Por: Anne L
es·te·re·ó·ti·po
(estereo- + -tipo)
substantivo masculino
1. [Artes gráficas] Chapa obtida pela fusão de chumbo numa matriz ou numa impressão. = CLICHÉ
2. Trabalho feito com essa chapa.
3. Ideia, conceito ou modelo que se estabelece como padrão.
4. Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial. = PRECONCEITO
5. Coisa que não é original e se limita a seguir modelos conhecidos. = LUGAR-COMUM
6. [Patologia] Comportamento ou discurso caracterizado pela repetição automática de um modelo anterior, .anônimo ou impessoal, e desprovidas de originalidade e da adaptação à situação presente. = ESTEREOTIPIA
O foco aqui são os itens 3, 4 e 5. Com isso em mente, vamos começar.
A primeira coisa que eu percebi quando fui fazer uma pesquisa, perguntando sobre o assunto em alguns grupos de escrita, foi que a maioria dos estereótipos existe por um motivo: machismo. Não falarei sobre isso no post, mas achei um tanto curioso o quanto os valores da nossa sociedade se refletem nas artes.
Para facilitar a leitura, vou separar os estereótipos em “hétero” e “yaoi e yuri”, embora alguns não sejam exclusivos de uma categoria. Nessa primeira parte, falarei sobre os héteros.
- Estereótipos em romance hétero
Como nas outras categorias, o que mais se repete aqui é a escolha de personagens, de arquétipos, ainda que certas situações também sejam recorrentes nas histórias.
Opostos sempre se atraem: quem nunca viu uma história em que o casal principal é formado por alguém rico e alguém pobre; o nerd e o popular; pessoas que se odeiam; o bonito e o feio; ou variantes? Vale apontar também que, em geral, a parte “desfavorecida” é a mulher. O que eu considero verdadeiramente ruim nesse estereótipo é que os personagens costumam ser definidos por essa característica principal. Se a história for sobre um CEO famoso com uma garota pobre, por exemplo, boa parte do enredo vai girar em torno da diferença de poder aquisitivo entre eles. A garota vai descobrir os luxos e as maravilhas que só o dinheiro pode proporcionar, e o garoto, a felicidade e o amor que, segundo essas histórias, só existem quando se vive com pouco (mas, mesmo assim, no final, eles viverão felizes para sempre e muito ricos, obrigada).
A mulher como um instrumento para a mudança do homem: “Um Amor para Recordar” é o exemplo mais óbvio dessa. Aliás, os romances do Nicholas Sparks são basicamente formados por alguns estereótipos costurados, se vocês forem reparar.
Esse ocorre quando o único objetivo da mulher na história é alterar a vida do homem de algum modo. Normalmente, o cara é desempregado ou delinquente, e ela bem-sucedida na própria profissão, estudiosa, dedicada... Lembra bastante os Opostos, de que falei no item acima, embora aqui haja uma maior chance de a mulher ser “superior” ao homem de alguma forma — até porque ela serve apenas como um modelo, um catalisador para que aconteça a mudança positiva na vida do personagem. Muitas vezes, tal mudança é ocasionada para que o cara evolua, adquira responsabilidades, realize seus sonhos e se torne a melhor versão possível de si mesmo. Enquanto isso, sua parceira permanece imutável em relação ao começo da história ou até involui para se adequar a esse novo homem.
O enredo como desculpa para o romance: “Grávida por acidente”, “Casamento por contrato”. Esse estereótipo você já identifica pelo título da história. Não existe um romance entre os dois personagens — às vezes, o futuro casal nem se conhece ou já se odeia —, mas aí vem aquela surpresa: serão obrigados a fazer parte do dia a dia um do outro por uns tempos, talvez até morar juntos. É provável que a mocinha precise pagar uma dívida nesse estereótipo (e o corpo serve como moeda), queira salvar uma herança de família, a própria família, ou tenha tido um caso inocente de uma noite que resultou numa gravidez. A causa é o menos importante, uma vez que o foco é como o convívio na rotina alheia vai fazer o amor desabrochar e tornar o infortúnio a melhor coisa que já aconteceu na vida dos personagens. Quem nunca viu uma fic assim no Nyah?
Se não fosse aquele mal-entendido... não haveria conflito no enredo. Enquanto a maioria dos itens dessa lista peca por não formar laços com a realidade, esse apresenta um aspecto comum no dia a dia de qualquer pessoa: brigas e discussões.
Mas não pense que estou dizendo que é ruim o casal da sua história ter desentendimentos. Nada disso. O que fez esse estereótipo ganhar um lugar no post foi a maneira como muitos autores trabalham com ele, como se os personagens fossem incapazes de deduzir certas coisas ou nunca tivessem o mínimo de interesse em clarear as próprias dúvidas. Falo do rapaz que assiste a uma cena ou escuta uma conversa suspeita da garota e conclui o pior; dos “vilões” da história que inventam algo sobre o protagonista, e a mocinha, decepcionada, termina tudo com ele em vez de averiguar se a informação que recebeu é verdade; do casal que simplesmente não conversa sobre nada e, quando o menor obstáculo se aparece em seu caminho, acaba por se separar. Esse item ainda vem acompanhado por um terceiro personagem, o mediador: aquela pessoa que surge no lugar certo e na hora certa e convence um dos lados de que tudo não passou de um mal-entendido.
Um é pouco, dois é bom, três é um triângulo: Para que deixar o romance se desenvolver numa boa quando se pode colocar mais alguém no meio? Sobre esse estereótipo, tenho uma confissão a fazer: adoro, mas quando bem feito. A ideia de triângulo amoroso não é ruim em si, porém, como a maioria dos clichês/estereótipos, fica ruim se não for explorada direito.
Um jeito óbvio de fazer isso é deixando evidente o tempo todo quem vai ser “o escolhido”. Para que se dar ao trabalho de arrastar a história nessa quando os leitores já sabem qual casal vai ser feliz para sempre no fim? Outro muito comum é colocar o melhor amigo — normalmente, esse ocorre com dois homens e uma mulher — como um dos pretendentes. Tem aquele cara (com grandes chances de ser um badboy) por quem a protagonista é apaixonada, tudo bem, mas e o melhor amigo, aquele que sempre esteve lá, que faria tudo por ela? Lamento, mas, nesse item, as chances de ele ficar com a mocinha são ínfimas.
Até que a morte nos separe: Alguém tem câncer. Alguém vai morrer. Só que, antes disso, esse alguém se apaixona e vive um amor épico até que a doença separa o casal. É interessante matar um personagem principal na sua história (ou assim acho eu, porque me divirto), mas, dependendo do enredo, até isso fica batido e previsível. Em muitos casos, esse estereótipo anda de mãos dadas com o da Mulher como instrumento de mudança, pois ela é quem costuma estar doente ou servir para que o homem aceite que vai morrer, cresça e realize seus sonhos antes disso.
Já dizia “American Pie”... que a primeira vez é inesquecível. Para muitos escritores, isso ocorre porque ela é maravilhosa para todo mundo. Nem sei se é necessário comentar que, em geral, a personagem virgem é a mulher, consequência direta da ideia enraizada na sociedade de que é ela quem deve sempre se controlar, se guardar e esperar pacientemente até que “a pessoa certa” apareça. Aqui o problema parece ser apenas falta de pesquisa, já que muitos autores descrevem o momento como a melhor coisa da face da Terra. Ninguém sente dor, não existe nenhum tipo de desconforto, e ambos sempre chegam ao ápice. Só alegria. Isso quando o virgem não se torna de repente um expert em sexo, discutindo opções mais quentes e posições com seu parceiro. Esse tipo de abordagem acaba deixando as cenas um pouco genéricas, e não me refiro somente ao fato de sempre parecer a mesma coisa (porque, no fundo, meio que é), mas de vários personagens acabarem irreconhecíveis, perdendo todos os seus traços únicos quando ficam entre quatro paredes.
Caso interesse, no blog já tem um post — em três partes — especificamente sobre erros comuns em cenas de sexo, que explora várias faces desse estereótipo. Aviso
que é para maiores de 18 anos.
À primeira vista: Como a ciência ainda discute
se isso é possível ou não, naturalmente, o meu foco não é na possibilidade de o amor surgir dessa forma, mas na frequência com que isso acontece em histórias. Costuma ocorrer só com os protagonistas, que batem o olho um no outro e, pronto, já estão apaixonados. O fato de os dois se apaixonarem ao mesmo tempo torna esse item ainda mais estranho. Cada pessoa é diferente, reage a determinadas situações de maneira diferente. Muita gente ainda cita que os astros se alinharam, que o destino fez um esforço para que o momento acontecesse e tudo mais. Nesse contexto, é até plausível, porque parece que só com o auxílio de uma força maior esse amor poderia nascer.
Quebra de rotina: Essa “quebra” a que me refiro não diz respeito a uma mudança real na vida da pessoa, mas à entrada de um desconhecido nela, aquele desconhecido, que, com o tempo (não precisa levar muito também), se tornará seu grande amor. Muitas histórias já têm como premissa o aluno novo que entra na escola, o empregado novo contratado para a empresa, o parente que é distante tanto geograficamente quanto na árvore genealógica e que surge de repente.Não parece haver explicação para aquela pessoa nova ser especial em meio a tantas outras que o protagonista acabou de conhecer, mas ela é. Simples assim. Até entra um pouquinho no À primeira vista.
“A aposta”: Quem nunca viu uma fic com esse nome? Apostas são comuns em grupos de amigos e são feitas tanto por conta de coisas bobas como de importantes. O que torna isso um estereótipo, então? O enredo todo ser baseado nisso e haver apenas duas possibilidades de desfecho, é claro: 1 – o personagem que precisa cumprir a aposta fica com a pessoa que o ajudou a fazer isso; 2 – o alvo da aposta descobre tudo, fica bravo, mas acaba sendo reconquistado pelo parceiro e fica com ele. Sem surpresas.
Não é crime, é amor: Porque é perfeitamente normal aquele cara perseguir a mocinha pelos cantos, observá-la dormindo e tudo mais. Romantização de estupro entra aqui também, embora eu veja isso mais em yaoi. Recomendo analisar o contexto sempre, pois pode ser (pode ser) que o autor esteja trabalhando com Síndrome de Estocolmo ou algum distúrbio psicológico. Aproveito para lembrar, no entanto, que essa romantização não é apologia de estupro (que é crime), mesmo que seja considerado moralmente repreensível. Você é livre para trabalhar com qualquer tema na sua história, mas é sempre interessante saber do que está falando. Creio que esse item seja o mais complicado de se lidar, já que o machismo que permeia os valores da nossa sociedade às vezes impede as pessoas de discernirem o que é aceitável do que não é. É útil pensar que qualquer coisa que viole seus direitos (sejam eles ter o controle sobre o próprio corpo, ter dignidade, ter o poder de escolha quanto a seus parceiros ou companhias, etc.) não deve ser uma coisa boa.
Ela tinha tudo na vida, menos ele: Esse eu vejo mais em comédias românticas (Katherine Heigl, oi), apesar de aparecer em fics também. A personagem tem tudo que sempre quis, realizou todos os seus sonhos, é bem-sucedida, esclarecida e independente... Mas não tem namorado. Pobrezinha. Eis que surge aquele cara, aquele, que muda tudo. Após o derradeiro encontro, ela começa a perceber que não tinha exatamente tudo que queria, que não era tão bem-sucedida assim e que, na verdade, o trabalho até a privava de certas coisas.
Esse item pode fazer par com o Mulher como instrumento de mudança, porque costuma haver uma involução da personagem, que, no fundo, é infeliz sem um parceiro e precisa de um para enfim se sentir completa. É um retrato falso da mulher moderna, que conquistou conhecimento, independência e sucesso, mas que vê que, sem um homem, isso não serve para nada. O homem que ela conhece, por outro lado, passa por um crescimento pessoal que o leva a ser completo sozinho, ficando à altura dela ou até acima.
Eu tinha um objetivo na vida... Até encontrar você: Não deve ser confundido com o Ela tinha tudo na vida.
Frequente em romances de qualquer tipo, é mais um estereótipo que vem da ideia de que pessoas são definidas por seus relacionamentos ou pelo papel que desempenham nele. A protagonista tinha mil metas pessoais para cumprir, o mocinho tinha milhares de sonhos... Mas acabaram se conhecendo, e tudo isso virou pó sob a grandiosidade do amor deles. Não parece muito verossímil. Por mais que as pessoas mudem quando entram em um relacionamento, dificilmente elas negam a própria identidade para viver em função de seu parceiro. Isso não é nada saudável, na verdade. Fica legal mostrar na sua história como o amor afeta alguém, porém, é uma boa tomar cuidado para que o “amor” não torne seu personagem raso.
Destruidora de lares: Ela é famosa por ser antagonista do casal feliz, querendo separá-los e fazendo o possível para que isso aconteça. Mesmo em yaoi e yuri, normalmente, é uma mulher, que é retratada como uma pessoa ruim e com pouca profundidade além da parte de querer separar o casal. Ex-namoradas/esposas/noivas cumprem esse papel, em geral, mas muitas melhores amigas (da garota ou do garoto) também são usadas para infernizar a vida dos pombinhos. Uma de suas ferramentas de destruição é o Mal-entendido e, de vez em quando, ela pode alcançar a redenção como mediadora.
Esses foram apenas alguns exemplos dos estereótipos mais comuns em romance hétero — ainda que muitos se encaixem também em yaoi e yuri, como será tratado na segunda parte. Tenham em mente que não é crime nenhum usá-los na sua fic, e uns podem inclusive ter uma abordagem interessante, caso o autor se esforce. Escrita se baseia praticamente em leitura, pesquisa e dedicação, uma vez que todos os temas já foram colocados em alguma história. É uma abordagem diferente, um aprofundamento em algum aspecto que torna o seu texto único.
Pesquisa de opinião em vários grupos de escrita.