Conflito narrativo

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Por: Daniel Cavalcante (colaborador)


Conflito. Algo que não desejamos em nossas vidas, mas que é indispensável para nossos queridos personagens. Afinal, sem ele não existe história.

Mas o que é conflito? Briga? Guerra? Pancadaria? Sim, mas não apenas isso. Vamos ver a definição da palavra no Dicionarioweb:

Oposição de interesses, sentimentos, idéias.
Luta, disputa, desentendimento.
Briga, confusão, tumulto, desordem.
Desentendimento entre países.
Conflito armado, guerra. 

Conflito de jurisdição, situação em que dois órgãos judiciais pretendem conhecer de uma mesma questão ou a isso se recusam, por atribuir cada qual ao outro tal competência. 

Psicanálise: Situação em que, no indivíduo, se opõem os impulsos primários e as solicitações ou interdições sociais e morais.


Conflito significa problema a ser resolvido. Como foi visto em outro artigo, personagens precisam de um objetivo. As metas fazem as pessoas se moverem, tomarem atitudes e fazerem escolhas. No entanto, cada movimento dos personagens, dá a você uma oportunidade de apresentar-lhes as forças do antagonismo.

O antagonismo não é necessariamente uma pessoa, embora normalmente ele seja apresentando na forma de um vilão. Mas, essencialmente, é tudo aquilo que se posiciona entre o personagem e seu objetivo na cena. Todas as cenas, e a história em si, são elaborados em cima dos objetivos e dos conflitos que surgem. A estrutura é sempre a mesma:


Objetivo > ação > obstáculo

Exemplo: Pedro quer beber água > Pedro se dirige ao bebedouro > O bebedouro está seco.



A partir disso, você pode criar toda uma cena, história ou simplesmente resolver a situação na próxima ação do personagem.

Se optar por criar uma cena inteira a partir dessa situação, você pode criar conflitos atrás de conflitos. O importante aqui é ter o cuidado de que cada novo conflito seja maior e mais desafiante que o anterior.

Exemplo: Pedro continua com sede > procura por um bar e pede água ao atendente > O homem, meio rabugento, diz: custa dois reais. Pedro enfia as mãos no bolso e tira apenas uma moeda de cinco centavos.
Pedro continua com sede > Diz ao homem que serve água da torneira > O homem diz que o bairro inteiro está sem abastecimento de água desde as sete da manhã.

Percebam que a resolução do conflito parece estar cada vez mais além da capacidade do protagonista resolver a situação. 

Conflitos são naturais na vida do ser humano. Passamos por eles, muitas vezes sem perceber. Normalmente xingamos, reclamamos e nos estressamos com eles. Mas precisamos entender que eles nos fazem crescer e amadurecer. Use os conflitos de suas histórias para criar a evolução dos personagens.

Existem três níveis de conflito: interno, pessoal, extra-pessoal.

a) Conflito Interno

São aqueles em que o conflito está no próprio personagem. Ele mesmo é sua limitação e obstáculo. Seu corpo, sua mente, seus sentimentos o atrapalham. São lutadores fracos, alunos incapazes, paqueradores tímidos, empregados incompetentes. As possibilidades são infinitas. 

O mais básico dos conflitos internos é o de origem física. O personagem não tem força ou capacidade de executar sua tarefa. Exemplos:


Naruto quer ser o Hokage > Naruto treina para aprender jutsus poderosos > Naruto é incapaz de aprender.

Keichi quer namorar com Belldandy > Keichi vai se declarar a ela > Keichi é muito tímido.


Esse tipo de conflito é interessante quando trabalhado na esfera psicológica. Exemplo:

Shinji quer mostrar seu valor a seu pai > Shinji resolve pitolar o EVA para impressioná-lo > Shinji é mentalmente desequilibrado e pilotar o EVA é traumatizante, o que lhe causa danos psicológicos.


Ainda temos conflitos internos de cunho sentimental. Exemplo:

Homem Aranha quer salvar uma vítima das garras do vilão > Homem Aranha parte pra cima do vilão com tudo, antes que o malfeitor jogue a vítima da ponte > O vilão é o pai do melhor amigo do herói. Homem Aranha precisa escolher entre matá-lo e deixar a vítima morrer.


Ou ainda alguém pode se encontrar em conflito de seus desejos contra seus princípios e convicções. Exemplo:

Batman quer deter o Coringa > Coringa só pode ser detido se for morto > Batman não mata.

Conflitos internos revelam o homem como pior inimigo de si mesmo. Lembre-se que esses conflitos não são a resposta final, e sim a apresentação do problema. A partir disso, os personagens lutarão para superá-los ou encontrar outra solução até então ignorada.


b) Conflito Pessoal

São conflitos com outras pessoas. Alguém se coloca diante do personagem e seu objetivo, com clara intenção de impedi-lo. Ou talvez simplesmente está no lugar errado, na hora errada.

O mais básico dos conflitos pessoais nas histórias ocorre entre heróis e vilões. Exemplos:

Professor Xavier quer unir humanos e mutantes > Xavier convoca os mutantes e prega sua causa aos humanos > Magneto quer que os mutantes dominem os humanos e convoca mutantes para seu grupo “terrorista” e ataca os humanos.

Mas podemos cirar inúmeras situações diferentes. Por exemplo, conflitos entre parceiros:
Kira quer um parceiro para usar em suas táticas de assassinato > Kira resolve usar Misa > Misa é tapada e descuidada, atrapalhando seus planos.

Nana quer ser amada por alguém > Nana se encontra com um homem que conhece por acaso > O homem é casado e não a ama.

Roscharch quer colocar os Minuteman na ativa novamente > Rorcharch visita cada ex-membro do grupo para convoca-los > Todos estão vivendo outras vidas e recusam ao chamado.

Obi Wan quer resolver uma missão > Obi Wan sai para a missão com seu discipulo Anakin > Anakin é insubmisso, impulsivo e arrogante, colocando a vida de ambos em risco.


As pessoas são antagonistas umas das outras, mesmo no sentido mais figurado e indireto da palavra. Podem estar presentes em lutas, no ambiente de trabalho, dentro de casa. Pode ser uma batalha para salvar o mundo ou em uma discussão entre marido e mulher para decidir quem lavará a louça.

c) Conflito Extra-pessoal

O obstáculo não são pessoas, mas sim uma organização, uma entidade pública, um governo, uma força superior, um exército, o mundo, a natureza, deuses, o “azar”.

Exemplos:

Luke Skywalker quer vingar sua família que foi assassinada > Luke parte para o espaço com Obi Wan para lutar contra quem matou sua família > Luke precisa enfrentar o Império Galático.
Homem Aranha quer salvar as pessoas > Homem Aranha salva as pessoas > O Clarin Diário mostra o herói como uma ameaça pública, colocando a polícia contra ele.

L quer parar o assassinato de criminosos > L investiga os assassinatos > Descobre que existem deuses da morte envolvidos na história.

Keichi e Belldandy querem ficar juntos > Keichi e Belldandy vão morar juntos > O céu vira um caos e os deuses superiores ordenam o retorno de Belldandy à sua função celestial.

Frodo quer destruir o Anel do poder > Frodo vai até a montanha destruir o Anel > Sauron coloca todo seu exercito de criaturas monstruosas atrás de Frodo.

Leônidas quer proteger seu povo da invasão persa > Leônidas leva seus soldados à guerra > Leônidas precisa enfrentar um exercito gigantesco, contando com apenas 300 homens ao seu lado.

Podemos ainda mencionar muitas outras possibilidades de conflitos extra-pessoais. Terráqueos em mundos alienígenas, igrejas e seus fiéis rebeldes, um messias não compreendido pelo mundo, um robô inteligente e os humanos, um operário lutando judicialmente contra a empresa onde trabalha, um viajante do tempo jogado em uma época diferente. 
Mas lembre-se de que se uma organização estiver contra o personagem, não significa que os membros dessa organização também estejam. Eles apenas cumprem ordem. Por isso não é um conflito interpessoal. No entanto, durante o enredo você pode inserir um personagem dentro dessa organização que encarna esse antagonismo e representa os interesses do grupo ao qual ele pertence. Também pode inserir um que vá contra essa organização e se alia ao herói.

Exemplo: Em Blade Runner, Deckard está caçando replicantes amotinados. Ele está lutando contra um grupo que defende seus próprios interesses. Porém, Roy, o líder do grupo, surge como o epicentro do motim, aquele que tem em si todas as convicções pessoais defendidas pelo grupo. Dentro da narrativa, a questão filosófica dos replicantes é mostrada por ele.

Já em Star Wars, Darth Vader, que antes pertencia ao Império Galático e defendia seus interesses, decide se voltar contra o Imperador e ajudar Luke.

Objetivos e conflitos são o motor de uma história. É através deles que conhecemos verdadeiramente os personagens que estão por trás da caracterização apresentada no início da narrativa. É o conflito que faz o personagem se esforçar, se superar e continuar se movendo. Que graça teria se nossos personagens conseguissem tudo o que quisessem sem esforço algum?

Desafio: Você tem algum exemplo destes três níveis de conflito? Conhece algum tipo de conflito que não foi mencionado aqui? Compartilhe conosco, comentando ali embaixo. Ajudem a enriquecer o post. É blogueiro? Faça sua lista de tipos de conflitos que você não encontrou aqui, ou um post recheado de exemplos de conflitos nas histórias que você curte. Coloque o link desse nosso post em seu texto e colocaremos o link do seu, aqui mesmo. Assim, será uma boa troca de informação e de divulgação.

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Daniel é escritor, autor de contos publicados nas antologias Extraneus - Em Nome de Deus (ed. Estronho) e Crônicas da Fantasia (ed. Literata). Esse texto foi um presente para a Liga dos Betas, postado antes na sua extinta Revista eletrônica Quadrinize, especializada em auxiliar os autores iniciantes na composição de seus textos ficcionais . É possível conferir outros trabalhos do autor na seguinte página: http://abismoinfinito.wordpress.com/

3 comentários:

  1. As questões de conflitos internos me lembram muito o conceito da "Jornada do Heroi" Proposto por Joseph Campbell em seu livro "O Heroi das mil Faces"
    Vide: http://alquimiapopular.com.br/2013/04/02/a-jornada-do-heroi-em-nossas-vidas-segundo-joseph-campbell/

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  2. Adorei! Uso muito o seu texto!
    Obrigado.

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