Os segredos na história

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Por: Daniel Cavalcante

Sabe aquele seu segredinho que ninguém conhece? Uma opinião que nunca deu, um ato que jamais confessou ou aquele sentimento sufocado que ninguém sabe? Bem, você não é o único. Todo mundo guarda seus segredos, muitas vezes até de si mesmo. Seja por vergonha, conveniência, auto-proteção ou segurança.
Mesmo em níveis menores, sempre nos preservamos o direito de esconder ou “trocar” informações pessoais dos recém-conhecidos, principalmente na internet.
E por que nossos personagens deveriam ser diferentes?
Nas histórias, os segredos dos personagens são fundamentais para construir um relacionamento realista entre eles e uma carta na manga para o autor tornar a trama mais instigante, deixando aquela coceirinha na cabeça do leitor: “será que agora ele vai confessar?”, “será que dessa vez ela finalmente vai ser descoberta?”.
Mas como assim, “os segredos são fundamentais para um relacionamento”? Não é um contrassenso? Sim e não. Os personagens, em sua grande maioria, devem crescer, amadurecer e aprender ao longo da história. O relacionamento entre eles também deveria ser algo a ser construído aos poucos. Uma das coisas mais precárias nos primeiros passos do relacionamento entre duas pessoas é a confiança.

Perscrutando a Persona
Segundo a psicologia analítica (de Carl Jung), as pessoas aprendem, desde seus primeiros contatos com a sociedade, a desenvolver sua “capa protetora”, a persona. Esta nada mais é que uma função psíquica que desenvolvemos para nos adaptar ao meio que nos cerca. Desde a infância, se percebemos determinada característica em nossa real personalidade que não agrada a sociedade, nós a escondemos. Muitas vezes isso se aprende com traumas, agressões e rejeição. O contrário também é válido; se descobrimos que algo é muito valorizado pelas pessoas ao nosso redor, procuramos aprender e nos adaptamos àquilo para agradar e ser aceitos. É um jogo de sobrevivência na selva da adaptação social, onde as personas mais fortes e convincentes sobrevivem.
Porém a persona prejudica nossos relacionamentos. Enquanto ainda não nos damos conta disso, é ela quem se apresenta às pessoas. É com a persona do amigo o colégio que você se relaciona, e não com a pessoa propriamente dita.
Pare e pense: quantas vezes você já se deparou com situações em que seus amigos se mostraram completamente diferentes daquilo que você estava acostumado a conviver? Quantos conhecidos não mostram um lado mais sensível, triste, solitário ou até mesmo cruel, que você nunca tinha visto antes?
Quantos casais vivem juntos há anos sem sequer arranhar a superfície da persona um do outro?
Vivemos em um teatro onde cada um representa o papel que melhor lhe apetece, procurando agradar o maior número de pessoas à custo de sua integridade e autenticidade. Como em um reality show, só que sem o “glamour” das câmeras.

A Vida Imita a Arte (ou vice-versa)
Nas histórias, esse conceito pode tornar uma trama simples e tediosa em algo muito mais interessante. Tomemos como exemplo a série romântica japonesa Karekano (Kareshi Kanojo no Jijou). É a típica história de romance escolar entre garota atrapalhada e garoto exemplar. Mas o grande diferencial no início são os segredos ocultos.
Os primeiros capítulos giram em torno do conflito entre a persona e a consciência dos personagens principais, Yukino Miyasawa e Arima Soushirou. Ambos escondem suas facetas obscuras sob uma identidade falsa, construída para que fossem aceitos e bajulados. Acompanhamos a história pelo ponto de vista de Miyasawa, logo, conhecemos todos os segredos que ela esconde dos demais personagens e nos divertimos com as complicações de sua vida dupla.
No entanto, quando ela fica intrigada com seu rival, Arima, percebemos que ele também guarda segredos mas não sabemos qual – acompanhamos a história pelo olhar dela, lembra? – até que ele resolve contar tudo para a garota. Isso é uma técnica eficaz e muito usada para surpreender tanto os personagens quanto o leitor.
Outro exemplo de série que utiliza muito este recurso é Supernatural. Desde o início vemos um Sam escondendo seu “lado negro” do irmão, que por sua vez esconde o que precisará fazer a respeito. Muitas vezes nem o público sabe qual segredo eles estão guardando, mas é perceptível pelos olhares e tom de voz que estão mentindo ou que não querem dizer algo importante.

Crescendo
Mas não é porque este comportamento é “natural” do ser humano que devemos seguir este modelo do início ao fim da história. Como disse antes, os personagens devem crescer, e esse é um bom aspecto para trabalhar a evolução deles. Você pode fazer com que aos poucos mudem de atitude e aprendam que melhor do que se esconder é se mostrar e deixar que as pessoas o conheçam e o ajudem a amadurecer.
Algumas das melhores histórias já contadas são sobre a construção de um relacionamento que começou da total desconfiança e atingiu a plena confidencia. É quando uma pessoa passa a considerar a outra mais importante do que seus próprios medos e receios – medos esses que a fizeram construir a persona. Quando o medo não existe mais, tudo o que foi feito por causa dele se desfaz. Nesse instante, ela está pronta para se tornar um herói.

Ps: Apesar dos termos usados, esse texto não deve ser considerado um estudo sobre psicologia analítica, e sim como a visão pessoal do autor sobre o assunto abordado.
***

Daniel é escritor, autor de contos publicados nas antologias Extraneus - Em Nome de Deus (ed. Estronho) e Crônicas da Fantasia (ed. Literata). Esse texto foi um presente para a Liga dos Betas, postado antes na sua extinta Revista eletrônica Quadrinize, especializada em auxiliar os autores iniciantes na composição de seus textos ficcionais . É possível conferir outros trabalhos do autor na seguinte página: http://abismoinfinito.wordpress.com/


Um comentário:

  1. Bem legal, acrescento que, se o autor conta logo tudo no início, fica super chata a história, pq todo mundo já sabe! Até os personagens! Bom é quando existe a expectativa "será agora que vão descobrir tudo?".

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