Como Retratar Corretamente Relacionamentos Abusivos - 1/5

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Por: Musa




Olá, caros autores, betas e leitores. Decidi me estrear no blog com uma temática bem de boa e nada complexa que surgiu no banco de sugestões.



Sendo uma autora e beta reader que se foca muito em personagens, na maneira como as pessoas comunicam e nas dinâmicas de relações, era de esperar que esse assunto fosse tão importante para mim. Inclusive é um dos que eu mais gosto de abordar. Vamos falar de como retratar corretamente relacionamentos abusivos!



Vai ser uma série de posts dividida em cinco tópicos:



Desaprendendo e Aprendendo

Anatomia do abuso

Tipos de abuso

A vítima e o abusador

Dicas gerais



Cada um vai explorar uma vertente diferente do processo de escrever sobre estes relacionamentos que toda gente cria, quer criar ou já criou, mas quase ninguém sabe como.



O objetivo dos posts é oferecer uma perspetiva clara e focada na literatura e representação destes relacionamentos, ou seja, não vai ser um manual como um psicólogo faria. Vale dizer que eu não sou psicóloga ou profissional, todo meu conhecimento vem de experiência própria e muita, muita pesquisa.



Outra coisa: não vou estar falando de relacionamentos abusivos românticos, mas sim independentemente da relação entre os personagens. Todo o relacionamento abusivo, romântico, de amizade, ou familiar tem o mesmo peso potencial para a vítima e funciona através de mecânicas semelhantes.



Então, sem mais delongas, vamos lá!




Desaprendendo e Aprendendo



Talvez estejam curiosos sobre a razão do título desse tópico. É muito simples.



Se tem uma parte do meu interesse sobre a interação humana, especialmente em obras fictícias, já se devem ter perguntado por que existe a necessidade de uma postagem como esta. Afinal, não deveríamos ter noção do que é um relacionamento nocivo para nós mesmos e para quem amamos? Não deveria sair naturalmente?



É uma ideia razoável, mas quando se trata de abuso, as coisas se complicam. As razões porque isto acontece na vida real são mais complexas. Na ficção, pode ser mais facilmente explicada.



Ficção é ficção, podemos explorar muitas coisas que nunca poderíamos na vida real. As relações entre nossos personagens estão completamente sob nosso controle, pelo que não estamos magoando ninguém.



Ou seja, no relacionamento abusivo ficcional, por não envolver pessoas reais, os padrões são mais alargados ou moldáveis assim como todo o resto na escrita. Isto torna mais difícil para o escritor saber se aquela temática ou aquele comportamento já tão disperso no ambiente literário é realmente nocivo enquanto fictício.



Portanto, desaprender e aprender é o primeiro passo para escrevermos relacionamentos abusivos.



Para podermos escrevê-los, vamos ter que nos preparar para reaprender tudo o que a ficção nos ensinou sobre relacionamentos até agora. Temos que ser críticos de nós mesmos e do tipo de relação que achamos ideal; das reações, gestos e interações nocivas às quais perdemos a sensibilidade.



Isto porque a liberdade mencionada acima torna-nos insensíveis a muitos relacionamentos abusivos, e mais proeminentemente, comportamentos abusivos.



O problema não é que tanto os comportamentos idealizados apenas em meios fictícios, mas que na vida real são abominados. É bom separarmos realidade da ficção, assim como termos um espaço na para expressar nossas fantasias mais sombrias, desabafar e tudo mais, sem magoar alguém de verdade.



Mas o que acontece quando certos comportamentos abusivos estão sendo dispersos e até mesmo cobiçados tanto em meio real como na média?



Este post acontece! A grande parte da razão porque escritores têm dificuldade em retratar relacionamentos abusivos é porque, bom, nos esquecemos de como retratar relacionamentos saudáveis.



Isso aí, neste primeiro post, vamos falar do essencial para escrever um relacionamento saudável. Não se desespere, pois vai ensinar como escrever um não saudável. É uma base importante para qualquer escritor se limpar das ideias errôneas expostas a toda hora na média criativa.



Então vamos:



Algo tem que manter os personagens juntos.



Esse é um ótimo exercício para identificarmos se o relacionamento que estamos escrevendo é saudável ou não. Todos nós autores adoramos imaginar o que atraiu nossos personagens um ao outro, o que gerou aquele romance maravilhoso ou aquela amizade linda. Mas o que atrai duas pessoas nem sempre é o que as mantêm juntas.



Então pergunte-se: o que está unindo essa relação? A novidade de uma presença sempre vai expirar. O que fica depois é uma das chaves para você decidir que tipo de relacionamento estará escrevendo. É a confiança, um objetivo em comum? Provavelmente o relacionamento é saudável. São os ciúmes, o medo de perdê-lx? Provavelmente o relacionamento não é tão bom assim.



Esse é o ponto de partida, se está escrevendo um relacionamento abusivo, deve usá-la também.



Ambos apreciam tempo sem o outro.



Uma dependência e vontade inebriante de estar ao lado de outra pessoa a qualquer momento soa muito bem quando romantizada num parágrafo ou frase naquela fic gostosa do nosso OTP. E é normal que seus personagens quando apaixonados ou com outro laço muito forte acreditem nisso.



Porém, quando esta vontade se alarga por páginas e capítulos, e em vez de apenas um pensamento amoroso do seu personagem é algo que colocam em prática, o relacionamento já não é saudável. Seus personagens, antes de um casal, amigos, irmãos, são personagens independentes. Isto é, cada um sabe estar sozinho e, pois é, com outras pessoas.



Isto inclui não deixar para trás os amigos antigos. Uma nova relação importante vai demorar tempo a ajustar-se à rotina. Mas seu personagem não deveria, em ambiente saudável, perder todo seu círculo social anterior em função de uma pessoa.



Se isto gera desconforto, ansiedade, ciúmes e discussões entre os personagens, representa um ambiente extremamente tóxico.



Eles devem estar confortáveis um com o outro.



Parece simples, muitas vezes quando ainda se estão conhecendo, algum desconforto ou constrangimento é normal. A ideia é que, após um bom tempo convivendo e numa relação estável, se um ou ambos os personagens não sentem que podem ser eles mesmos na presença do outro, não é saudável. Se estão sempre preocupados que o que dizem vai ser mal interpretado ou gerar uma discussão, se têm medo de falar as coisas “erradas”, é um sinal importante que algo não está indo bem.



Um ponto fulcral numa relação é a intimidade, têm que haver barreiras quebradas e nenhum dos personagens deveria sentir que tem que seguir um certo padrão ou eliminar certos comportamentos para estar em convivência com a outra pessoa.



Não esquecer que a confiança tem que vir em medidas iguais em ambas as partes, assim como o respeito e conforto.



Vamos acalmar os controladores.



Se um dos personagens está seguindo o outro, invadindo sua privacidade e governando certos ou todos os aspectos de sua vida; se está metendo a mão em decisões que o outro personagem tem toda a independência e maturidade para tomar sozinho, algo está errado. Não importam as intenções nobres de “não quero que algo lhe aconteça” e afins, é estranho e atitude de maníaco.



Os personagens devem respeitar a autoridade que cada um tem sobre si próprio e seus limites. Se ultrapassa os conselhos ou opiniões, especialmente sem o consentimento do outro, não é saudável.



Ciúmes e atitudes possessivas desproporcionais.



Ciúme é um dos sentimentos mais dispersos e mal interpretados em qualquer relacionamento fictício. E, infelizmente, também modelou a maneira como vemos relacionamentos na vida real. O ciúme não é automaticamente mau, especialmente nas fases iniciais de um relacionamento onde tudo ainda é incerto e instável. Mas se os seus personagens estão juntos há um bom tempo e ainda não confiam um no outro para estar com outras pessoas, assumem que todo o mundo vai roubar o seu lugar ou que vai ser substituído, é um mau sinal.



A mesma regra vale para os comportamentos possessivos, que são muito romantizados por aí. “Eu sou dele, e ele é meu.” coisas do gênero, assim como a vontade de estar ao lado um do outro a toda a hora, são bonitas quando usadas de forma figurativa e esporádica. Porém, agir como se a personagem fosse sua propriedade e que as outras querendo estar em sua presença estão a “cobiçando” não é legal.



Sem jogos mentais.



Mais um tópico que deveria nem ser mencionado, e é verdade que quase todos os escritores e leitores entendem a ideia. O que muitas vezes nos confunde é o que se enquadra como jogos mentais.



Jogos mentais incluem fazer perguntas para a qual não existem respostas certas; chantagem se uma das pessoas expressa querer sair da relação; trivializar os sentimentos do outro; tratar o outro personagem como inferior ou fraco e também culpar o outro embora saiba que tenha sido o culpado.



Coisas como: “Você acha que eles te amam mais que eu?”; “Eu não iria conseguir viver se você me deixasse.”; “Você que não me entendeu.”; “Você não consegue fazer isso sozinho, eu faço.”; “Você que me provocou.” respectivamente.



Existem situações, claro, que se assemelham ou geram diálogo como o anterior sem serem nocivas. Porém, se é sistemático e com a pura intenção que mencionei parágrafos acima, algo está errado.



Concluindo



Agora que revemos o que torna uma relação saudável, temos toda a base necessária para criticarmos e analisarmos as relações abusivas que pretendemos escrever. Isto porque vamos ter noção de como construir a relação abusiva de uma forma realista e também evitar escrever relações tóxicas sem intenção.



Queria apenas finalizar com: Nem todos os relacionamentos não saudáveis são automaticamente abusivos. Isso é uma distinção que vou discutir melhor mais à frente. Todas as relações têm problemas, portanto se seus personagens estão com dificuldades num ou dois pontos daqui, isso ainda enquadra como um desafio para ambos resolverem juntos.



Existem fatores como transtornos psicológicos, inseguranças e personalidades incompatíveis que podem tornar um relacionamento disfuncional. Disfuncional não significa abusivo, pois existe maneiras de consertar os problemas com tempo, apoio e terapia sem separar os personagens.



Espero que tenham gostado, quaisquer dúvidas podem perguntar embaixo. Até o próximo!





Bibliografia Utilizada



http://www.springhole.net/writing/write-healthy-relationships.htm

2 comentários:

  1. Muito bom! O problema é que as às vezes, autores querem retratar relacionamentos normais e, sem querer, acabam os escrevendo como abusivos (na mídia isso acontece o tempo todo e se não tomar cuidado, acabamos absorvendo isso para nossas próprias histórias.).

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