Estereótipos em romance – Parte II

segunda-feira, 7 de março de 2016

Por: Anne L


Encerro o post agora com a segunda parte, que vai trazer os estereótipos em romance yaoi e yuri. Vale lembrar que muitos já mostrados na Parte I também se aplicam aqui, mas não repetirei os itens. 

O machismo também exerce forte influência no que citarei abaixo, em especial com a ideia de “hetenormatividade”. Para quem não sabe o que é “heteronormativo”, a definição: 

he•te•ro•nor•ma•ti•vo 
(hetero- + normativo)


adjetivo


Que estabelece como norma a heterossexualidade e a instituição de categorias distintas, rígidas e complementares de masculino e feminino ou que é relativo a heteronormatividade.

Enquanto pesquisava, notei que muitas pessoas apontavam mais estereótipos de personagens que do romance em si. Já falei de alguns (em yaoi) neste post.

- Estereótipos em romance yaoi e yuri

Homem e mulher: Heteronormatividade define esse item. No yaoi, o seme (ativo), é sempre grandão — seja em altura e/ou em músculos —, grosseiro e com traços tidos como masculinos, tanto físicos como de personalidade, além de ter um maior foco em sexo. O uke (passivo), por sua vez, é pequeno, frágil, virgem e com necessidade eterna de ser protegido. Foca na parte romântica da relação. 
No yuri, apesar de ser mais incomum trazer divisões como seme e uke — ainda que elas existam: tachi é a “ativa”, e neko, a “passiva” —, elas se aplicam às aparências e à personalidade das personagens. Uma das garotas costuma refletir a ideia clássica de “homem”: cabelos curtos, roupas largas, voz grossa, atitude de moleca, foco em sexo. Também toma as iniciativas e guia a parceira pelo relacionamento. A outra, é claro, reflete a ideia de “mulher”: é delicada, fofa, feminina, gosta de vestidos e afins, foca em romance e não sabe muito sobre relacionamentos. 
Esse tipo de estereótipo perpetua os argumentos de que “gay deveria ser assim, lésbica deveria ser assado”, como se a orientação sexual das pessoas as definisse e não precisasse de mais nada para explicar as atitudes e preferências de um personagem além do papel dele na relação. Há brigas sérias dentro de fandoms e em fics quando um autor tenta fugir do estereótipo.

Não sou gay/lésbica, é só com você: Ao que parece, muitos protagonistas nunca tiveram qualquer tipo de contato mais íntimo com outros seres humanos até aparecer aquele indivíduo, o que faz o coração bater mais forte e o corpo flutuar sem razão. Isso fica ainda mais estranho quando se trata de relacionamentos homossexuais, porque supostamente era todo mundo hétero antes de aparecer aquele personagem. Não é impossível alguém descobrir a própria orientação sexual depois de conhecer uma pessoa específica, porém, o problema, como de costume, não é isso acontecer, mas acontecer sempre. Uma versão um pouco alterada do seme é vista aqui, o que, em vez de assumido e predador sexual, é o “machão” ainda no armário. O par dele costuma ser um uke assumido e de bem com a vida, que sofre por conta do preconceito de seu parceiro. 
Às vezes, os personagens desse estereótipo chegam ao extremo de dizer “não sou gay/lésbica, é só com você” ou variantes, como o clássico “mas somos homens, não podemos...” logo antes de cederem. Com essa negação, de repente, fica tudo bem. Heterossexualidade salva. 

Não existe romance em yuri: Pode até ocorrer algo similar em yaoi de vez em quando, mas esse estereótipo eu vejo adoidado em histórias yuri (e animes yuri, e tudo yuri). O romance vira apenas um acessório no meio de capítulos e capítulos de cenas de sexo. É frequente também que o emprego de uma das meninas na história seja garota de programa, dançarina exótica e afins, facilitando ainda mais nesse aspecto, como se ir para a cama fosse a única maneira de duas mulheres iniciarem um relacionamento (e que é baseado em sexo e só). Pode colocar romance em yuri sem medo, gente. 

Se beber, criarei um plot: Quem nunca viu uma fic em que o primeiro contato íntimo entre os personagens acontece por causa de uma noite de bebedeira? Qualquer um que já teve um relacionamento amoroso ou que observou o dos outros sabe como funciona, como tudo pode começar. Duvido inclusive que vá haver muita gente cujo namoro engatou só depois de o álcool deixar você e seu parceiro mais suscetíveis a aceitar a situação. E tem esse detalhe também, né: por que os personagens não conseguem lidar com os próprios sentimentos sem essa “ajuda”? Mesmo que um deles seja homofóbico ou simplesmente não queira aceitar que gosta do outro, é mais interessante trabalhar nisso que recorrer a esse estereótipo. E isso vale também para enredos com Verdade ou Desafio, ou Sete Minutos no Paraíso. 
Adiciono aqui uma observação sobre histórias em que um dos personagens fica tão bêbado que nem consegue ficar de pé, mas acaba dormindo com o futuro parceiro ou é coagido por outros a tocar nele: isso é abuso sexual, podendo ou não haver estupro (depende da fic). 

Não é crime, é amor – Parte II: Vou repetir esse porque é uma questão de extrema importância: aquele seme que persegue o uke, mesmo sob protestos, não é romântico; fazer o uke de escravo sexual contra a vontade dele não é romântico; a personagem que toca a outra sem convite não está sendo engraçadinha (em yuri, por exemplo, entre outros tipos de fanservice, é comum haver uma cena em que uma garota aperta os seios da outra, causando constrangimento). Uma versão um pouco alterada do uke é vista aqui, o tsundere, que é violento, se recusa a admitir que sente alguma coisa e sempre diz “não”, levando a cenas duvidosas na história. Óbvio que existem enredos e enredos, e, como falei na Parte I, pode ser que a pessoa consiga usar esses temas de forma diferente e intrigante. Além disso, você continua livre para trabalhar com essas situações na sua história da maneira como normalmente são apresentadas, mas não deixa de ser uma boa pesquisar a respeito antes.

Meu melhor amigo é o meu amor: Enquanto, em romance hétero, os melhores amigos são o vértice esquecido do triângulo, em yaoi e yuri, eles adquirem dois papéis: o iniciador e o amor verdadeiro. 
O nome “iniciador” já dá a dica, é aquele que introduz ao outro personagem a ideia de que talvez ele tenha estado no armário a vida toda e nunca percebeu. Eles se beijam (ou até chegam ao sexo) numa brincadeira e, pronto, quem foi “iniciado” segue com a vida e, eventualmente, encontra seu parceiro real. 
O “amor verdadeiro” pode ou não ser um iniciador, mas a diferença é que, no final, ele formará um casal com o outro personagem. A história se repete: sempre foram amigos, sempre estiveram lá um para o outro, estava escrito nas estrelas. 

Se não fosse aquele mal-entendido – Parte II: Esse também mereceu um comentário aqui porque o motivo da briga que separa o casal em yaoi/yuri em muitos casos é uma crise homofóbica. Tem história em que o personagem que sofre a crise sempre se aceitou, nunca teve quaisquer tipos de preconceito em relação à própria orientação sexual, mas de repente bateu aquele terror: “estou mesmo apaixonado por fulano(a)?! Mas fulano(a) é [insira aqui o gênero]!”. Ele vem em conjunto com o Não sou gay, ideia que o personagem repete para si mesmo ou para seu parceiro, de modo a ficar de bem com a vida e justificar o desentendimento. 

O mundo mágico dos fetiches inexistentes: Sem pesquisa e aprofundamento em qualquer assunto, é meio complicado escrever sobre ele. Considerando que muitos escritores do Nyah! ainda são bem novinhos ou, infelizmente, sofrem algumas consequências do machismo enraizado na sociedade (sim, isso de novo), não é surpreendente que as cenas de sexo (hentai, lemon ou orange) estejam cheias de erros anatômicos ou acontecimentos impossíveis. A Diandra fala sobre isso neste post (que é para maiores de 18 anos, só para lembrar), então comentarei sobre a inexistência de fetiches e afins nessas cenas. 
É certo que, de um jeito ou de outro, “50 Tons de Cinza” mostrou um novo lado a ser explorado entre quatro paredes e, embora os romances hétero estejam fazendo justamente isso (com suas limitações, mas mesmo assim), os yaoi e yuri, frequentemente, deixam a desejar em termos de variedade. Depois da primeira vez, o casal não tem curiosidade de experimentar algo diferente, os personagens não têm fetiches ou vontade de mudar alguma coisa, e por aí vai. Isso peca um pouco no quesito “realidade” e também deixa os personagens mais rasos, já que essa parte também tem a ver com a personalidade de cada um, suas experiências de vida, etc. Além do mais, é um estereótipo que contribui para que todas as cenas de sexo pareçam meio iguais. Alguém já teve essa sensação lendo lemon e orange? Pois é. 

E encerramos o post com menções honrosas de estereótipos citados na Parte I que também ocorrem aqui: Opostos se atraem (o nerd e o badboy, o machão e o gay afeminado, a menina fofa e a moleca); O enredo como desculpa para o romance (concidentemente, o futuro casal precisa morar junto/fazer um trabalho da escola juntos/trabalhar juntos numa empresa); Já dizia “American Pie” (“e a dor se transformou em prazer”); À primeira vista; Quebra de rotina; Eu tinha um objetivo na vida... Até encontrar você (em geral, o uke ou a moça mais feminina passam a viver em função dos parceiros); Destruidora de lares (em alguns poucos casos, o romance yuri tem um garoto no papel).
O meu objetivo não foi problematizar os itens da lista, ainda que seja muito fácil fazer isso com a maioria; para esse fim, precisaria de outro post só focando nesse lado. Só que é inevitável não apontar de onde vêm certos estereótipos — ou talvez todos eles — quando se tenta explicá-los. Mantenho, porém, o que disse na Parte I: não estou fazendo uma crítica a nenhuma história e os autores continuam livres para escreverem o que desejarem. Mesmo assim, é sempre útil entender o que criamos e por que seguimos determinados caminhos, tanto para compreender melhor nossas próprias histórias quanto para nos tornar mais críticos.

Material consultado:
"heteronormativo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/heteronormativo [consultado em 29-01-2016].

Pesquisa de opinião em vários grupos de escrita. 


10 comentários:

  1. O termo bissexual parece não existir em fanfics </3 (nem pansexual)

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    1. Nem demisexual, assexual, polyromantic... basicamente só existe homossexual e heterossexual

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    2. Eu sei! É uma pena... Tanta coisa para ser explorada...

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    3. Muito bom ler isso. Nunca gostei destes yuris que não são feitos pra quem gosta de romance e sim pra fetiche de otaku.
      Um grande yuri que tem la seus clichês, mas no geral foge bem (e existe bissexualidade) e é muito bom é blue sweet flower
      E outro mais recente e ainda melhor Yagate Kimi ni Naru.

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  2. O mundo mágico dos fetiches inexistentes é tããão irritante. Sempre pulo rsrs
    PS.: Que anime é esse?

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  3. Hey, pode me passar o link da parte I? ^•^

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    1. Claro! Aqui está: http://ligadosbetas.blogspot.pt/2016/02/estereotipos-em-romance-parte-i.html :D

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