Por: Rodrigo Caetano
Galera, eu escolhi Romeu & Julieta para a resenha de abril por um motivo bem particular, devo dizer. Um motivo até pessoal, que pode (provavelmente irá) levar muitas pessoas a discordarem de mim. Porém, para fazer disso interessante e útil para todo mundo, eu resolvi esclarecer uma coisa que muita gente nem sabe que é confusa, e acaba fazendo errado.
Todo mundo aqui sabe quem foi William Shakespeare, não é? Amiguinho(a), se você não conhece, favor ir pesquisar. Eu até ajudo e deixo aqui o link da página dele da Wikipédia. É o mínimo que você precisa, em nome de conhecimentos gerais mesmo... Pois bem, todo mundo sabe que ele é um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, se não o maior. Suas peças atravessaram os séculos e ainda são referências no mundo inteiro.
Mas, o que ele escrevia mesmo? Peças, correto? Isso é um tipo de texto MUITO diferente daquele com o qual estamos acostumados, não é? Agora é a hora que alguns de vocês estão pensando que, na verdade, tem muita gente por aí que está acostumada a ler e escrever roteiros, e temos até uma categoria do Nyah! para eles. Pois bem, é isso mesmo, mas eu não disse que o Shakespeare escrevia roteiros...
Na verdade, Shakespeare é muito conhecido por seu trabalho na dramaturgia. Seus textos, que na verdade são suas peças, não podem nem devem ser confundidas com aqueles roteiros que nós conhecemos, dos filmes, séries e do desafio do Nyah! no ano passado. Na verdade, apesar de semelhantes, os dois tipos de texto tem diferenças importantes, e até algumas que podemos ver na sua própria forma. Mas vamos com calma que, como já dissemos antes, é difícil de distinguir os dois.
Isso porque enquanto o roteiro cinematográfico, ou audiovisual no geral, é produzido para ser filmado, o texto teatral é produzido única e exclusivamente para ser atuado. Ele é, ainda mais do que o roteiro propriamente dito, feito para ser interpretado, no sentido amplo da palavra.
Nesse sentido, ele é próximo do roteiro literário (e não do técnico). Como diz o Nyah!, na sua aula de português sobre roteiros, “o roteiro literário funciona como uma espécie de guia, em que as descrições do cenário e das cenas possibilitarão a transformação do texto em imagem. A história é escrita de uma maneira que possa visualizada, mas sem apresentar qualquer indicação técnica.”
Quer dizer então que as peças do Shakespeare são como os roteiros literários? Não... Quisera eu a vida fosse tão simples... Na verdade, as peças teatrais vão ainda mais longe do que o roteiro literário.
A diferença básica aqui, entre o roteiro literário e um texto teatral, é que, mesmo que sem as especificações técnicas, o roteiro delimita alguns outros elementos que complementam a interpretação. Uma descrição simples de cenário, ou de sentimento do personagem, ou de tom de voz. Às vezes, até detalhes das ações. Enquanto isso, o texto teatral se baseia puramente nos diálogos e na interpretação dos atores. O máximo que os textos teatrais costumam fazer é marcar a localização de cada personagem na cena (dizendo, entre as falas, algo como “Julieta se afasta da janela”).
Então vemos que enquanto os roteiros, principalmente os literários, têm muito mais interferência do autor, os textos teatrais se prendem tanto aos diálogos, que apenas através de ótimas atuações, ao vivo, eles conseguem transportar todo o seu poder. E, vou além e digo que, enquanto um roteiro necessita, por definição, de uma produção audiovisual para concretizá-lo, uma peça teatral precisa apenas de pessoas dispostas a interpretá-lo. Nos bons textos, com bons atores, os diálogos costumam ser tão poderosos, que são capazes de transportar e fazer sentir, sem ajuda de cenário, música, sons ambientes ou maiores produções.
Então, para você que escreve roteiros literários, já pensou em trabalhar com textos teatrais? Enquanto o primeiro é mais visado e popular hoje em dia, o segundo costuma apresentar um maior desafio. E, como todo bom desafio, pode recompensar por ser mais fácil traze-lo à vida. Isso sem lembrar que é muito mais fácil adaptar um texto teatral para um roteiro (basta incluir as descrições necessárias) do que fazer o contrário (onde precisamos de diálogos mais fortes e poderosos).
Tendo esclarecido isso, vamos à resenha:
Título Original: Romeo & Juliet
Título Brasileiro: Romeu & Julieta
Autor: William Shakespeare
Disponível (domínio público) em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2347
Gente, não parece, mas eu falo sério quando disse que escolhi Romeu & Julieta como o livro de Abril em homenagem ao 1º dia do mês, o dia da mentira. Essa resenha contém uma opinião um tanto quanto pessoal, de uma pessoa que se sentiu enganada — pelo mundo e não pelo autor — quando terminou de ler esse livro. Uma pessoa que comprou o livro achando que estava prestes a embarcar na maior história de amor já contada ou concebida pelo homem. A história de amor que deu luz e inspiração a todas as outras.
Me desculpem os fãs, e com a máxima vênia ao gênio que foi Shakespeare, mas, ou eu não entendi essa história direito, ou ela não é nada do que me fizeram acreditar que ela seria. Eu me senti, literalmente, caindo em uma pegadinha.
Mas vamos com calma, porque tratamos não apenas de um clássico, mas de um dos maiores clássicos do mundo, e ele demanda, por respeito, um esforço extra de compreensão e de esclarecimento, pois de pouco adianta falar que o tio Will era um gênio e descascar a obra dele depois. É preciso reconhecer o que merece ser reconhecido.
Shakespeare é o pai da dramaturgia. Em termos de técnica literária e narrativa, o texto de Romeu & Julieta não deixa em nada a desejar quando comparado aos seus outros grandes clássicos, como Macbeth, Hamlet ou Ricardo III. São textos teatrais lindos, com uma capacidade inigualável de articular a linguagem. O tipo de coisa que faz dos textos teatrais tão especiais. Os diálogos são extremamente bem elaborados, e cada palavra é bem escolhida e colocada. Cada metáfora é bem construída e cada elemento, já analisado milhões de vezes nos séculos de idolatria que o texto carrega consigo, é utilizado de maneira inteligente, e tem vida, comportamento e significado próprio. Como exemplo de texto teatral, o livro é esplendoroso. Talvez esteja entre os mais lindos que existem.
Meu problema é com a trama em si, com o plot, puro e simples. Porque, antes de toda técnica narrativa, linguística rebuscada e estrutura metafórica, Romeu e Julieta é uma história, e pode ser analisada simplesmente como tal. Não retiro os méritos do autor enquanto contador de histórias, e realmente acredito que a história pode até ficar em segundo plano, com o elenco certo a atuar, mas isso é mérito do autor e dos atores. A história em si, me parece fraca.
Enquanto o mundo trata Romeu e Julieta como a maior história de amor do mundo, eu mal pude identificar que ela era uma história de amor. A linguagem de Shakespeare é clara, simples e, ao mesmo tempo elaborada. O tempo quase um personagem à parte no texto, e as metáforas incorporadas por ele são belas e poderosas. Mas, no fim das contas, toda história ainda acontece no período de 4 a 6 dias.
4 a 6 dias! Isso não dá nem uma semana!
Desculpem-me os românticos, mas não consigo considerar que duas pessoas foram impossibilitadas de se amar, se elas não tentaram nem por uma semana. E eu sei que há uma diferença enorme entre as culturas da época em que o texto foi escrito e da cultura atual, mas tantos outros textos de Shakespeare sobreviveram ao teste do tempo, que me parece desnecessário dar a essas duas personagens o seu status de imortalidade atemporal que elas claramente não merecem.
Por mais cheia de dificuldades que se possa considerar o suposto amor entre Romeu & Julieta, ainda se trata de um relacionamento juvenil, de um garoto de 16 (dezesseis) anos e uma menina de 13 (treze!), em um período curtíssimo de tempo. E tantas eram as dificuldades impostas pelas famílias, que os dois jovens mal tiveram a oportunidade de se conhecer durante o texto. Contam-se nos dedos das mãos a quantidade de tópicos de conversa que eles tiveram um com o outro antes de decidirem se casar.
E, por mais que se elogie a qualidade do autor, pouco se pode dizer do sucesso da premissa básica de uma história, que é a capacidade de fazer com que o leitor se identifique com a personagem.
Eu sei que para ser plenamente realizado, esse tipo de texto depende de uma intepretação teatral, mas, como eu disse, independente da capacidade interpretativa do ator, não se mudam as palavras ou os fatos. Se, no teatro, o ator é capaz de tornar aquilo mais relacionável, mérito dele.
No final, a impressão com que o livro me deixou, principalmente pelo seu final tragicamente bonito, não fosse tão doentio, é que essa era muito mais uma história de obsessão idealizada do que uma verdadeira e emblemática história de amor. A ideia de estrelas cruzadas, fadadas a nunca se encontrar em vida, não passou pela minha cabeça hora nenhuma enquanto lia o texto. A culpa não era das estrelas (com o perdão do trocadilho), mas da juventude e inexperiência dos dois. Por não saberem reconhecer em si mesmos o que era um sentimento legítimo e o que era tentação e atração pelo belo proibido. O que era amor, afeto e carinho, e o que era obsessão, necessidade, imaturidade.
Enquanto admirava e invejava a capacidade linguística e metafórica do autor, não pude deixar de culpar a fraqueza do homem, em vez da impossibilidade de se alcançar as estrelas. Bastou que se visse o vermelho da maçã na árvore e que se dissesse que era proibida, para que nada mais no mundo existisse que não a maçã e a nossa incapacidade de resistir à tentação de mordê-la. Mesmo que nunca a tivéssemos provado antes.
Da mesma forma que dizem que eles tiveram de morrer para se amarem na eternidade, eu digo que eles nunca deram a si mesmos a chance de se amar, e que justamente por terem morrido, nunca se amarão de verdade.
E, só entre nós, aposto com vocês que depois de comer maçãs por um mês, eles logo cansariam, e iriam procurar outras frutas, em outros galhos. Crianças, cara...
É isso. Desculpem-me os fãs, desculpe-me Shakespeare. Eu sei que o texto é de outra época, feito para outra cultura, mas se assim o é, assim deveria ser tratado. Como uma obra-prima histórica, que deve sempre servir como referência técnica, mas que o conteúdo, como história, já foi ultrapassado pela roda do tempo. Isso não seria surpresa nenhuma, e esse texto ainda estaria em companhia de outros textos de grande importância histórica, verdadeiramente revolucionários. Mas, atual, essa história não é. Sempre me surpreendi com os textos de Shakespeare, dessa vez só não foi uma surpresa positiva. Pelo contrário, achei até que fosse uma pegadinha...
******
http://youtu.be/K-qgVmsV3hM
Legal a leitura que você fez =). A interpretação me pareceu um tanto anacrônica, você usou de uma "voz contemporânea" muito forte que não sei se o texto pede, mas ficou interessante. Não sei se o tempo cronológico é tão importante na história, não me parece, uma vez que ele é solapado pela intensidade de sentimento de ambos. E trata-se, de certo modo, de um tempo mitológico, ainda mais se recorremos à fonte de onde ele tirou a história, o mito grego de Píramo e Tisbe. A questão da juventude é um conceito relativamente novo, na época de Shakespeare a gente com 30 anos já era super velho. Dom Quixote, por exemplo, é tratato como um ancião de 90 anos, mas tinha 50 na história XD. Porém, como eu disse, leitura minuciosa, isso é muito bom.
ResponderExcluirLady Salieri