Como Escrever Romance Slow Burn [01/02]

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Por: Little Girl

Você provavelmente já deve ter lido uma história na qual os protagonistas desenvolveram um relacionamento do tipo slow burn, e que levou capítulos e mais capítulos para que, finalmente, aceitassem e assumissem o sentimento que tinham um para com o outro. É por esse mesmo motivo — a lenta construção do relacionamento — que existem os que amam e também os que odeiam esse tipo de romance. Para mim, histórias com slow burn são, definitivamente, muito especiais, e é por isso que estou aqui para conversar com vocês um pouquinho a respeito desse tema.

Antes, porém, de falar sobre como escrever tal gênero, vamos primeiro delinear algumas ideias, para o caso de alguém ainda estar perdido no meio da conversa.

Slow Burn é um termo inglês que ao pé da letra significa algo como “queima lenta”, o popular “fogo brando” no nosso bom e velho português. Esse termo serve para designar algo que acontece de forma devagar, lenta, como quando a gente decide fazer um pudim, sabe? O Urban Dictionary define esse termo como sendo uma atração por alguém, que não é instantânea, mas cresce com o passar do tempo; o processo de se tornar atraído por alguém num período de tempo. Trocando em miúdos, o romance slow burn é aquela história na qual personagem A mais personagem B demoram a se apaixonar, ou ao menos reconhecer que estão apaixonados, e demoram mais ainda a ficarem, de fato, juntos. A aproximação entre eles acontece de forma lenta, com bastante espaço para o foco nas questões intrínsecas de cada personagem.

Se você analisar as histórias que já leu pertencentes a este estilo, são grandes as chances de que elas se encaixem numa desses três casos:

  • Caso A: O caso que evolui de “se odeiam” para “amigos” e, finamente, para “se amam”;
  • Caso B: Os amigos que, por conta de uma “problemática inesperada”, acabam desenvolvendo sentimentos românticos um pelo outro (ou tendo coragem de assumir eventuais sentimentos que nunca foram levados adiante);
  • Caso C: Nem amigos nem inimigos, mas com os polêmicos clichês: namoro de mentira e o caso das “amizades” com benefícios.

Dá para perceber que todos os personagens possuem, paralelamente ao desenvolvimento do relacionamento entre ambos, conflitos emocionais e pessoais. Tais conflitos influenciam, na maioria das vezes, de maneira muito grande e prejudicial no desenvolvimento de um possível relacionamento amoroso. É também por estes motivos que eles demoram a aceitar a atração e o sentimento que os assolam. 

Outra coisa importante de ressaltar e que deve estar presente praticamente durante toda a história é a chamada “tensão sexual” entre os personagens (toques, olhares disfarçados, provocações, flertes), pois ela é o que, junto com o enredo, fará com que o leitor continue interessado capítulo após capítulo em saber o que acontecerá com o relacionamento dos protagonistas — quando eles, por fim, irão resolver as suas pendências e aceitarem o amor que sentem.

Agora que já foram citados os principais elementos que devem estar contidos num romance slow burn, o que falta é estabelecermos uma sequência lógica para a construção da história. Embora mil e um tipos de enredos diferentes possam ser construídos com base neste gênero e nos casos acima citados, quase todos eles poderão seguir o mesmo passo-a-passo para atingirem o produto final.

O que abordaremos no post de hoje é um modo mais simples e intuitivo de organizarmos a sequência de acontecimentos desse tipo de romance, algo prático que pode ser usado para o caso de você ser uma daquelas pessoas que não gosta de algo extremamente metódico. Entretanto, para todos aqueles que querem se aprofundar um pouco mais no assunto, daqui a algumas semanas daremos continuação a esta postagem. Falaremos sobre como escrever o slow burn inserindo-o no arco histórico de um personagem.

Por hora, vamos ao que interessa!

Assim como a pessoa que passa pela perda de um ente querido tem de lidar com as fases do luto, a pessoa que passa pelo término de um relacionamento também acaba passando por um processo semelhante, e, por mais estranho que pareça, são nessas fases que iremos nos basear para seguir uma sequência lógica dentro da construção histórica. A razão pela qual podemos nos basear em tais estágios é bem simples: grandes realizações ou descobertas são difíceis de serem aceitas por nós, seres humanos. E até chegarmos no estágio pleno onde nos permitimos demonstrar aquilo que sentimos, o nosso corpo e nossa mente irão desenvolver uma forma natural de lidar com tamanho estresse, até que tenhamos assimilado e aceitado toda a situação, para podermos seguir em frente.

Bem, para que o drama todo do slow burn entre em cena, é preciso que você já tenha estabelecido os elementos básicos e iniciais da sua história — personagens, seus passados, enredo, a forma como se aproximarão ou a problemática que mudará o tipo de relacionamento que já possuem — e a tenha conduzido até o ponto onde nos deparamos com o primeiro dos sete estágios que os personagens deverão enfrentar.


Estágio 1 — Choque

O choque é uma reação natural que o nosso corpo experimenta quando enfrentamos um trauma físico ou emocional muito grande. É o momento em que você se sente atônito e até mesmo fora da realidade. Há muita confusão nesse primeiro estágio, perda de sono, e tudo acaba sendo um aviso do corpo e da mente, dizendo que não quer lidar com a situação naquele exato momento. Na nossa história, o choque é o exato momento no qual os personagens percebem que, sim, eles possuem sentimentos/gostam/estão apaixonados/amam a outra pessoa. Chame do que quiser. Mas tenha em mente que este é o momento em que o circo realmente começa a pegar fogo, e eles percebem que sim, o sentimento existe, e é muito real. 


Estágio 2 — Negação

A negação é a rejeição da realidade. Nesse estágio nossos personagens terão o lema de que, se eles não aceitarem o sentimento, logo aquilo que estão sentindo não é real. Aqui é o momento no qual eles vão tentar seguir a vida normalmente, como se nada de mais tivesse acontecido, como se eles não tivessem chegado à realização que lhes tirou o sono e os fez perder a respiração por alguns instantes.

Como aprendemos cedo na vida, a negação não funciona para sempre.


Os próximos três estágios serão listados na sequência em que se apresentam originalmente, contudo, você pode adaptar a ordem deles de acordo com as necessidades do seu enredo.


Estágio 3 — Isolamento

Uma vez que seus personagens tenham caído em si e assumido que aquilo que sentem é real, chega o momento no qual você terá que fazê-los lidar com a nova informação. Este estágio caracteriza-se como isolamento porque aqui os nossos personagens terão de gastar um certo tempo recordando situações, palavras que disseram, tentando entender quando o sentimento começou a surgir, os eventos atrelados ao desenvolvimento do relacionamento. É o momento também de refletir sobre a outra pessoa, suas qualidades e defeitos, e o fato de que, apesar dos pesares, seus personagens estão completamente imersos um no outro. O caso é que, naturalmente, ter de pensar sobre a outra pessoa pode fazer com que seu personagem tenha de se afastar dela por um curto período de tempo. Aqui pode ser que ele evite encontrar a pessoa algumas vezes, ou no mínimo, comece a agir de maneira estranha quando está com ela — distante, apático, até mesmo rude, dependendo da personalidade com a qual você o construiu.


Estágio 4 — Raiva

Neste estágio, seus personagens não serão mostrados tão pensativos, refletindo, absortos na própria mente. Aqui é o momento no qual eles procuração alguma coisa para culpar o fato de estarem da cabeça aos pés apaixonados pela outra pessoa. A raiva de um não precisa, necessariamente, ser mostrada para o outro, embora possa acontecer. Mas esta ira pode acontecer nas conversas em voz alta consigo mesmo. Ou pode ser um bom momento para fazer com que o protagonista revele para um personagem secundário da história (um amigo, irmão, conselheiro, etc.) os sentimentos que estão há um bom tempo guardados. É o momento no qual ele pode extravasar para alguém a raiva pelo fato de que as coisas, talvez, não tenham acontecido da maneira como tenha planejado em sua vida.


Estágio 5 — Barganha

Barganha é o ato de realizar um negócio de maneira lícita, ou mais comumente, ilícita. A barganha é o momento em que você deverá fazer com que os seus personagens ofereçam algo em troca de paz mental, em troca de, talvez, terem um caminho de volta do sentimento que sentem. Uma última tentativa para tentarem não se render ao sentimento e estragar a construída amizade, para não se envolverem e terem o coração partido futuramente, ou até mesmo uma tentativa de auto absolvição do fato de estarem apaixonados por alguém que, por alguma razão, pensam que não deveriam.

A barganha pode ser inserida dentro da história das mais diversas formas, tudo vai depender em qual tipo de enredo você escolheu se aventurar: Se eu procurar outro alguém, talvez eu esqueça aquela pessoa; se eu apresentar alguém para aquela pessoa, serei obrigado a esquecê-la; se eu passar mais tempo me ocupando com coisas mais importantes, pode ser que eu pare de sentir o que estou sentindo. Em alguns casos a barganha pode atingir um estágio tão estúpido que seu personagem poderá até mesmo pensar que, se ele passar mais tempo com a pessoa que lhe ocupa a mente, até que ele se canse, pode ser que esse sentimento passe e as coisas voltem a ser como eram antes. Sim, é estúpido. Mas é você quem manda na história e, se você quiser fazer o seu personagem ter um momento energúmeno... bem, sinta-se livre para isso...

Os dois últimos estágios acabam por culminar no clímax da sua história, e são, portanto, os momentos mais importantes do enredo, e que devem ser tratados com muito cuidado. Durante os estágios anteriores, é preciso que você tenha em mente que, enquanto toda essa “crise existencial” está acontecendo com seus personagens, a relação entre eles continua, paralelamente, prosseguindo e evoluindo. De fato, é a evolução de tal relacionamento que faz com que eles passem de um estágio para o outro. Entretanto, até o início da barganha, nada realmente acontece entre eles, tudo ainda deve estar no meio da linha que separa o romance da amizade. Já no final da fase da barganha e antes do início do sexto estágio, é preciso que toda a tensão construída até este momento tenha, finalmente, a sua recompensa. Personagem A e personagem B finalmente admitem um para o outro o sentimento, mesmo que apenas de maneira prática em vez de verbalizada. A intensidade dessa demonstração é você quem deverá ditar, mas é aqui que, pela primeira vez, a tensão deverá explodir, e a linha que limita a amizade e o romance deverá ser transpassada.

Após este acontecimento, você deverá escolher se dá algum momento de paz para os nossos “sobreviventes” (alguns capítulos, ou umas mil e poucas palavras), ou se parte sem dó e sem piedade diretamente para o nosso penúltimo estágio antes da resolução final.


Estágio 6 — Depressão

Você deve estar se perguntando, “Mas por que raios eu tenho que fazer os meus personagens passarem pelo estágio da depressão? Já não foi sofrimento suficiente eles terem de passar por todos os estágios anteriores até conseguirem estar juntos?” A verdade é que, sim, eu concordo com você, já foi uma novela mexicana inteira para que algo concreto realmente acontecesse. Não obstante, é preciso lembrar que haverá elementos da história pessoal de cada um dos protagonistas que não estará, de todo, resolvida. É aqui que você deverá colocar em cena os conflitos que ainda faltam ser resolvidos, para que, só então, seus personagens superem seus traumas, seus medos, seu passado, enfim, aquilo que no princípio foi o motivo que os fizeram não querer se apaixonar pela outra pessoa. Esse conflito pode ser uma verdade que deveria ter sido contada antes, pode ser um parente que não aceita o relacionamento em questão, pode ser simplesmente o fato de eles acharem que o pior erro que fizeram foi avançar a linha da amizade. Você tem que fazê-los voltar à estaca zero, fazê-los achar que não, eles não serão uma equação com resultado positivo, e que são melhores sozinhos, ou simplesmente como amigos.

Como está bem claro com todo este conflito em questão, a depressão é definida, então, como o momento no qual eles sofrerão por terem acreditado numa ilusão, em algo que estava fadado ao fracasso. Surge a frustração por saberem que era algo que deveriam evitar para não sofrerem, mas que no fim, acabaram sofrendo, de qualquer forma. Um afastamento aqui é inevitável, seja este decidido por ambos os lados ou apenas por um. O importante é ter em mente que uma das partes deverá ser aquela que realizará que o amor, no final das contas, vale à pena a tentativa, e dará o primeiro passo para a reconciliação.


Estágio 7 — Aceitação

A aceitação é o último estágio. O estágio que faz com que, como dito anteriormente, todos os outros estágios tenham valido à pena. Nesse estágio, os conflitos mal resolvidos, seja por falta de comunicação, seja por um antagonista, seja apenas pela negação do sentimento, são, por fim, resolvidos, e tanto um personagem como o outro se perdoam por quaisquer erros que possam ter ocorrido durante a caminhada, e acima de tudo, aceitam-se como são, apesar das imperfeições que possuem. É nesta última fase que eles podem, finalmente, assumir um relacionamento, e seguir em frente com a vida. Erros passados, amores que não deram certo, tudo é deixado para trás, como uma lembrança longínqua. O sentimento de alívio e alegria deve ser evidente, e o amor que um sente pelo outro pode e deve ser demonstrado de maneira plena. E, claro, um epílogo açucarado é sempre muito bem-vindo pela maioria dos leitores.

Sim, a maior parte da história será sobre conflitos e a resolução destes, conflitos internos e conflitos externos, todos a serem superados. Mas, se pararmos para pensar, conflitos existem em todos os tipos de histórias, o que não significa que, enquanto o nosso querido “OTP” não resolve todas questões que são necessárias para que eles se amem e sejam felizes, não se possa ter todos aqueles ingredientes que nos fazem querer ler mais e mais — isto é, provocações, flertes, sorrisos, brincadeiras, confidências, abraços, amizade.

A gente encerra o método de escrita baseado nos sete estágios do término de um relacionamento por aqui, mas o assunto ainda continua em breve. O próximo post tratará da construção da história não apenas a partir do momento em que os personagens se dão conta de que possuem sentimentos um pelo outro, mas tratará também de todo o seu início, incluindo os elementos que devem ser decididos antes mesmo do primeiro capítulo.  Enquanto isso, por que não tentar planejar uma boa história de romance slow burn?


Referências:

9 comentários:

  1. Muito obrigado! O site tem me ajudado bastante

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  2. Eu simplesmente amo o site e venho aqui de vez em sempre em busca de ajuda, e como sempre, o site me ajudando muito.
    Muito obrigada.

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  3. Eu estava simplistamente em um bloqueio total sobre o desenvolvimento do casal que estou escrevendo. E esse post ajudou muitoooo, thanks 💙

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  4. ala mano, vim aqui p aprender um metodo de escrita e na vdd me dei conta q ta rolando na minha vida

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  5. Estava escrevendo uma história e não tinha nem me dado conta que era um romance slow burn, kkkkkkkkk.

    Mas me senti mais aliviada ao perceber que estou seguindo essas etapas direitinho, ou quase. kkkkkk

    Obrigada pelo post, estou lendo vários e são todos muito interessantes!

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