[Pedido] Cenas de ação

quarta-feira, 10 de julho de 2013


Por: Thammi Lima (Beta reader da Liga dos Betas)



 Antes de entrar no mundo das temidas e intrigantes cenas de ação, vamos saber, inicialmente, o que vem a ser uma cena.


CENA

As cenas, de acordo com pesquisas, na parte que nos interessa, são cada uma das situações ou momentos da evolução de um enredo. Ou seja, é aquele destaque no texto que empurra a história para frente, movimentando personagens em seus meios, num determinado instante. Pode-se dizer ainda que é o lugar onde se passa uma ação, um cenário, uma descrição sobre um local, uma figura presente no texto, a apresentação dos anseios dos personagens, a abertura, desenvolvimento e/ou fechamento de conflitos. 

Segue um exemplo de cena:


“Elena desceu as escadas, ainda que seu corpo lutasse contra a força que a movia para além da escuridão. O novo cômodo, inexplorado, cheirando a mofo, remeteu-lhe à década passada, quando a velha mansão acordava ao nascer do sol, sob o cacarejar das galinhas de tia Léa e o aroma gostoso de café recém-passado. Agora, tateando as paredes em meio ao breu, Elena sentia com tristeza os sinais do tempo nas paredes descamadas, no soalho apodrecido, rangendo sob seus pés cuidadosos. Seu coração apertou dentro do peito e ela mordeu o lábio para segurar a onda de remorso que subia-lhe pela garganta em forma de choro.”

Assim como num texto ou redação, uma cena também deve ter começo, meio e fim. Dessa forma, seu pensamento estará mais organizado e você conseguirá revelar ao leitor o contexto do que está expressando com mais clareza e, consequentemente, com riqueza de detalhes.


Lembre-se: quanto mais detalhes, mais bem descrita estará sua cena e será mais fácil para o leitor imaginar o que você está propondo para ele.

Então, concluindo, vemos que as cenas são integrantes fundamentais no contexto da história. Elas fazem parte do desenvolvimento do texto, dando sequência aos acontecimentos, trançando os diversos conflitos descritivamente, e realizando uma ponte entre os personagens, os leitores e o próprio autor. É através das cenas que os leitores irão se identificar (ou não) com o que é proposto na história e se aprofundar nas variadas situações pelas quais passam os mocinhos, vilões, animais de estimação e demais figuras presentes no texto.


Bem, entendido rapidamente o que vem a ser uma cena, vamos seguir para o que interessa. As cenas de ação.

Muitos escritores têm o privilégio de terem um pote cheio de imaginação dentro da cabeça, o que os auxilia e muito na hora de compor o enredo para uma história. Porém, logo percebem que nem tudo são flores, e lá, no meio do texto, eis que ele surge: o bloqueio das cenas de ação. Sim, pois é.
A dificuldade não está na montagem da cena de ação, mas sim na maneira como ela deve ser escrita e transmitida ao público, de modo que as pessoas consigam se transportar para dentro do texto e sentir como se um personagem fosse. Então, para amenizar os medos e tentar facilitar a construção desse tipo de cena em especial, vamos aos passos a seguir.


Elaboração da cena (Visual)

Monte a cena de ação na sua cabeça. Imagine o que vai acontecer, cada movimento, cada detalhe, cada fala. Se necessário, use um bloco de notas e anote tudo de importante, todos os elementos fundamentais para o desenvolvimento daquela cena. Vamos exemplificar, porque tudo com exemplo é mais assimilável, né? Vamos usar aquele texto inicial.


Texto original:


“Elena desceu as escadas, ainda que seu corpo lutasse contra a força que a movia para além da escuridão. O novo cômodo, inexplorado, cheirando a mofo, remeteu-lhe à década passada, quando a velha mansão acordava ao nascer do sol, sob o cacarejar das galinhas de tia Léa e o aroma gostoso de café recém-passado. Agora, tateando as paredes em meio ao breu, Elena sentia com tristeza os sinais do tempo nas paredes descamadas, no soalho apodrecido, rangendo sob seus pés cuidadosos. Seu coração apertou dentro do peito e ela mordeu o lábio para segurar a onda de remorso que subia-lhe pela garganta em forma de choro.”

Montando a cena:


  1. Personagem da cena: vou usar a personagem Elena e apenas ela nessa cena.

  1. O que ela vai fazer: Ela está na velha mansão e precisa ir para outro cômodo, onde a cena vai, de fato, se desenvolver. Então, aqui, eu preciso criar conectores que vão migrar minha personagem do local onde ela está originalmente para o outro, onde a ação começa. Como farei isso? Bem, a resposta é simplicidade! Sim, isso mesmo! Podemos escrever coisas ótimas de maneira bem simples. Veja:

“Elena desceu as escadas, ainda que seu corpo lutasse contra a força que a movia para além da escuridão.”

Nesse momento, seja você o personagem. Se transporte para a cena e se imagine naquele lugar, naquele instante. Como você contaria ao seu amigo aquele pedaço da história? Como você estava se sentindo? Com medo? Ansioso? Feliz? Triste? Respondendo essas perguntas, transcreva tudo para sua cena e veja como ficou. Se ainda assim o texto não está como você gostaria, busque referências nos dicionários, mude uma frase ou palavra, tente encaixar aquilo que melhor vai descrever o que você quer transmitir.


  1. O que ela está fazendo ou o que fará: Aqui você deve informar a parte descritiva da sua cena. Conte sobre onde está seu personagem, se faz sol, se chove, se é uma floresta, uma casa, se ele está sozinho ou acompanhado, se está em conflito com alguém ou apenas observando, pensando... Você pode, inclusive, expressar mais sobre isso através de falas. Exemplo:

— Eu gosto daqui. É uma boa casa, e o vento que vem da floresta refresca o ambiente durante a noite — comentou Jade, espiando a vista pela varanda do quarto.

Ou ainda:

— Admito, você sabe o que faz com uma espada, Sir Lancelot — Sir Henrick recuou poucos passos, o suor descendo-lhe pelas têmporas, a espada empunhada numa das mãos tremia levemente diante de seu visível cansaço físico. Ele arfava e cambaleava, entontecido pelo calor da batalha, mas, ainda assim, sorria, presunçosamente.

Então, fica a dica:

Escolha expressões sintéticas. Na maioria das vezes, uma palavra diz o mesmo que duas ou três juntas. Sempre que você estiver diante desse “dilema”, opte por menos palavras. Esse enxugamento não significa sacrificar a qualidade do texto. Ao contrário, reduzindo o número de palavras, você não apenas privilegiará a informação, como também poupará ao leitor tempo, produto cada vez mais escasso hoje em dia. Opte pela concisão.


Evite/ não use
Prefira
Teresa foi ligar para João...
Teresa ligou para João...
Ela estava querendo a atenção dele...
Ela queria a atenção dele...
Lúcia ia lá para a loja...
Lúcia ia para a loja...
Vamos ir para a praia?
Vamos para a praia?
Tudo corria bem, onde não tinha mais conflito...
Tudo corria bem, de maneira que não tinha mais conflito...


E o psicológico dos meus personagens, como fica?

Não podemos esquecer de construir, juntamente com a cena, o perfil psicológico das figuras que estarão em ação no contexto. Lembre-se que você deve levar em conta o perfil inicial do personagem. Se ele é bom, mau, inteligente, sarcástico, mal-humorado, preguiçoso... Não é apropriado mudar o foco psicológico de sua criação no meio do texto. O interessante é mesclar sentimentos, de modo que a figura da história possa passar por várias fases sentimentais, sem perder sua verdadeira identidade. Esse é um dos segredinhos das cenas de ação Saber o que se passa internamente com as figuras do texto é instigante para qualquer leitor. Então, capriche!

Ex.: Kate sempre fora medrosa e muito fraca. Ficava doente com constância quando pequena e pelo que me lembro, não tinha amigo algum. (Traço principal de seu perfil psicológico)
No texto: Kate era valente. Enfrentava os amigos da escola e mais de uma vez foi parar na detenção. (Mudança de personalidade)

Pergunte-se:

§  Essa descrição combina com o perfil psicológico do meu personagem?
§  Por que vou escrever que meu personagem está desse jeito nesse momento?
§  A descrição psicológica dele nesse contexto tem a ver com a minha cena?
§  As palavras que escolhi são boas para expressar esse sentimento?


Enfim, que palavras vou usar na descrição da cena que imaginei?


Encontrar a palavra exata para o que você quer dizer exige riqueza de vocabulário e sensibilidade. Mas há alguns princípios a serem observados:

1°) O contexto pode determinar a escolha da melhor palavra.

Ex.: “Furioso, o pai arrastou o filho pelo braço”. Quem está furioso não leva nem conduz; quem está furioso arrasta.
Ex. 2: “Sir Lancelot, movendo-se à barlavento, jogou o corpo contra Sir Henrick, na tentativa de derrubá-lo no chão”. Se a intenção do personagem é empurrar o outro para o chão, o que ele pode fazer é se jogar de encontro ao inimigo e ver se seu golpe surtirá o efeito desejado.

2°) Certas palavras, retiradas do contexto habitual, acabam por despertar o riso no leitor.

Ex.: A cozinheira botou os ovos na geladeira”. A cozinheira não botou, ela guardou os ovos na geladeira.
Ex. 2: “A cadela da Vivi era linda e muito sapeca”. Frase ambígua, afinal, o narrador fala sobre a cadela que Vivi tem.

3°) Há palavras presas a um contexto, positivo ou negativo. Deslocá-las desse contexto habitual gera problemas.

Ex.: “O bombeiro cometeu um ato de bravura”. Pessoas cometem erros, crimes e praticam boas ações, atos de bravura.

4°) Toda palavra possui um significado. Se você gosta de uma palavra e quer usá-la, busque o significado antes de jogá-la no texto. Verifique se a palavra se encaixa no contexto da história.

5°) Se estiver em dúvida sobre sua cena, busque opiniões, se possível. Discutir sobre o texto pode ajudar a melhorá-lo!


Então, resumindo:


Podemos perceber que ter uma cena, com início, meio e fim, entrelaçando os fatos e descrevendo os conflitos é essencial para que se contextualize uma ação. Para isso, é preciso saber o que se quer transmitir ao leitor, que personagens usar na criação da cena, ter em mente o que ele vai fazer, com quem estará, se vai dialogar, e se for, se esse diálogo é coerente com aquela cena em específico, transmitir os pensamentos e os sentimentos imediatos dos personagens e, enfim, passar tudo para o papel, escolhendo com calma as palavras que serão usadas.
As cenas de ação não são monstros e não devemos levantar barreiras para a criação delas. Leve-as como uma cena comum e escolha verbos de movimento que possam expressar bem aquilo que você quer passar, levando em conta as frases que você usará. E divirta-se, claro, porque escrever é, antes de tudo, divertimento!


Bibliografia
Como escrever melhor, série Sucesso Profissional
José Paulo Moreira de Oliveira e Carlos Alberto Paula Motta

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