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Olar, pessoas, tia Asth aqui outra
vez!
Primeiramente, gostaria de comentar
duas coisas sobre meu post anterior. Quando exemplifiquei sobre Haymitch e Gale
no tipo em que as falhas falam mais alto que as qualidades, foi pela impressão
que tive deles. Gale se deixou levar por elas e caiu em sua curva de
desenvolvimento de personagem, dando-lhe aquele fim que todo mundo já sabe. Já
Haymitch, sobe.
Outra coisa, quando falei no final
“evitar o menor pior”, era justamente o oposto, era escolher o menos pior.
Perdoem, minha alma já está velha e cometi esses errinhos maravilhosos! e.e
MAS, OK!
Vamos falar hoje de algo que a
maioria detesta, mas todo mundo usa inconscientemente. JORNADA DO HERÓI!
E como eu já pesquisava sobre o
assunto antes, passei muitos anos quietinha e estou a fim de uma polêmica,
digo: uma hora ou outra, você precisará da Jornada do Herói, mesmo que a
deteste. Por quê?
Primeiro, porque Jornada do herói é
uma forma literária de retratar nossa vida e segundo, porque para quebrar as
regras, você precisa conhecê-las.
Primeiro explicarei o que ela é,
depois chegarei ao assunto que interessa a vocês, O RANÇO QUE TODO MUNDO TEM DA
POBREZINHA, RS!
Vem comigo!
1
– JORNADA DO HERÓI: O QUE É, DE ONDE SURGIU?
Primeiro, gostaria de pedir a
licença de vocês e usar a sigla, em vez do nome todo, porque fica mais prático.
A Jornada do Herói, ou monomito, é
um termo criado em 1949 pelo antropólogo, escritor e professor Joseph Campbell.
Ele analisou narrativas antigas de deuses, fábulas, contos e identificou um
padrão entre elas, desde Prometeu a Jesus. Mas você sabia que o padrão da JDH
que circula pela internet não é o original? O pessoal propagou um diagrama pela
internet afora atribuindo-o ao Campbell, mas o original tem 17 ETAPAS. O que se
popularizou tem 12, que é a do Christopher Vogler.
Segue abaixo algumas imagens
explicativas dos dois modelos. No próximo post, explanarei cada um de forma
mais clara, se quiserem, para que este aqui não fique longo, rs.
Monomito de Campbell
2
– PROBLEMATIZANDO A JDH
Detesto usar esse termo, na verdade.
Não seriam problematizações, mas reflexões que trago a fim de que consigamos
trabalhar a JDH da melhor forma possível, então espero que não levem nada para
o pessoal, já que o assunto pode ser espinhoso demais para algumas pessoas.
2.1
– Patriarcal
Acredito que essa crítica está
bastante em voga no contexto atual, não vi comentários desse tipo no Nyah
quando pesquisei, mas na internet em geral, é um dos pontos que a galera
levanta. Na JDH original, as mulheres são citadas diretamente em apenas duas
etapas: The Meeting With the Goddess e o Woman as Temptress.
Ambos não estão listados na JDH
proposta por Vogler, mas ele, diferente do Campbell, é claramente favorável ao
papel da mulher como heroína, afinal como roteirista, Vogler trabalha com o que
o público quer ver.
No Meeting With the Goddess, o
personagem experimenta o amor, seja o amor romântico, ou na forma de uma
metáfora maternal quase divina. Aqui, a mulher não é sua igual, mas uma figura
a ser honrada e protegida (Lex, 2012), quase adorada, podemos dizer. No Woman
as Temptress, a mulher é vista como uma tentação, algo que impede o herói em
seu destino. Ainda segundo Lex, Campbell “optou por enquadrar a metáfora como
mulher, porque muitas histórias clássicas usavam o tropo da luxúria masculina,
pouco restritiva, para tentar o herói”. Não preciso dizer mais nada. Nesse
sentido, creio que a primeira etapa possa ser exemplificada por Beatrice na
Divina Comédia e Virgem Maria n’A Balada do Cavalo Branco, e a segunda por
Helena na Ilíada.
Mas convenhamos, a literatura
(ocidental, pelo menos) da época tinha predominância masculina, não foi ele
quem determinou que a JDH seria assim, Campbell simplesmente analisou alguns
mitos (que coincidentemente foram retratados ou estrelados por homens),
formulou o monomito a partir disso e that's it.
Um dos argumentos que usam para
sustentar esse ponto da JDH, é que Campbell usou mitos, lendas e narrativas
ocidentais, desprezando as orientais, em que as mulheres aparecem mais. Mas
quer exemplos de narrativas antigaças do ocidente onde a mulher é protagonista
e segue a JDH? Primeiro, consideremos que a civilização ocidental foi erguida
em três pilares e um deles é a moral judaico-cristã, cujo livro sempre desperta
um monte de controvérsias.
Pois bem, nesse livro há duas delas.
No Velho Testamento, ainda por cima.
No Livro dos Juízes, como se já não
fosse suficiente.
São os casos de Ester e Débora.
Independente se você acredita ou não, independente se a história foi escrita
apenas para explicar o motivo de uma festividade (Festa de Purim, no caso de
Ester), aí estão narrativas em que mulheres aparecem com papéis muito
relevantes. Mulheres importantes também apareceram em outros livros.
Isso sem contar a importância do
feminino representado por Atena e sua cidade, quando escolheram-na em vez de
Poseidon; além da representação da mulher como provedora da fertilidade, da
proteção da natureza, da caça, da maternidade e do destino da humanidade nas
mitologias grega, romana e celta. E o surgimento de Roma? Foi uma Loba que
alimentou os gêmeos, se você ligar esse mito ao livro “Mulheres que correm com
Lobos”, o feminino também tem um papel forte ali. Só porque Campbell
provavelmente levou em conta na formulação do monomito apenas as participações
das deusas envolvidas na Ilíada, não quer dizer que não existia literatura ou
tradição oral relacionadas a elas na época.
Quer outros exemplos mais atuais?
Toma: Anna (Frozen), Moana (Moana: um mar de aventuras) e Katniss (Jogos
Vorazes). Mesmo que no caso da Katniss ficasse mais escrachado que ela não
segue totalmente a jornada do Herói, afinal ela não teve aquela “recusa ao
chamado”.
Ué, a JDH sem ser seguida
fidedignamente continua sendo JDH? Continua sim, afinal não é uma fórmula
engessada, é apenas um esqueleto. Na própria Epopeia de Gilgamesh, ele não é o
estereótipo de herói bonzinho que a JDH que conhecemos e reproduzimos hoje
propaga. A história faz sentido, mesmo com as etapas invertidas? Então, tudo
bem.
2.2
– Não segue as próprias etapas
Como comentei anteriormente, a
JDH não é engessada, então os personagens podem pular ou inverter etapas.
Alguns já até “começam prontos”, ou seja, já possuem as armas físicas e
psicológicas das quais precisam dispor para enfrentar a jornada, antes daquela “fatia
de vida” que a história está retratando, sendo que a Jornada, em essência, é
retratar justamente esse processo de desenvolvimento das armas. Exemplos?
Katniss de novo, Oberyn Martell (da série, porque não li o livro ainda), Ansel
e Sofia Delavi (A Viagem da Sacerdotisa).
2.3
– A galera interpreta errado, virando um checklist
Já fiz alguns cursos e o pessoal
comenta bastante sobre essa questão de seguirem muito à risca a JDH. A
influência do imaginário do Tolkien ou do Martin não dá muito espaço para que o
pessoal inove. Acredito que esse seja o maior desafio da JDH, inclusive. Quer
um exemplo?
Levanta a mão quem tem um personagem
mentor na história, independente se é homem ou mulher!
Agora de vocês que levantaram,
levanta a mão quem tem um mentor velho, sábio ou figura que substitui pai/mãe
ausente do personagem principal!
Viu? Isso remonta ao que Tom Freitas
diz sobre a JDH: as pessoas confundem ARQUÉTIPOS com ESTEREÓTIPOS.
Espera, buguei, tia Asth!
Exemplificando:
— Arquétipo: Mentor | Estereótipo:
senil, barbudo, iluminado, na vibe do Dumbledore ou do Gandalf.
— Arquétipo: Herói | Estereótipo:
aldeão, camponês, jovem, aventureiro.
— Arquétipo: Heroína | Estereótipo
antigo: donzela, inocente, submissa, apenas serve como recurso emocional para o
herói encontrar o motivo de seguir adiante, ou como recompensa por sua jornada;
Estereótipo atual: masculinizada, desbocada, fria, aparentemente já
desenvolvida antes mesmo da história começar.
2.4 – É clichê
Esse argumento é o que a gente mais
vê por aí, não adianta dizer que não, pois no grupo do Nyah! mesmo as respostas
que vi, seguiam nessa linha. A verdade é que tudo que é conhecido se torna mais
usado, afinal, não é só x ou y que tem o direito de seguir uma forma, z também
tem. Assim como você tem a escolha de procurar por outra forma de contar sua
história.
Os arquétipos da JDH tiveram
influência de Jung, a psicanálise trabalha com pessoas, então como fugir disso?
Ela diz que essencialmente a JDH se baseia na nossa vida. Nos nossos desafios,
conquistas e transformações pelo qual passamos. Se nós fizermos o que uma
galera diz por aí (de só escrevermos sobre aquilo que conhecemos, o que eu
considero uma bobagem, mas isso fica para outro post <3) automaticamente
escreveremos sobre a JDH, afinal é nossa vida!
Agora, se você chega nos posts do
Nyah quando perguntam: “o que você mais vê numa história?”, responde algo
parecido com: “personagens bem construídos”, mas rejeita a Jornada do Herói que
essencialmente retrata a transformação do personagem durante sua jornada rumo
ao objetivo, TALVEZ esteja se contradizendo. (Isso se o personagem já não for
badass antes da história começar, mas aí você sairia do espeto e cairia na
brasa, afinal, se ele já está desenvolvido, no que terá a contribuir ao enredo
sem ficar maçante ou chato ao seu leitor? rs)
Histórias sem pontos de virada ou
momentos marcantes não chamam a atenção. Se você quer vender, precisará fazer
uso da JDH de alguma forma. Sad, but true.
Há histórias em que o personagem
passa o texto todo sem uma transformação na sua linha de desenvolvimento? Não
duvido que haja, mas como não conheço, procurei pelo assunto. Daniel Galera
parece ter feito isso no seu primeiro livro, mas como não li para saber, não
tenho certeza.
3 – CONCLUSÃO
Para encerrar a primeira parte desse
post sobre JDH, quer um exemplo de personagem que passou pela JDH e do qual
praticamente uma geração inteira se lembra? Toma: quem aí não morria de raiva
do Shinji (Neon Genesis Evangelion)?
Evangelion passou por um reboot
e os filmes mudaram bastante a personalidade dele, mas se você assistiu ao
anime, verá o quanto ele demorou para cumprir sua JDH. Literalmente, quando
avançava um passo, retrocedia dois. Enrolou um século na recusa ao chamado e
quando você acha que ele desencanou, Shinji empaca mais uns milênios n'A
barriga da baleia, na provação traumática e na ressurreição. O que você mais vê
em fãs de Evangelion é um hate muito grande no Shinji por essa enrolação, mas o
anime seguiu direitinho a JDH e ainda assim é um clássico dos anos de 1990. Se
você deseja trabalhar bem seus personagens, assista Evangelion, SEMPRE tem algo
a mais para descobrir sobre eles, só procurar no Youtube sobre as
interpretações e mensagens do anime que você terá uma baita aula <3
No próximo post vou me aprofundar na
JDH do Vogler. A gente encheu o saco do Campbell aqui, mas se não fosse ele,
Vogler não teria aperfeiçoado o monomito. Seu livro ajuda bastante a
desmistificar os estereótipos que permeiam os arquétipos. Além disso, tentarei
compilar algumas “alternativas” à JDH. O post ficará extenso, então pode ser
que eu divida em dois.
Se quiserem, posso também fazer um
post de apoio com “sub-arquétipos” (por falta de palavra melhor) depois, para
ajudá-los com seus personagens, acredito que ajudaria bastante. Afinal, não
importa se for clichê, desde que seja bem desenvolvido, seu leitor agradece! Só
manifestarem interesse aí nos comentários, que eu já separo meu material aqui <3
Até lá!
Referências
Bibliográficas:
VOGLER,
Christopher. The Writer's Journey: Mythic Structure For Writers. Studio City,
EUA: Michael Wiese Productions, 1998.
ESTÉS,
Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos. Rocco, 2014.
Adorei! É necessário refletir sobre a jornada do herói, principalmente sobre a banalização dela. Achei maravilhosa essa diferenciação de arquétipo e estereótipo, acho que rola um post no blog só sobre isso. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada pela leitura e pelo comentário! :)
ExcluirMuito bem explicado e inspirador. Evitou que eu cometesse alguns erros!
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