No fim de 2013, foi feito um desafio natalino no Nyah! Fanfiction. Como prometido, a Liga dos Betas fez uma resenha para cada história no top 10 (além das duas menções honrosas) e elas serão postadas duas a duas, a partir de hoje. Recomendamos que leiam e comentem em todas. As histórias são ótimas!
1º lugar — Gaunt, por Lorde Noah
Resenha por Elyon Somniare
Neste conto de Fantasia, Lorde Noah
apresenta ao leitor uma alternativa ao mundo que conhecemos, onde criaturas
míticas como o Pai Natal, fadas, cavalos-voadores, Coelho da Páscoa, entre
outros não são apenas histórias contadas às crianças, mas, sim, factos cuja
existência é de conhecimento geral. Este conceito como worldbuilding pode ser dos mais utilizados, mas nem por isso perde
os seus encantos, especialmente quando é bem moldado e trabalho. E, aqui,
podemos considerar que foi. O autor não apenas soube utilizar os elementos
mitológicos certos no momento certo, como os fez credíveis e manejou para
misturar o real com o imaginário. Pegando num excerto como exemplo, é possível
ver que em “Quando sentiu fome, Grant [o cavalo alado] pediu que [Gaunt, o
menino] arrancasse um único fio de sua crina prateada e o comesse. Quando Gaunt
o arrancou, o fio tornou-se róseo e dourado, e quando o engoliu sua fome e sede
desapareceram” temos elementos directamente tirados de contos de fadas. Não
apenas o cavalo alado em si, mas a própria viagem na garupa do mesmo, assim
como a ideia de “um único fio de sua crina” servir de alimento.
Simultaneamente, na frase seguinte temos um reflexo das preocupações e
prioridades de uma realidade capitalista: “Por isso que os cavalos alados eram
tão admirados e respeitados pela indústria alimentícia mundial.” Um elemento
intercala-se com outro. Dá-lhe seguimento e transporta uma sensação de
verossimilhança ao leitor.
Este worldbuilding, contudo, não se limita apenas a ambientar a
história. Além de o fazer, também se encontra directamente relacionado com o
enredo: invejosos do sucesso do Pai Natal com os seres humanos, muitas das
outras criaturas começam a sabotar os feriados, até os próprios, com intenção
de culpabilizar o dito. Como consequência, a Existência é afectada pelos
constantes desequilíbrios, e os Anciões, representados no conto por Alathea, veem-se
na iminência de provocar o apocalipse e recomeçar do zero. Gaunt é o menino de
dez anos a quem é dada a missão de levar uma caixa-mistério até ao Polo Norte
antes do dia 14 de Janeiro, quando o apocalipse acontecerá. Uma vez tendo as
premissas básicas do enredo, o leitor acompanha Gaunt na sua viagem. É,
portanto, um conto de quest.
Estrutura-se em torno de uma viagem-missão, algo também típico não só de contos
de fadas, como de outros géneros literários – épicos, por exemplo –, onde
usualmente o herói é ajudado por personagens secundárias (no caso, criaturas
mitológicas) durante as diferentes etapas, e que no fim se conclui com um
crescimento pessoal do herói.
Em relação às personagens, começarei
pelo protagonista. Gaunt peca por um factor: nada nele indica, quer explícita
quer implicitamente, o porquê de ser ele o escolhido. Simplesmente foi, o que
leva à questão “por que ele e não outro?” Tirando este detalhe, um que cada vez
mais se torna recorrente em ficção especulativa, Gaunt encontra-se bem
construído. A sua caracterização é essencialmente implícita, o leitor
compreende-o pelos seus actos e pelos seus pensamentos, sendo uns e outros
consistentes com as suas falas. Comporta-se como alguém mais maduro do que uma
criança de dez anos, mas sem ultrapassar os limites credíveis a uma criança que
seja, de facto, madura para a idade.
As restantes personagens são
essencialmente personagens planas. Encontram-se a representar algo ou um grupo
em específico – neste caso, um grupo específico de criaturas míticas. Não
demonstram uma evolução, e os seus sentimentos são relevados para segundo
plano, expostos apenas quando e se necessário justificar algum comportamento ou
reacção. Não quer isto dizer que falham na construção: qualquer um que tenha
prestado atenção às aulas de Português sabe que uma história necessita sempre
de dois tipos de personagens, as planas e as redondas. O ponto fulcral é que
umas e outras cumpram a sua função na história, enquanto distraem o leitor da
“falta de sal” que essa mesma função pode parecer ter quando se encontra
demasiado evidente que a personagem se encontra no texto especificamente para
isso. Em “Gaunt”, as personagens cumprem as suas funções enquanto divertem o
leitor. O pouco que é dito sobre elas é o suficiente para lhes dar forma e
consistência, tornando-as apreciáveis para a leitura – o chamado likable, do Inglês to like, gostar.
Por fim, a narrativa. Nas notas
finais, o autor alega que a história é toda narrada pela Anciã Alathea. Vários
autores recorrem a esse sistema, contudo, isso não impede que o ponto de vista
mude, assim como o tipo de narrador. Deste modo, o começo e o fim da história
encontram-se narrados na primeira pessoa, num narrador homodiegético,
personagem da história mas não protagonista, enquanto no desenvolvimento da
história o narrador é na terceira pessoa, heterodiegético. Em comum em todas as
partes, temos a omnisciência do narrador. Ele sabe tudo o que se passa,
inclusive mais do que o protagonista.
Excluindo uma ou duas gralhas, a
escrita está genericamente boa. O autor sabe equilibrar os vários elementos de
um texto de ficção, alternando entre diálogos, descrições e narração. A
informação é doseada e dada em boa altura, evitando-se os blocos de informação
cujo efeito se realiza mais em aborrecer o leitor do que em o informar. Os
vocábulos são diversificados, não sendo demasiado rebuscados, nem demasiado
simplistas. Aquilo que é dito e aquilo que é demonstrado ao leitor sobre o
enredo, worldbuilding e personagens
encontra-se doseado, sem cair em nenhum dos extremos.
Concluindo, é uma leitura que se
recomenda.
2º lugar — Pole of the Dead, por Goldfield
Resenha por LindaLua
Uma história narrada pelo ponto de vista do símbolo natalino
mais conhecido do mundo: Papai Noel. Em uma espécie de diário, ele relata a
vontade de mudar os conceitos dessa data,
transformando o caráter materialista em algo voltado aos sentimentos, à
realização de sonhos e à felicidade interior de cada pedido feito. Com esse
pensamento, o “bom velhinho” usou das doações que recebeu em dinheiro durante
todo o ano para contratar uma equipe de cientistas que tinha como objetivo
descobrir uma espécie de “elixir da vida” capaz de reviver células mortas,
reatar pontes de neurônios, eliminar tumores malignos e várias outras
enfermidades cuja ciência ainda não é capaz de curar. Na noite de Natal,
percorreria todos os hospitais, presenteado os enfermos.
Porém, um incidente com um frasco que continha
uma substância nomeada de “Projeto X-MAS” foi derrubado acidentalmente por um
dos cientistas. A substância se espalhou matando duendes para depois fazê-los
ressurgir como zumbis que invadiram a mansão, mesmo estando protegidas pelos
duendes sãos. Dentro da casa, tudo havia sido tomado e o único protegido dentro
de um armário velho, acovardado demais para lutar, era Papai Noel.
O
socorro chegou apenas no dia do Natal através de uma duende, Varna, que
sozinha, em posse de uma arma de guerra poderosa, aniquilou alguns zumbis e foi
ao encontro do velhinho, para em seguida pedirem resgate a OTAN.
Os
dias foram passando, o ano novo chegou e ambos aguardando o socorro chegando
até mesmo a lutar contra as renas infectadas pelo vírus para manterem-se vivos.
Uma
narrativa completamente diferente do universo natalino que estamos acostumados
a ler. Uma trama que envolve um mundo paralelo à realidade dos contos de Natal
onde podemos nos envolver em um enredo que, ao mesmo tempo que arrepia, nos
deixa apreensivos para o seu desenrolar. O que no início é apenas uma simples
ideia de salvar pessoas, reconstruir família e trazer um novo sentido a data,
se torna uma cena de horror e devastação tanto para o personagem principal da
história, Papai Noel, quanto para o leitor.
O
autor usa de pontos fortes em sua história, não esquecendo o contexto adulto
para o qual foi escrita. O “bom velhinho” se derretendo de desejos pela bela
figura da duende que salvara sua vida não é algo comum. E o restante de seus
pequenos ajudantes virando monstros prontos para acabar com sua vida? E as
renas dóceis que se tornaram animais desfigurados prontos para matar?
Envolvente
e cheia de mistérios o texto prende a atenção do leitor do seu inicio até o
final, e a leitura se torna uma prazer inigualável.
Que resenhas lindas. Eu não poderia ter feito melhor (humilde, beijos)
ResponderExcluirAs histórias me surpreenderam, essas duas primeiras então, fiquei super contente com o resultado.
Obrigada pelo trabalho, muitas pessoas da Liga se comprometeram com o Desafio
e isso fez a diferença. Espero as demais resenhas.
Parabéns meninas.
Ps.: Elyon Somniare, eu li todos os seus comentários e cai da cadeira mortíssima e ressuscitei depois rindo feliz.
hehe eu adorei :X cê tem que ler uma fic minha véi. HAHAHAHHAHAHA
Beijos.
Ui, alguns considerariam masoquismo! Outros considerariam capacidade em aceitar críticas. Qual deles o correcto? :p
Excluir(Obrigada)
Essa Pole of the Dead me pareceu bem interessante. Vou ler.
ResponderExcluirBoa leitura. Espero que gostes ♥
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