Por: Daniel Cavalcante
Sabe aquele seu segredinho que
ninguém conhece? Uma opinião que nunca deu, um ato que jamais confessou ou
aquele sentimento sufocado que ninguém sabe? Bem, você não é o único. Todo
mundo guarda seus segredos, muitas vezes até de si mesmo. Seja por vergonha,
conveniência, auto-proteção ou segurança.
Mesmo em níveis menores, sempre
nos preservamos o direito de esconder ou “trocar” informações pessoais dos
recém-conhecidos, principalmente na internet.
E por que nossos personagens
deveriam ser diferentes?
Nas histórias, os segredos dos
personagens são fundamentais para construir um relacionamento realista
entre eles e uma carta na manga para o autor tornar a trama mais instigante,
deixando aquela coceirinha na cabeça do leitor: “será que agora ele vai
confessar?”, “será que dessa vez ela finalmente vai ser descoberta?”.
Mas como assim, “os segredos são
fundamentais para um relacionamento”? Não é um contrassenso? Sim e não. Os
personagens, em sua grande maioria, devem crescer, amadurecer e aprender ao
longo da história. O relacionamento entre eles também deveria ser algo a ser
construído aos poucos. Uma das coisas mais precárias nos primeiros passos do
relacionamento entre duas pessoas é a confiança.
Perscrutando a Persona
Segundo a psicologia analítica
(de Carl Jung), as pessoas aprendem, desde seus primeiros contatos com a
sociedade, a desenvolver sua “capa protetora”, a persona. Esta nada mais
é que uma função psíquica que desenvolvemos para nos adaptar ao meio que nos
cerca. Desde a infância, se percebemos determinada característica em nossa real
personalidade que não agrada a sociedade, nós a escondemos. Muitas vezes isso
se aprende com traumas, agressões e rejeição. O contrário também é válido; se
descobrimos que algo é muito valorizado pelas pessoas ao nosso redor,
procuramos aprender e nos adaptamos àquilo para agradar e ser aceitos. É um
jogo de sobrevivência na selva da adaptação social, onde as personas mais
fortes e convincentes sobrevivem.
Porém a persona prejudica nossos
relacionamentos. Enquanto ainda não nos damos conta disso, é ela quem se
apresenta às pessoas. É com a persona do amigo o colégio que você se
relaciona, e não com a pessoa propriamente dita.
Pare e pense: quantas vezes você
já se deparou com situações em que seus amigos se mostraram completamente
diferentes daquilo que você estava acostumado a conviver? Quantos conhecidos não
mostram um lado mais sensível, triste, solitário ou até mesmo cruel, que você
nunca tinha visto antes?
Quantos casais vivem juntos há
anos sem sequer arranhar a superfície da persona um do outro?
Vivemos em um teatro onde cada um
representa o papel que melhor lhe apetece, procurando agradar o maior número de
pessoas à custo de sua integridade e autenticidade. Como em um reality show,
só que sem o “glamour” das câmeras.
A Vida Imita a Arte (ou
vice-versa)
Nas histórias, esse conceito pode
tornar uma trama simples e tediosa em algo muito mais interessante. Tomemos
como exemplo a série romântica japonesa Karekano (Kareshi Kanojo no
Jijou). É a típica história de romance escolar entre garota atrapalhada e
garoto exemplar. Mas o grande diferencial no início são os segredos ocultos.
Os primeiros capítulos giram em
torno do conflito entre a persona e a consciência dos personagens
principais, Yukino Miyasawa e Arima Soushirou. Ambos escondem
suas facetas obscuras sob uma identidade falsa, construída para que fossem
aceitos e bajulados. Acompanhamos a história pelo ponto de vista de Miyasawa,
logo, conhecemos todos os segredos que ela esconde dos demais personagens e nos
divertimos com as complicações de sua vida dupla.
No entanto, quando ela fica
intrigada com seu rival, Arima, percebemos que ele também guarda segredos mas
não sabemos qual – acompanhamos a história pelo olhar dela, lembra? – até que
ele resolve contar tudo para a garota. Isso é uma técnica eficaz e muito usada
para surpreender tanto os personagens quanto o leitor.
Outro exemplo de série que
utiliza muito este recurso é Supernatural. Desde o início vemos um Sam
escondendo seu “lado negro” do irmão, que por sua vez esconde o que precisará
fazer a respeito. Muitas vezes nem o público sabe qual segredo eles estão
guardando, mas é perceptível pelos olhares e tom de voz que estão mentindo ou
que não querem dizer algo importante.
Crescendo
Mas não é porque este comportamento
é “natural” do ser humano que devemos seguir este modelo do início ao fim da
história. Como disse antes, os personagens devem crescer, e esse é um bom
aspecto para trabalhar a evolução deles. Você pode fazer com que aos poucos
mudem de atitude e aprendam que melhor do que se esconder é se mostrar e deixar
que as pessoas o conheçam e o ajudem a amadurecer.
Algumas das melhores histórias já
contadas são sobre a construção de um relacionamento que começou da total
desconfiança e atingiu a plena confidencia. É quando uma pessoa passa a
considerar a outra mais importante do que seus próprios medos e receios – medos
esses que a fizeram construir a persona. Quando o medo não existe mais,
tudo o que foi feito por causa dele se desfaz. Nesse instante, ela está
pronta para se tornar um herói.
Ps: Apesar dos termos usados,
esse texto não deve ser considerado um estudo sobre psicologia analítica, e sim
como a visão pessoal do autor sobre o assunto abordado.
***
Daniel é escritor, autor de contos publicados nas antologias Extraneus - Em Nome de Deus (ed. Estronho) e Crônicas da Fantasia (ed. Literata). Esse texto foi um presente para a Liga dos Betas, postado antes na sua extinta Revista eletrônica Quadrinize, especializada em auxiliar os autores iniciantes na composição de seus textos ficcionais . É possível conferir outros trabalhos do autor na seguinte página: http://abismoinfinito.wordpress.com/
Bem legal, acrescento que, se o autor conta logo tudo no início, fica super chata a história, pq todo mundo já sabe! Até os personagens! Bom é quando existe a expectativa "será agora que vão descobrir tudo?".
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