Anatomia de um Canalha

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Por: Clara de Assis

Os Libertinos são os melhores!

Desde que o mundo é mundo (dentro da literatura), os canalhas, sedutores e charmosos libertinos são os personagens masculinos mais cobiçados. E sinto muito para quem está enrugando o nariz, mas há provas de que a temática “personagem canalha” vende muito livro e movimenta muito o mundo das fanfics. O motivo? Eles sempre falam as melhores sem-vergonhices e todos torcem para que, no final, estejam rastejando pela atenção do seu par (independentemente de ela(e) ser chata(o) ou sagaz).

Trecho 

“Sobre Heróis e Tumbas” (1961), de Ernesto Sabato: 

“Ocorre-me que ao ler a história de Norma Pugliese alguns de vocês pensarão que sou um canalha. Desde já lhes digo que acertaram. Considero-me um canalha e não tenho o menor respeito por minha pessoa. Sou um indivíduo que se aprofundou em sua própria consciência, e quem é que, tendo se afundado nos vincos de sua consciência, poderá respeitar-se? 

Ao menos considero-me honesto, pois não me engano sobre mim mesmo nem tento enganar os demais. Vocês talvez me perguntem, então, como enganei sem o menor escrúpulo tantos infelizes e mulheres que cruzaram meu caminho. Mas acontece que há enganos e enganos, senhores. Esses enganos são pequenos, não têm importância. 

Sou um investigador do Mal, e como se poderia investigar o Mal sem afundar-se até o pescoço na sujeira? Vocês me dirão que ao que tudo indica eu encontro um vivo prazer em fazê-lo, em vez da indignação ou do asco que deveria sentir um autêntico investigador que se vê forçado a fazê-lo por desagradável obrigação. Também está correto e eu o reconheço publicamente. Veem como sou honrado? Não disse em momento algum que sou boa pessoa: disse que sou um investigador do Mal, o que é muito diferente. E além disso reconheci que sou um canalha. ”

Livro traduzido para 21 idiomas (apenas).

Trecho

“O Vale das Bonecas” (1967), de Jacqueline Susann:

“Henry mergulhou na poltrona de couro. Tomou as duas mãos de Anne e disse: 

— Ouça, Anne, se eu tivesse um filho, gostaria que ele fosse exatamente como Lyon. Mas, se eu tivesse uma filha, dir-lhe-ia para fugir dele como do diabo. 

— Isso não faz muito sentido. 

Henry sacudiu os ombros. 

— É que conseguem tudo com muita facilidade. Allen consegue-o por causa do dinheiro, Lyon, porque é diabolicamente bonito. De certo modo, compreendo-os perfeitamente. Por que iriam eles fixar-se em uma única mulher, se podem tê-las todas? Basta escolher.”


Agora, quem aqui estava vivo em 61? Talvez 67? Vejo poucos levantando a mão.... Será que da década de 60 para os tempos atuais algo mudou? Será que os leitores ficaram mais exigentes para com os mocinhos de moral ilibada? Vocês sabem que não. E, assim sendo, vamos dissecar esse tipo de personagem que atrai tantos leitores. 

O que faz um personagem canalha, libertino, sem-vergonha, ser tão adorável? Quais os elementos para compor um personagem assim? Precisa ter olhos azuis e nariz grego? Tem de ser a cara do Henry Cavil? Precisa ser rico? Só funciona se ele for empresário?

Vamos ponto a ponto tentar cobrir o máximo de características para este personagem.

  • Enredo: Não importa se você vai adequar seu personagem no mundo real ou transformá-lo em um dos deuses do Olimpo, o importante aqui, tratando de enredo, é que o personagem deve estar confortável em sua época e seu entorno. Respeite o seu personagem, sempre. Dê a ele subsídios para desenvolver sua personalidade libertina: cafés, bares, danceterias, biblioteca ou até em templo religioso, não importa, seu personagem deve corromper outro(s) em benefício próprio, porém, isso não o transformará, necessariamente, em um vilão. Esse tipo de personagem fica na corda bamba entre o bem e o mal. 
  • Características físicas: Lindo não precisa ser, acredite. Vide Loretta Chase com o Príncipe dos Canalhas, carinhosamente apelidado de Lorde Belzebu, que tinha um grande nariz adunco e o tinham como um homem feio. 

Então, se não precisa ser bonitão, deverá ser rico?

  • Situação financeira: Bem.... Na vida de um personagem, as facilidades proporcionadas pelo dinheiro, ajudam, e muito ao personagem. Pesquisei bastante e não consegui encontrar um libertino nascido e criado na pobreza absoluta. Porém, isso não significa que não possa desenhar um personagem sem muitos recursos que seja sedutor. Também encontrei alguns aristocratas falidos de galanteios mais elaborados, incluindo o bom e velho “você me deve esse favor” a fim de conseguir um quarto, um veículo, ou qualquer coisa que servisse de instrumento de sedução. (Encontrei bastantes personagens pobres e de moral incorruptível, e isso foi um bálsamo). Os canalhas, e senhores ricos, como Don Juan são mestres em seduzir boas e iludidas moçoilas. Já o Duque de Ainswood, Vere Mallory, em O último dos Canalhas, de Loretta Chase, se nega a receber o ducado, ele prefere viver como um simples aristocrata, viajando pelo mundo e colecionando conquistas. Ainda assim, é um personagem que tem boa situação financeira, ainda que sem o ducado.

Outro personagem com título e canalhice de sobra foi o Marquês de Sade. Esse... uau, não fazia distinção de gênero, o que fosse para prazer mútuo vinha de bom grado.


“...e que nada nem ninguém é mais importante do que nós próprios. E não devemos negar-nos nenhum prazer, nenhuma experiência, nenhuma satisfação, desculpando-nos com a moral, a religião ou os costumes.” ― Marquês de Sade

Eu me lembro de um que não era nada a não ser um boa-lábia, que abriu mão de estar ao lado daquela por quem seu coração batia mais forte, para ficar ao lado de quem fazia seu estômago roncar mais baixo, foi Fernando Seixas, em Senhora, de José de Alencar (Ah, eu sei! Sim, eu amo esse personagem e não poderia deixar de citá-lo). Fernando amava Aurélia, mas preferiu Adelaide, que era rica, já que ele era tão pobre quanto Aurélia e não acreditava em “um amor e uma cabana”. O relacionamento com Adelaide não foi adiante e Fernando se viu em maus lençóis, pois gastou todas as economias da família para se passar por um nobre rapaz, gostos caros e refinados, passeios, restaurantes... E quando foi preciso que buscasse o dinheiro para o casamento da irmã, bem, não tinha nada, certo? Foi aí que ele se casou com Aurélia, que herdou uma grana preta e comprou o marido, por vingança. 

  • Personalidade: Personagens libertinos e canalhas não são, exatamente, mocinhos exatos ou vilões perversos, o que não extingue a possibilidade de um ou outro. Vejamos os canalhas, imorais e apaixonados.

Personagens contemporâneos que são destaque (não por mim, mas pelo número de venda de livros, traduções e prêmios):

“— Você não me conhece. Não sou tensa.

— Ah, por favor. Nunca vi uma pessoa precisar transar tanto como você. Não sei o que seu noivo está fazendo contigo. Mas o que ele estiver fazendo, não está fazendo direito.” — Atraído, Emma Chase.

O canalha geralmente choca não só seu par, mas o leitor, seus pensamentos iniciais geralmente são egoístas.

“Ela ofereceu sua amizade, eu queria seu corpo. Ela ofereceu seu corpo, eu queria sequestrar seus pensamentos. Ela ofereceu seus pensamentos, eu queria seu coração.” — Livro: Playboy Irresistível, Christina Lauren.

Porém, não se esqueça do coração de alguns canalhas, em resumo, uma parte deles sempre esperam ser salvos, ou coisa parecida...


Belo Desastre – Jamie McGuire.

Apenas um adendo, os Irmãos Maddox, da série de Jamie MacGuire, não são ricos, ao contrário, trabalham bastante para conseguirem as coisas, mas, novamente é bom salientar, que eles não ficam sentados no sofá esperando que tudo caia do céu. Levar alguém para jantar é mais sedutor que pegar a fila do sopão, e esses personagens sabem disso. Não são mau-caráter, e sua canalhice reside na infidelidade, ou, no trato com seus pares, devidamente descartados. Afinal, eles estavam destinados a serem salvos pela personagem “certa” (personagem principal). 

Pelo visto, para um personagem canalha estar bem embasado, é necessário que ele esteja confortável em seu ambiente, que possa transitar pelos núcleos com desenvoltura, é um personagem seguro e, muita das vezes, autossuficiente.

O dinheiro não é tudo para quem sabe vender seu peixe, mas é importante lembrar que as facilidades que o conforto material financia a fim de que o personagem possa exercer certo... charme. Ele é vaidoso, e gosta de saber que chama a atenção. Bons cortes de tecido. Belos calçados... Ajuda bastante.

Por fim, tenha em mente que eles precisam impactar com elegância. Cativar o leitor, que vai torcer para que esse personagem quebre a cara, abandonado ou apaixonado.

3 comentários:

O blog da Liga é um espaço para ajudar os escritores iniciantes a colocarem suas ideias no papel da melhor maneira possível.



As imagens que servem de ilustração para o posts do blog foram encontradas mediante pesquisa no google.com e não visamos nenhum fim comercial com suas respectivas veiculações. Ainda assim, se estamos usando indevidamente uma imagem sua, envie-nos um e-mail que a retiraremos no mesmo instante. Feito com ♥ Lariz Santana