da forma que a Gabi pensa, ele não suportava a ideia de privado de sua liverdade. Inclusive se tornou uma pessoa completamente consumida pelo seu desejo a ponto de usar uma criança indefesa para alcançar seus objetivos.

Eren herdou muita coisa de seu pai, juntamente a anos de estudos, ensinamentos e memórias. Inclusive ter herdado o titã de Ataque do pai justifica alguns de seus ideais.

Esses titãs, tidos como originais, somam o total de nove. Cada um possui uma particularidade, sendo ele o de Ataque, Colossal, Encouraçado, Cargueiro, Mandíbula, Fêmea, Fundador, Martelo de Guerra e o Bestial.

O “Fundador” é o primeiro que surgiu a partir de Ymir Fritz. Ele tem o poder da coordenada, a qual tem a capacidade de controlar todos os descendentes de Ymir. Os demais titãs também possuem poderes assim, mas não falarei aqui, afinal, o que quero fazer é instigá-lo a ler/assistir.

Posso adiantar que o Fundador sofreu bastante quando seu primeiro portador morreu. Inclusive sofreu a vida inteira.

Não vou entrar neste mérito, afinal, não é o meu objetivo, mas devo dizer que esse fato contribuiu muito para que eu pudesse chegar ao pensamento de que Shingeki no Kyojin aborda como a humanidade é podre e como viver é dolorido.

Bom, voltando!

Quando entramos na realidade de Marley, é dito que os que estão em sua posse são o Encouraçado, Mandíbula, Bestial e o “Martelo de Guerra” — os demais estão na posse de Paradis. Estes são passados de um portador para outro a cada 13 anos, sempre com o pensamento de “destruir Paradis” por serem uma constante ameaça.

Com isso, crianças são ensinadas a odiar Paradis como se a causa de todo mal fosse eles. Como se a extinção dos descendentes de Ymir fora do território de Marley fossem demônios isolados da “realidade” por puro egoísmo.

Usando como exemplo claro desse pensamento, podemos usar Reiner. Ele, como filho de marleyano com eldiana, acreditava que se candidatar para ser do exército, faria seu pai o reconhecer e voltar para casa. Quando ele consegue, corre até seu pai, mas sofre a decepção de ser tratado como um monstro por ele.

Mesmo sendo um “marleyano honorário”, seu sonho não poderia ser realizado, uma vez que ele ainda possuía o sangue eldiano em suas veias.

Um esquema parecido segue com Gabi, que por sinal é prima de Reiner, porém de forma muito mais forte. Pode-se dizer, inclusive, que ela é a versão feminina de Eren em Marley, pois o único desejo dela é acabar com seu próprio sofrimento arrancando o mal pela raiz — matando os “demônios” de Paradis.

Enquanto Marley pregava o pensamento de “a ilha de Paradis manter os demônios separados da humanidade”, Eldianos de Paradis acreditaram por muito tempo que eram os únicos humanos vivos diante da ameaça dos titãs. Ao passo que um pregava um discurso de ódio com fundamentos — todo o ataque que sofreu por titãs —, o outro era tão vítima desse sistema de opressão quanto eles, pois quem mais deveria protegê-los — o Rei de Paradis —, condicionou cada um a acreditar que eram os últimos seres humanos da Terra para viverem isolados.

O que eu quero dizer de forma clara é:

Nós não podemos dizer que um é o vilão dentro de Shingeki no Kyojin enquanto o outro é a vítima por conta de um fato extremamente importante: a narrativa. Ela não permite que escolhamos um lado, pois não há ninguém agindo da maneira certa ou errada.

Não existe certo ou errado quando lidamos com pessoas — exceto ao entrar no mérito de leis e relacionados, pois já fica mais relacionado ao convívio em sociedade. Como não é desse ponto que quero tratar, vamos ignorar, certo? —, pois cada um possui sua verdade de acordo com seu ponto de vista.

A realidade não é a mesma para todos. A representação de sua realidade exige muitas releituras, afinal, como seria possível enquadrar a pluralidade de cada sujeito numa única representação? Cada indivíduo possui sua história, sua crença e seus valores, e isso é o que define o “ser”.

Não podemos enquadrar Reiner como errado quando o tempo todo ele foi condicionado a pensar que o melhor e único caminho para sua vida seria entregar seus últimos 13 anos de vida para Marley e dar uma condição de vida melhor para sua mãe. Ele não teve escolha.

Isso é muito justificável quando é possível ver como ele sofreu enquanto esteve em Paradis. Ele notou que os eldianos de lá não eram ruins, inclusive lutavam pelo mesmo propósito que ele: ter uma vida. Reiner se apoiou numa personalidade que não era dele nesse meio tempo, afinal, precisava estar lá, precisava cumprir seu objetivo como “soldado marleyano”.

Logo na cena que Eren, que se passa por Kruger, reencontra Reiner em Marley, fica claro o arrependimento dele por ter feito o que fez para Paradis. Cenas antes ele é mostrado com uma arma dentro da boca, tentando se matar para não precisar lidar com todo o conflito dentro de seu psicológico.

Reiner matou e lutou ao lado do povo que ele jurou exterminar enquanto criava afeição e até mesmo esquecia de sua própria personalidade e objetivo em alguns momentos.

Inclusive, ainda na cena de Reiner e Eren em Marley, Eren diz que eles são iguais. Ambos somente gostariam de cumprir seus respectivos objetivos, e seria isso que ele faria: destruiria seus inimigos. Aqui, em específico, vemos a importância do contraste entre ambos, pois ao mesmo tempo que são diferentes, eles são iguais.

Iguais no desejo de viver, na vontade de cumprir seus objetivos para alcançarem a liberdade e em serem humanos. Compartilham semelhanças enquanto combatem entre si sobre suas diferenças tão parecidas.

Eren, por outro lado, é apresentado como um simples vingador. Por mais que cresça, ele não se arrepende do que já fez, pois, como ele mesmo diz, foi em prol de seu objetivo. Ele iniciou outra guerra, conquistou outra peça importante para seu plano e seguiu em frente, passando por cima de tudo e todos que estavam contra.

Por mais que esse comportamento não seja tão agradável, mostra como o Eren mudou ao descobrir muitos fatos passados e futuros — isso já é um spoiler, mas espero que não tão claro quanto seja para mim —, eu entendo. Consigo entender que é pelas dores dele que ele faz o que faz. Consigo me colocar no lugar dele e sentir a dor que é pensar ser um dos últimos humanos lutando contra a vida, mas, de repente, ver que não é a “verdade”.

Não se trata de compaixão com os personagens, longe de mim ser assim. Todos em Shingeki no Kyojin foram criminosos e vítimas ao mesmo tempo de um mesmo fator. Um mesmo fator que, embora não esteja claro, acredito ser plausível estar relacionado à humanidade.

O ser humano e todas suas complexidades é o motivo dos acontecimentos nessa história. É o vilão, é a vítima. É “quem” traz tanto sofrimento para os personagens nessa narrativa.

        Tentar escolher um lado como certo e colocar o outro como errado em Shingeki no Kyojin, na minha opinião, é o mesmo que desconsiderar a subjetividade dos sujeitos dentro da história. Cada um é único, seja sem seus pensamentos ou ações. Armin, por exemplo, carrega uma culpa gigantesca, mas procura sempre pensar antes de agir.

        Para mim, Shingeki no Kyojin não é só uma obra sobre guerras, mas sim uma que busca ensinar sobre olhar para outras perspectivas além da nossa. Não consigo encontrar outra obra que carregue toda a carga que SNK tem para mim, então é difícil de dar explicações além disso.

        Ao meu ver, a terceira perspectiva da história de Shingeki no Kyojin é a do leitor. Aquele que pode ver os dois lados de uma mesma história, mas que não sabe quem é que está mais certo ou menos errado, uma vez que é impossível medir a dor de alguém.

        Diante desse cenário de destruição que My War trouxe para a quarta temporada de Shingeki no Kyojin, eu me despeço, por enquanto, com muito carinho dessa temporada que tanto esperei para assistir.

Ainda tem chão pela frente para contar esse universo criado por Isayama, e é nisso que me apoio. Na curiosidade de ver tantas cenas do mangá animadas, na ansiedade de novos episódios com uma nova abertura para fechar com chave de ouro o que começou já pisando em tapetes vermelhos de excelência.

Eu poderia falar para você ler o mangá, mas, sabe.. é muito mais divertido dizer que esperar o anime não vale tão a pena se nós temos a história bem debaixo do nosso nariz prontinha para surpreender. Ver a adaptação animada torna a história muito mais cativante e única.

Mas se você não quiser, deixo esse spoiler aqui: a Mikasa é horripilante.

 

PS: Por favor, vamos exaltar essa cena: Ohayo, Poko!~

        Aliás, a segunda parte da temporada final já foi anunciada, mas teremos que esperar mais um pouquinho para surtar um pouquinho até lá…

2 comentários:

  1. Excelente texto, levantou um ponto muito importante que meio que as pessoas acabam esquecendo ao assistir a serie. Essa quarta temporada foi uma total quebra de paradigma na serie ate então, um universo completamente novo apresentado e não em forma de historia e flashback e sim apresentando no ponto de vista deles. Como vc mesma falou o certo e o errado e bem subjetivo, e era um ponto que estava martelando minha cabeça a um tempo, pois eldia oprimia marley e o resto do mundo, e agora marley oprime eldia e o resto do mundo. Estou muito ansioso para ver como o autor vai finalizar essa historia (eu não leio o manga kkk) pois ate então todo o universo que ele veio montado aos poucos esta simplesmente demais, saimos de titãs pelados comendo gente, passando por treta politica, humanos que se transformam em titãs ate as revelaçoes recentes de marley, e a origem dos titãs de fora da muralha, tudo foi simplesmente bem amarrado e levando a gente ate um ponto que julgavamos saber de tudo, com herois e vilões bem definidos para um completo "senta ai filhão, que o buraco e bem mais embaixo".

    ResponderExcluir
  2. Lindo, perfeito e tocante. Obrigada por ter feito um texto sobre AoT, com certeza me fascina ver/ler coisas sobre esse anime. É intrigante saber que o seu sentimentos por AoT foi muito parecido com o meu. É chocante, é bizarro e não tem lado certo.
    Como você mesma pôs, é o pov do Eren, são as conclusões e constatações do Eren. É igual a obra do Machado. Será que Capitu traiu ou não? O pov do Bentinho. Espero que essa seja a pergunta do próximo século: Marleyano bom é Marleyano morto?
    O universo é extenso demais, e há muito para se dizer sobre AoT. Acho que sua falha no texto foi não ter mencionado o quanto o grande Levi é o Deus da poha toda. Mas sou sincera quando digo que, apesar dessa falha muito feia rsrsrsrssrrssr, você foi demais <3
    Sua resenha me inspirou e deve te sido um trabalho que lhe rendeu horas de reflexão. Muito bom! Que texto lindo!
    PS: A Mikasa é horripilante, mas sugiro botar um PS2 e colocar que o Levi é pika.
    Beijos

    ResponderExcluir

O blog da Liga é um espaço para ajudar os escritores iniciantes a colocarem suas ideias no papel da melhor maneira possível.



As imagens que servem de ilustração para o posts do blog foram encontradas mediante pesquisa no google.com e não visamos nenhum fim comercial com suas respectivas veiculações. Ainda assim, se estamos usando indevidamente uma imagem sua, envie-nos um e-mail que a retiraremos no mesmo instante. Feito com ♥ Lariz Santana