"Faz Boa Arte": Um Discurso de Neil Gaiman [02/03]

terça-feira, 26 de julho de 2016


Por: Elyon Somniare

Welcome back! Não me prenderei com grandes introduções: informo apenas que esta é a segunda parte da tradução do discurso de Neil Gaiman aos finalistas da University of Arts, em 2012, e que se ainda não leram a primeira parte é essencial que o façam antes de ler esta segunda. Até já!


“(…) Os problemas do sucesso podem ser ainda mais difíceis, porque ninguém te avisa sobre eles.

O primeiro problema de qualquer tipo de sucesso, ainda que limitado, é a convicção inabalável de que estás a conseguir alguma coisa, e que agora serás apanhado a qualquer momento. É o Síndrome do Impostor, algo que a minha mulher Amanda baptizou de Polícia da Fraude.

No meu caso, estava convencido de que bateriam à porta, e um homem com uma prancheta (não sei por que tinha uma prancheta, na minha cabeça ele tinha-a) estaria lá para me dizer que tinha acabado tudo, que me tinham apanhado, e que agora teria de ir e arranjar um emprego de verdade, um que não consistisse em inventar coisas e escrevê-las, e em ler livros que eu queria ler. E então eu afastar-me-ia com calma e arranjaria o tipo de trabalho onde nunca mais teria de inventar coisas.

Os problemas do sucesso. São reais, e com sorte vocês irão experimentá-los. O momento em que pararão de dizer sim a tudo, porque agora as garrafas que atiraram ao oceano estão todas a regressar, e vocês têm de aprender a dizer não.

Observei os meus iguais, e os meus amigos, e aqueles que eram mais velhos que eu, e vi quão miseráveis alguns deles se sentiam: ouvia-os a dizerem-me que já não conseguiam prever um mundo onde faziam aquilo que sempre tinham querido fazer, porque agora tinham de ganhar uma certa quantia por mês só para se manterem onde estavam. Não podiam sair e fazer as coisas que importavam, e que realmente queriam fazer; e isso parecia uma tragédia tão grande quanto qualquer problema de falhanço.

E depois disso o maior problema do sucesso é que o mundo conspira para te impedir de fazer a coisa que fazes, porque tu és bem sucedido. Houve um dia em que ergui a cabeça e percebi que me tinha tornado alguém que responde aos emails profissionalmente, e escreve como passatempo. Comecei a responder a menos emails e fiquei aliviado ao aperceber-me que estava a escrever muito mais.

Quarto, espero que cometas erros. Se estás a cometer erros, significa que andas por aí a fazer alguma coisa. E os erros em si mesmos podem ser úteis. Uma vez soletrei mal “Caroline”, numa carta, trocando o A e o O, e pensei “Coraline parece um nome real…”

E lembra-te que seja qual for a área em que estás, quer sejas um músico ou um fotógrafo, um artista plástico ou um cartoonista, um escritor, um dançarino, um designer, seja o que for que faças tem algo de único. Tu tens a habilidade de fazer arte.

E para mim, e para muitas das pessoas que tenho conhecido, isso tem sido um salva-vidas. O salva-vidas final. Leva-te através dos bons momentos e leva-te através dos outros.

A vida às vezes é difícil. As coisas correm mal: na vida, no amor e nos negócios e na amizade e na saúde e em todas as outras maneiras em que a vida pode correr mal. E quando as coisas se tornam difíceis, é isto que deves fazer.

Faz boa arte.

Estou a falar a sério. O marido fugiu com um político? Faz boa arte. A perna é esmagada e depois comida por uma jibóia mutante? Faz boa arte. As Finanças andam atrás de ti? Faz boa arte. O gato explodiu? Faz boa arte. Alguém na Internet pensa que o que fazes é estúpido ou maléfico ou já foi feito antes? Faz boa arte. É provável que as coisas se ajeitem de algum modo, e o tempo irá eventualmente apagar a ferroada, mas isso não importa. Faz aquilo que fazes melhor. Faz boa arte.

Fá-la também nos dias bons.

E quinto, enquanto o estás a fazer, faz a tua arte. Faz aquilo que só tu consegues fazer.

Ao começar, o impulso é o de copiar. E isso não é mau. A maioria de nós só encontrou a sua própria voz depois de soar como muitas outras pessoas. Mas aquilo que tens que mais ninguém tem és tu. A tua voz, a tua mente, a tua história, a tua visão. Então escreve e desenha e constrói e actua e dança e vive como só tu podes.

No momento em que sentires, apenas possivelmente, que estás a caminhar nu pela rua, expondo demasiado do teu coração e da tua mente e do que existe lá dentro, a mostrar demasiado de ti mesmo. Esse é o momento em que talvez possas começar a consegui-lo.

As coisas que fiz que melhor resultaram foram as coisas sobre as quais tinha mais dúvidas, as histórias em que tinha certeza que ou iam resultar, ou, mais provavelmente, se iam tornar no tipo de falhanço embaraçoso a respeito do qual as pessoas se juntariam e comentariam até ao fim dos tempos. Essas histórias sempre tiveram isso em comum: olhando para trás, para elas, as pessoas explicam o porquê de elas terem sido um sucesso inevitável. Quando as estava a escrever, eu não fazia a menor ideia.

Continuo a não fazer. E onde estaria a diversão de fazer algo que saberás que irá funcionar?

E às vezes as coisas que fiz realmente não funcionaram. Há histórias minhas que nunca foram republicadas. Algumas delas nem sequer saíram de casa. Mas aprendi tanto com elas como aprendi com as coisas que funcionaram. (…)


Num aparte pessoal, esta é possivelmente a minha parte favorita do discurso. Várias vezes relembrei – e apliquei – o conselho da boa arte. Não só ajuda a criar, também ajuda a lidar melhor com aquilo que nos está a deitar para baixo.

A terceira parte será a última, encontramo-nos lá!


Discurso e transcrição originais disponíveis aqui: http://www.uarts.edu/neil-gaiman-keynote-address-2012

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Resenha: O Teorema de Katherine

terça-feira, 19 de julho de 2016


Por: Rodrigo Caetano

Nerdfighters, olha o livro que apareceu aqui esse mês! Para quem não sabe o que é um Nerdfighter, não tema, pois vou explicar.

Você talvez conheça o nome John Green (ou João Verde, fique à vontade) como o autor daquele livro que virou filme, sobre a menina e o menino com câncer. Aquele chamado “A culpa é das estrelas”. Então, antes disso, ele escreveu um monte de outros livros, incluindo esse aqui. E, além disso, ele começou, em 2007, um canal no youtube com seu irmão, o Hank Green (ou Hank Verde), chamado vlogbrothers.

Juntos, nesse canal, eles construíram uma comunidade e são dois dos principais expoentes do youtube americano, com diversos canais e milhões de seguidores, incluindo o canal “Crash Course” — um canal educativo que dá aulas online de maneira bem simples e acessível sobre diversos temas, como biologia, história mundial, economia, física, filosofia e até propriedade intelectual.

Essa comunidade passou a ser chamada de Nerdfighters, mas não são pessoas que lutam contra os nerds. São nerds autoproclamados que lutam contra a crescente presença das coisas que são um saco (the word “suck”).

Então eu achei interessante trazer o último livro que li do John Green, justamente sobre um nerd assumido, e apresentar para vocês essa comunidade. Já deixei os links pelo texto, e, por fim, vou deixar uma pequena seleção de vídeos recentes e interessantes do canal original deles, e, se vocês quiserem, recomendo seguir pelo youtube. Sempre vale a pena.

Agora, vamos à resenha!E DFTBA (Don’tforgettobeawesome)!


Título Original: An abundance of Katherines

Título Brasileiro/Português: O Teorema Katherine

Autor: John Green

Editora: Intrínseca

Tradutora: Renata Pettengill


Sinopse: Se o assunto é relacionamento, o tipo de garota de Colin Singleton tem nome: Katherine. E em se tratando de Colin e Katherines, o desfecho é sempre o mesmo: ele leva o fora. Já aconteceu muito. Dezenove vezes, para ser exato.

Depois do mais recente e traumático término, ele resolve cair na estrada. Dirigindo o Rabecão de Satã, com seu caderninho de anotações no bolso e um melhor amigo bem fora de forma no banco do carona, o ex-garoto prodígio, viciado em anagramas e PhD em levar pés na bunda, descobre sua verdadeira missão: elaborar e comprovar o Teorema Fundamental da Previsibilidade das Katherines, que tornará possível antever, através da linguagem universal da matemática, o desfecho de qualquer relacionamento antes mesmo que as duas pessoas se conheçam.

Uma descoberta que vai mudar para sempre a história amorosa do mundo, vai vingar séculos de injusta vantagem entre Terminantes e Terminados e, enfim, elevará Colin Singleton diretamente ao distinto posto de gênio da humanidade. Também, é claro, vai ajudá-lo a reconquistar sua garota. Ou, pelo menos, é isso o que ele espera.


Resenha:

Essa é (mais) uma história sobre corações partidos, mas é sobre tantas outras coisas também... Colin Singleton é um adolescente que, como tantos outros, acha que tudo gira em torno de sua vida amorosa, e, quando esta vai por água abaixo, ele passa a questionar toda a sua vida e todas as decisões que toma.

E é isso que torna a coisa mais interessante. Porque apesar dessa coisa de corações partidos soar clichê, é justamente essa capacidade de um coração partido tem de levantar tantas questões diferentes que torna essas histórias tão interessantes. E, nesse caso, o coração partido pertence a um garoto bastante inteligente, que passou a vida sendo considerado um garoto prodígio, até que, de repente, percebeu que, como estava crescendo e não era mais um “garoto”, isso significava que ele não continuaria a ser um “garoto prodígio”.

Assim, buscando a grande ideia que o transformaria de prodígio em gênio de fato, ele observa parte em uma aventura para conseguir transformar todos os relacionamentos em que já esteve em uma única equação matemática, que preverá quando e quem irá por fim a qualquer relacionamento que você queira estudar.

Eu não vou dizer se ele consegue ou não, mas eu vou dizer que, apesar do tema, a matemática do livro é muito pouca, e você não precisa nem saber somar dois mais dois para entender.

Tá, talvez dois mais dois você precise saber para entender, mas você também precisa saber para viver...

O livro é interessante e, apesar de não ser surpreendente — como é “A culpa é das estrelas” —, esse livro é extremamente bem construído, e John Green com certeza sabe usar bem a linguagem na hora de escrever.

É interessante observar a simplicidade com que ele incorpora um sotaque diferente em palavras escritas e como isso é eficaz em ambientar a história em uma pequena cidade do interior. E é incrível como ele consegue brincar com anagramas — nosso protagonista é fascinado por eles — e com fatos históricos aleatórios — nesse caso, o autor é fascinado por eles —, sem torná-los chatos ou deixar o livro pesado.

Por sinal, uma crítica comum ao livro é como ele pode fazer com que você se canse de anagramas ou fatos históricos, ou como Collin pode ser irritante às vezes. Mas a verdade é que os anagramas e a personalidade fechada e específica do Collin são partes tão importantes do livro quanto às cenas mais agitadas e românticas. A brincadeira que eles têm em julgar o que é ou não é interessante é uma das questões mais importantes do livro, que nos ajuda a ver como o relacionamento que temos com um grupo ou uma comunidade, muitas vezes, é radicalmente mais complexa do que julgamos, e muitas vezes o fato de não nos darmos bem não é culpa nossa ou culpa dos outros. 

O fato de sermos considerados ou não interessantes pelos outros não necessariamente significa que você não é interessante para alguém, ou para outras pessoas; e, ainda assim, o fato de que aquelas pessoas que lhe acham desinteressantes não é necessariamente culpa delas. Na verdade, melhor dizendo, você não pode ser interessante ou desinteressante, mas as coisas são interessantes ou desinteressantes para pessoas diferentes. E você pode ter amigos e se dar bem com todo mundo mesmo que você goste de muitas coisas consideradas desinteressantes.

Apesar disso, o livro é relativamente lento, em comparação a outros livros que já li, e algumas das viradas da trama me pareceram mais convenientes do que naturais. E, pessoalmente, achei que o final ficou um tanto quanto desnecessário. Acho que o livro teria mais impacto caso Collin tivesse voltado à sua rotina no final.

Talvez seja uma questão minha, mas, apesar de concordar que a jornada do herói clássico está repetitiva, ela foi estudada justamente porque ela é repetitiva. Há milênios. Em culturas diferentes. E ela o é por um motivo.

Eu senti falta do retorno de Collin, da fase em que ele, após passar pelas fases, retorna ao ponto de partida, já evoluído e tendo vencido todas as suas batalhas.

Porém, ainda gostei muito do livro, e ainda o recomendo. Dos três livros que li de John Green, esse é o que menos gostei, mas ele ainda é um ótimo livro, e eu gostei tanto que fiz questão de vir contar a vocês sobre ele. 

Por enquanto é só! Até a próxima, galera!

P.S.: Não posso deixar de reconhecer aqui o lindo trabalho de tradução desse livro. Um livro cheio de anagramas e brincadeiras linguísticas que deve ter sido bem complicado de traduzir, e o resultado ficou muito legal. Quando lerem, prestem atenção nesse detalhe e vocês vão entender como esse trabalho é importante!
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Construindo histórias ambientadas em lugares reais — algumas dicas práticas

terça-feira, 12 de julho de 2016

Por: Helen Corrêa

Você já deve ter ouvido falar que, quando se está construindo uma história que se passa numa localidade existente, é muito importante que se realize pesquisas antes e durante o desenvolvimento do plot, pois são elas que nos propiciam o domínio sobre aquilo que estamos escrevendo. Contudo, se você é um pouco como eu e ainda não possui tanta experiência na hora de ambientar uma história, pode ser que nem mesmo saiba por onde começar essa pesquisa, ou como fazê-la de maneira organizada.

Pensando nisso, resolvi compartilhar algumas dicas, baseadas em minha experiência pessoal, para que essa parte do processo de escrita possa ser feita com um pouco mais de facilidade e, em vez de algo chato, se torne até mesmo divertido. Vamos a elas:


I. Faça uma lista com tópicos que precisam ser pesquisados


Conheça o máximo de coisas possíveis sobre o local no qual a sua história estará inserida, pois é ele quem irá reger os costumes de seus personagens, bem como as paisagens que os cercam. Algumas culturas podem ser parecidas, principalmente de pessoas que residem num mesmo país. Ainda assim, sabemos que existem diversas diferenças de uma região para a outra, e somente pesquisando sobre elas é que poderemos ter um vislumbre melhor sobre quais são elas. Agora, imagine quanta diferença pode existir na cultura de um país para o outro. Por isso, se a sua história está sendo ambientada fora do seu país de origem ou de onde reside, saiba que a sua pesquisa terá de ser bem maior do que se a sua história se passa dentro do seu próprio estado, por exemplo. Portanto, liste tudo aquilo que lhe vier à mente e que acredita que merece uma atenção especial da sua parte. Algumas dessas coisas podem ser:

  • O clima (frio, quente, seco, úmido, chuvoso, ensolarado...);
  • A disposição das estações do ano (em que época do ano ocorre o inverno, outono, a primeira e o verão?);
  • Datas comemorativas (quais são as principais datas para o povo daquele lugar e como eles costumam celebrá-las?);
  • Pontos turísticos (em que parte da cidade eles ficam? O que é permitido naquele local?);
  • Culinária (do que as pessoas ali se alimentam? Quais são os pratos típicos? E as bebidas?);
  • Vestimenta;
  • Sistema educacional (Como são as escolas naquele lugar? Como são contadas as séries? Quanto tempo leva para concluir o curso no qual o meu personagem será formado?);
  • Pessoas (elas são mais receptivas ou mais reservadas? Festeiras ou caseiras?);
  • Estrutura da cidade (as ruas são largas? O trânsito é congestionado? Como são as casas e apartamentos? Onde fica o bairro nobre da cidade e onde moram as pessoas mais pobres?).
Estes são apenas alguns exemplos do que pode ser de seu interesse pesquisar. Mas existem inúmeras outras questões também, e você montará essa lista de acordo com aquilo que estiver presente no enredo que está sendo desenvolvido.


II. Locais de pesquisa


Agora que já listou aquilo que necessita pesquisar num primeiro momento, é hora de colocar a mão na massa, de fato. Então, por onde começar a busca?

  • Youtube — Nele, em pouco tempo, é possível encontrar vários vídeos dedicados aos mais diversos lugares do planeta. Procure por documentários, reportagens, vlogs de intercambistas, tudo isso pode lhe ser útil para iniciar a sua imersão no assunto;
  • Blogs de viajantes, estudantes internacionais, pessoas que moram fora do seu país — Existem blogs muito bons, com uma riqueza muito grande de informações sobre a cultura dos mais variados locais do planeta. Muitas pessoas acabam por se mudar para outro país e criam um blog para contar para outros as experiências pelas quais estão passando. Esses blogs geralmente são muito úteis porque, quem os cria, é capaz de fazer comparações entre o local em que ele está no momento e a sua terra natal. Isso facilita o entendimento de quem não é nativo daquele lugar;
  • Imagens do Google — Muito facilitará a sua vida conter fotos das coisas que está pesquisando. A nossa imaginação pode ser muito favorecida com isso. Clicando na sessão de Imagens do Google, você tem acessodireto a estas fotos, em vez de ter que ficar pesquisando por zilhões de sites para, só então, encontrar algo que lhe interesse visualmente. Inclusive,saiba que os mapas lhe serão extremamente úteis. Encontrou algo que lhe chamou a atenção? Clique na imagem e salve no seu computador para usar posteriormente;
  • Google Maps — Essa ferramenta maravilhosa será muito útil, principalmente para o caso no qual precise fazer uma visualização mais profunda sobre determinada área (com o street view), ou comparar trajetos. Caso necessário, tire print daquilo que encontrar.

III. Salve tudo aquilo que achar necessário na barra de favoritos do seu navegador


No momento em que estiver realizando a sua pesquisa inicial, você encontrará logo de cara inúmeros sites, blogs e vídeos contendo muita informação. Porém, nem todas elas lhe serão úteis, e muitos sites também trarão informações repetidas. Dessa forma, é preciso garimpar aquilo que encontrar. 

Quando deparar-se com um link com conteúdo em potencial, abra-o e deixe a aba aberta, enquanto vai buscando por outros. Após isso, o próximo passo é olhar um por um e selecionar aqueles que contém temáticas relevantes para a sua história. Quando já tiver feito essa seleção, coloque essas páginas da internet na sua barra de favoritos, para que tenha fácil acesso àqueles conteúdos sempre que for necessário.


IV. Mantenha um caderno de anotações


Assim que estiver com os links daquilo que importa ser pesquisado no momento, é hora de começar a estudar as informações neles contidas cuidadosamente. Em se tratando de vídeos, é muito importante que anote aquilo que estiver sendo transmitido a você, pois seria uma tremenda dor de cabeça ter de procurar algo nele toda vez que precisar rever alguma coisa para colocar na sua história, ainda mais se esse vídeo for longo. Portanto, arranje um caderno no qual possa anotar aquilo que for aprendendo. E não somente dos vídeos, como dos links com conteúdo escrito também.

Caso queira, organize este caderno pelos tópicos pesquisados. Informações adquiridas sobre o clima de um lado, informações da culinária do outro, e assim por diante. Quanto mais organizada for essa separação, mais fácil será de encontrar aquilo que precise para montar alguma cena na história. Obviamente, não é necessário que anote tudo nos mínimos detalhes. Anote, porém, o suficiente para que sua mente se recorde com clareza daquilo que foi visto ou lido.

Um bocado de ideias, cenas e diálogos irá surgir conforme vai conhecendo sobre o lugar que está estudando. À vista disso, reserve igualmente em seu caderno uma parte para anotar todas as novas ideias que forem surgindo.


V. Tenha uma pasta de arquivos para as imagens que for adquirindo


Por fim, como já dito anteriormente, é bom que pesquise imagens nas quais possa basear a sua ambientação. Logo, não hesite em manter um lugar dentre os arquivos de sua história no qual possa salvar todas as fotos que, uma hora ou outra, poderão ser úteis para descrição de interiores, ruas, pessoas, etc. Organize por pastas. Quanto mais organizado você for, menos dores de cabeça terá depois.


Essas foram, portanto, algumas dicas que podem nortear a vida de um principiante, caso ele esteja completamente perdido e não saiba nem por onde começar. Com o tempo irá, por meio de sua própria experiência, perceber o que funciona para você e o que não funciona. Pessoas trabalham de formas diferentes, e estas dicas com certeza não são o único caminho existente para se organizar a ambientação de uma história situada num local real. Não obstante, são um começo.

Lembre-se que nem tudo aquilo que tiver de pesquisar irá entrar para o seu texto. Você até mesmo sentirá que sabe muito mais do que deixou transparecer na sua escrita. Mas é assim que as coisas são. Algumas vezes é preciso ter um bom domínio de determinada coisa, para que simples detalhes façam a diferença na sua história e sejam captados pelos olhos do leitor.

É muito fácil escrever uma história dizendo que esta se passa na China, sem nunca citar os costumes do povo que mora lá, sua religião, descrever seus costumes e suas pessoas.

O enredo pode até ser o carro-chefe de uma história. Entretanto, de nada adianta uma boa trama se não souber explorar o mundo de possibilidades que está ao redor de seus protagonistas!
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“Faz Boa Arte”: Um Discurso de Neil Gaiman [01/03]

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Por: Elyon Somniare

Em 2012 Neil Gaiman discursou para os alunos da University of the Arts que se licenciavam. A sua mensagem tornou-se tão popular que os comentários pipocaram, traduções foram feitas e quadradinhos foram desenhados. Pessoalmente, posso dizer já ter seguido o(s) conselho(s) presente(s) nestas palavras, com resultados que muito me agradaram, e que pretendo continuar a segui-lo(s): além de ajudar à arte, ajuda à pessoa. E essa – arte e ser humano – é uma colaboração que nunca deve ser perdida de vista. Assim, apesar de ser já um discurso antigo e de provavelmente existirem outras traduções em português, considerei que tanto o blog quanto os seus leitores ficariam mais enriquecidos com um lembrete sobre a existência deste discurso. Devido, contudo, ao seu tamanho, terei de infelizmente o dividir em três partes. Eis a primeira dessas partes:


“Nunca esperei encontrar-me a aconselhar pessoas que se licenciam de um estabelecimento de educação superior. Eu próprio nunca me licenciei de nenhum estabelecimento do tipo. Nunca cheguei, sequer, a entrar num. Escapei da escola assim que pude, quando a perspectiva de mais quatro anos de ensino forçado antes de me poder tornar o escritor que desejava ser era sufocante.

Saí para o mundo, escrevi, e tornei-me um melhor autor à medida que escrevia mais; e escrevi mais um pouco, e ninguém nunca se pareceu importar por eu estar a inventar à medida que avançava, simplesmente liam o que eu escrevia e pagavam por isso, ou não pagavam, ou, com frequência, davam-me comissões para lhes escrever outra coisa qualquer.

O que me deixou com um respeito saudável e um carinho pela educação superior de que os meus amigos e familiares que frequentaram universidades já foram curados há muito tempo.

Olhando para trás, tenho tido uma viagem memorável. Não tenho a certeza se lhe posso chamar uma carreira, porque uma carreira implica que eu tenha tido algum tipo de plano de carreira, e eu nunca o tive. O mais próximo que tive foi uma lista que fiz quando tinha quinze anos de tudo o que queria fazer: escrever um romance adulto, um livro de crianças, uma comic, um filme, gravar um audiobook, escrever um episódio de “Doctor Who”… e por aí fora. Não tive uma carreira. Simplesmente fiz o item seguinte da lista.

Então pensei em dizer-vos tudo o que eu gostaria de ter sabido quando comecei, e algumas coisas que, olhando para trás, eu suponho que sabia. E também em dar-vos o melhor conselho que alguma vez me deram, o qual falhei completamente em seguir.

Primeiro de tudo: quando começas uma carreira nas artes não tens nenhuma ideia do que é que estás a fazer.

Isto é óptimo. As pessoas que sabem o que estão a fazer conhecem as regras, e sabem o que é possível e impossível. Tu não. E nem deves. As regras do que é possível e impossível nas artes foram feitas por pessoas que não testaram os limites do possível, não indo além deles. E tu podes fazê-lo.

Se não sabes que é impossível, é mais fácil de o fazer. E porque nunca ninguém o fez antes, nunca inventaram regras para impedir alguém de o fazer outra vez, por enquanto.

Segundo, se tens uma ideia daquilo que queres fazer, daquilo que foste aqui colocado para realizar, então simplesmente vai e fá-lo.

E isto é muito mais difícil do que soa e, por vezes, no final, muito mais fácil do que possas imaginar. Porque normalmente há coisas que tens de fazer antes que possas chegar ao lugar onde queres estar. Eu queria escrever comics e romances e histórias e filmes, então tornei-me um jornalista, porque aos jornalistas é permitido fazer perguntas, e simplesmente ir e descobrir como é que funciona o mundo, e, além disso, para fazer essas coisas eu precisava de escrever e escrever bem, e estava a ser pago para aprender como escrever de forma objectiva, clara, por vezes sob condições adversas, e pontual.

Por vezes a maneira de fazer o que esperas fazer estará bem definida, e por vezes será quase impossível decidir se estás ou não a fazer o correcto, porque terás de equilibrar os teus objectivos e esperanças com a necessidade de te alimentares, de pagares as contas, de encontrar trabalho, de te acomodares com o que conseguires.

Algo que funcionou comigo foi imaginar que o ponto onde eu queria estar – um autor, primariamente de ficção, fazendo bons livros, fazendo boas comics, e sustentando-me com os meus trabalhos – era uma montanha. Uma montanha distante. O meu objectivo.

E eu sabia que desde que continuasse a caminhar na direcção da montanha, eu ficaria bem. E quando realmente não tinha certeza do que fazer, podia parar e pensar se aquilo me estava a levar na direcção da montanha, ou a afastar-me dela. Disse não a trabalhos editoriais em revistas, trabalhos adequados que me teriam dado dinheiro adequado, porque eu sabia que, ainda que atractivos, para mim eles teriam sido um afastar da montanha. E se essas ofertas de emprego tivessem surgido mais cedo eu poderia tê-las aceitado, porque teriam estado mais perto da montanha do que eu estava naquela altura.

Aprendi a escrever escrevendo. Eu tendi a fazer qualquer coisa desde que tivesse a sensação de aventura, e a parar quando a sentisse como trabalho, o que significa que a vida não teve a sensação de trabalho.

Terceiro, quando começas, tens de lidar com os problemas do falhanço. Precisas de ter pele dura, de aprender que nem todos os projectos irão sobreviver. Uma vida freelancer, uma vida nas artes, é, por vezes, como colocar mensagens em garrafas, numa ilha deserta, esperando que alguém encontre uma das tuas garrafas, a abra e a leia, e coloque na garrafa algo que retorne para ti: apreciação, ou uma comissão, ou dinheiro, ou amor. E tens de aceitar que podes despender uma centena de coisas para cada garrafa que retorna.

Os problemas do falhanço são problemas de desencorajamento, de falta de esperança, de fome. Queres que tudo aconteça e queres que aconteça agora, e as coisas correm mal. O meu primeiro livro – um trabalho de jornalismo que fiz por dinheiro e que já me tinha comprado uma máquina de escrever eléctrica em adiantado – deveria ter sido um bestseller. Deveria ter-me dado uma data de dinheiro. Se a editora não tivesse involuntariamente entrado em liquidação entre o esgotamento da primeira edição e o lançamento da segunda edição, e antes de quaisquer direitos de autor pudessem ser pagos, tê-lo-ia feito.

E encolhi os ombros, e ainda tinha a minha máquina de escrever eléctrica e dinheiro suficiente para pagar a renda por uns meses, e decidi que no futuro faria o meu melhor para não escrever livros apenas pelo dinheiro. Se não tiveres o dinheiro, então não tens nada. Se eu fizesse um trabalho de que me orgulhasse, e não tivesse o dinheiro, pelo menos teria o trabalho.

Uma vez ou outra esqueço-me dessa regra e, sempre que o faço, o universo pontapeia-me e relembra-ma. Não sei se isso é um problema para mais alguém além de mim, mas é verdade que nada do que fiz tendo como único propósito o dinheiro valeu a pena, excepto como experiência amarga. Usualmente também acabava a não ter o dinheiro. As coisas que fiz porque estava animado, e porque as queria ver a existir na realidade, nunca me deixaram mal, e nunca me arrependi do tempo que dediquei a cada uma delas.

Os problemas do falhanço são difíceis.

Os problemas do sucesso podem ser ainda mais difíceis, porque ninguém te avisa sobre eles. (…)”


Não me esfolem. O post já vai longo e até aqui se recorre aos cliffhangers, ahah. A segunda parte desta tradução recomeçará com os problemas do sucesso, e avançará com o discurso.

Até lá!

Discurso e transcrição originais disponíveis aqui: http://www.uarts.edu/neil-gaiman-keynote-address-2012

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