Por: Daniel Cavalcante (colaborador)
Conflito. Algo que não desejamos em nossas vidas, mas que é indispensável para nossos queridos personagens. Afinal, sem ele não existe história.
Mas o que é conflito? Briga? Guerra? Pancadaria? Sim, mas não apenas isso. Vamos ver a definição da palavra no Dicionarioweb:
Oposição de interesses, sentimentos, idéias.Luta, disputa, desentendimento.Briga, confusão, tumulto, desordem.Desentendimento entre países.Conflito armado, guerra.Conflito de jurisdição, situação em que dois órgãos judiciais pretendem conhecer de uma mesma questão ou a isso se recusam, por atribuir cada qual ao outro tal competência.Psicanálise: Situação em que, no indivíduo, se opõem os impulsos primários e as solicitações ou interdições sociais e morais.
Conflito significa problema a ser resolvido. Como foi visto em outro artigo, personagens precisam de um objetivo. As metas fazem as pessoas se moverem, tomarem atitudes e fazerem escolhas. No entanto, cada movimento dos personagens, dá a você uma oportunidade de apresentar-lhes as forças do antagonismo.
O antagonismo não é necessariamente uma pessoa, embora normalmente ele seja apresentando na forma de um vilão. Mas, essencialmente, é tudo aquilo que se posiciona entre o personagem e seu objetivo na cena. Todas as cenas, e a história em si, são elaborados em cima dos objetivos e dos conflitos que surgem. A estrutura é sempre a mesma:
Objetivo > ação > obstáculo
Exemplo: Pedro quer beber água > Pedro se dirige ao bebedouro > O bebedouro está seco.
A partir disso, você pode criar toda uma cena, história ou simplesmente resolver a situação na próxima ação do personagem.
Se optar por criar uma cena inteira a partir dessa situação, você pode criar conflitos atrás de conflitos. O importante aqui é ter o cuidado de que cada novo conflito seja maior e mais desafiante que o anterior.
Exemplo: Pedro continua com sede > procura por um bar e pede água ao atendente > O homem, meio rabugento, diz: custa dois reais. Pedro enfia as mãos no bolso e tira apenas uma moeda de cinco centavos.
Pedro continua com sede > Diz ao homem que serve água da torneira > O homem diz que o bairro inteiro está sem abastecimento de água desde as sete da manhã.
Percebam que a resolução do conflito parece estar cada vez mais além da capacidade do protagonista resolver a situação.
Conflitos são naturais na vida do ser humano. Passamos por eles, muitas vezes sem perceber. Normalmente xingamos, reclamamos e nos estressamos com eles. Mas precisamos entender que eles nos fazem crescer e amadurecer. Use os conflitos de suas histórias para criar a evolução dos personagens.
Existem três níveis de conflito: interno, pessoal, extra-pessoal.
a) Conflito Interno
São aqueles em que o conflito está no próprio personagem. Ele mesmo é sua limitação e obstáculo. Seu corpo, sua mente, seus sentimentos o atrapalham. São lutadores fracos, alunos incapazes, paqueradores tímidos, empregados incompetentes. As possibilidades são infinitas.
O mais básico dos conflitos internos é o de origem física. O personagem não tem força ou capacidade de executar sua tarefa. Exemplos:
Keichi quer namorar com Belldandy > Keichi vai se declarar a ela > Keichi é muito tímido.
Esse tipo de conflito é interessante quando trabalhado na esfera psicológica. Exemplo:
Shinji quer mostrar seu valor a seu pai > Shinji resolve pitolar o EVA para impressioná-lo > Shinji é mentalmente desequilibrado e pilotar o EVA é traumatizante, o que lhe causa danos psicológicos.
Ainda temos conflitos internos de cunho sentimental. Exemplo:
Ou ainda alguém pode se encontrar em conflito de seus desejos contra seus princípios e convicções. Exemplo:
Conflitos internos revelam o homem como pior inimigo de si mesmo. Lembre-se que esses conflitos não são a resposta final, e sim a apresentação do problema. A partir disso, os personagens lutarão para superá-los ou encontrar outra solução até então ignorada.
b) Conflito Pessoal
São conflitos com outras pessoas. Alguém se coloca diante do personagem e seu objetivo, com clara intenção de impedi-lo. Ou talvez simplesmente está no lugar errado, na hora errada.
O mais básico dos conflitos pessoais nas histórias ocorre entre heróis e vilões. Exemplos:
Professor Xavier quer unir humanos e mutantes > Xavier convoca os mutantes e prega sua causa aos humanos > Magneto quer que os mutantes dominem os humanos e convoca mutantes para seu grupo “terrorista” e ataca os humanos.
Mas podemos cirar inúmeras situações diferentes. Por exemplo, conflitos entre parceiros:
Nana quer ser amada por alguém > Nana se encontra com um homem que conhece por acaso > O homem é casado e não a ama.
Roscharch quer colocar os Minuteman na ativa novamente > Rorcharch visita cada ex-membro do grupo para convoca-los > Todos estão vivendo outras vidas e recusam ao chamado.
Obi Wan quer resolver uma missão > Obi Wan sai para a missão com seu discipulo Anakin > Anakin é insubmisso, impulsivo e arrogante, colocando a vida de ambos em risco.
As pessoas são antagonistas umas das outras, mesmo no sentido mais figurado e indireto da palavra. Podem estar presentes em lutas, no ambiente de trabalho, dentro de casa. Pode ser uma batalha para salvar o mundo ou em uma discussão entre marido e mulher para decidir quem lavará a louça.
O obstáculo não são pessoas, mas sim uma organização, uma entidade pública, um governo, uma força superior, um exército, o mundo, a natureza, deuses, o “azar”.
Exemplos:
Luke Skywalker quer vingar sua família que foi assassinada > Luke parte para o espaço com Obi Wan para lutar contra quem matou sua família > Luke precisa enfrentar o Império Galático.
Homem Aranha quer salvar as pessoas > Homem Aranha salva as pessoas > O Clarin Diário mostra o herói como uma ameaça pública, colocando a polícia contra ele.
L quer parar o assassinato de criminosos > L investiga os assassinatos > Descobre que existem deuses da morte envolvidos na história.
Keichi e Belldandy querem ficar juntos > Keichi e Belldandy vão morar juntos > O céu vira um caos e os deuses superiores ordenam o retorno de Belldandy à sua função celestial.
Frodo quer destruir o Anel do poder > Frodo vai até a montanha destruir o Anel > Sauron coloca todo seu exercito de criaturas monstruosas atrás de Frodo.
Leônidas quer proteger seu povo da invasão persa > Leônidas leva seus soldados à guerra > Leônidas precisa enfrentar um exercito gigantesco, contando com apenas 300 homens ao seu lado.
Podemos ainda mencionar muitas outras possibilidades de conflitos extra-pessoais. Terráqueos em mundos alienígenas, igrejas e seus fiéis rebeldes, um messias não compreendido pelo mundo, um robô inteligente e os humanos, um operário lutando judicialmente contra a empresa onde trabalha, um viajante do tempo jogado em uma época diferente.
Mas lembre-se de que se uma organização estiver contra o personagem, não significa que os membros dessa organização também estejam. Eles apenas cumprem ordem. Por isso não é um conflito interpessoal. No entanto, durante o enredo você pode inserir um personagem dentro dessa organização que encarna esse antagonismo e representa os interesses do grupo ao qual ele pertence. Também pode inserir um que vá contra essa organização e se alia ao herói.
Exemplo: Em Blade Runner, Deckard está caçando replicantes amotinados. Ele está lutando contra um grupo que defende seus próprios interesses. Porém, Roy, o líder do grupo, surge como o epicentro do motim, aquele que tem em si todas as convicções pessoais defendidas pelo grupo. Dentro da narrativa, a questão filosófica dos replicantes é mostrada por ele.
Já em Star Wars, Darth Vader, que antes pertencia ao Império Galático e defendia seus interesses, decide se voltar contra o Imperador e ajudar Luke.
Objetivos e conflitos são o motor de uma história. É através deles que conhecemos verdadeiramente os personagens que estão por trás da caracterização apresentada no início da narrativa. É o conflito que faz o personagem se esforçar, se superar e continuar se movendo. Que graça teria se nossos personagens conseguissem tudo o que quisessem sem esforço algum?
Desafio: Você tem algum exemplo destes três níveis de conflito? Conhece algum tipo de conflito que não foi mencionado aqui? Compartilhe conosco, comentando ali embaixo. Ajudem a enriquecer o post. É blogueiro? Faça sua lista de tipos de conflitos que você não encontrou aqui, ou um post recheado de exemplos de conflitos nas histórias que você curte. Coloque o link desse nosso post em seu texto e colocaremos o link do seu, aqui mesmo. Assim, será uma boa troca de informação e de divulgação.
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Daniel é escritor, autor de contos publicados nas antologias Extraneus - Em Nome de Deus (ed. Estronho) e Crônicas da Fantasia (ed. Literata). Esse texto foi um presente para a Liga dos Betas, postado antes na sua extinta Revista eletrônica Quadrinize, especializada em auxiliar os autores iniciantes na composição de seus textos ficcionais . É possível conferir outros trabalhos do autor na seguinte página: http://abismoinfinito.wordpress.com/
As questões de conflitos internos me lembram muito o conceito da "Jornada do Heroi" Proposto por Joseph Campbell em seu livro "O Heroi das mil Faces"
ResponderExcluirVide: http://alquimiapopular.com.br/2013/04/02/a-jornada-do-heroi-em-nossas-vidas-segundo-joseph-campbell/
Adorei! Uso muito o seu texto!
ResponderExcluirObrigado.
De nada! Ainda bem que gostaste! :D
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