O Arco do Personagem

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Por: Beatriz Goés

Também conhecido como Arco da Transformação, é um elemento implícito da história, definido por letristas e estudiosos da literatura ao longo de anos. Trata-se da trajetória do protagonista ao longo do enredo. É um fato importante a ser estudado, especialmente para escritores iniciantes, pois é como um "esqueleto" da história, que contém elementos "necessários" para fazer a história "dar certo". Há aspas porque, como sempre, para toda regra há exceções; ainda assim, o Arco do Personagem é um conhecimento extremamente válido para qualquer escritor.
Mas o que é, então, esse tal arco? É o processo de transformação do protagonista dentro de uma história e, muitas vezes, o que nos faz criar tanto carisma por um personagem. A possibilidade da mudança, da redenção, da esperança é, contantemente, o que nos faz gostar tanto de uma história.



E junto ao Arco do Personagem, automaticamente a "Estrutura dos Três Atos" entra na conversa, pois ambos tratam da evolução da história de forma ordenada. Vou usar um exemplo para facilitar o entendimento: o filme Frozen (2013). Eu o escolhi porque, além de ser uma história de fácil compreensão, acredito que a maioria de vocês tenha visto. Como o gráfico mostra, ocorre a divisão em três atos.
Observação: perdoem as traduções grotescas, mas não encontrei produções oficiais em português sobre o tema, então traduzi ao pé da letra.

Primeiro Ato

- Temos, a princípio, o Incidente Inicial (Inciting Incident), a situação que dará origem à situação maior da história. Ou seja, temos Elsa, ainda criança, atirando, sem querer, gelo em sua irmã, Anna, a qual fica gravemente machucada e, por temer causar maiores prejuízos a ela, Elsa decide esconder seus poderes e omitir-se de todos.
- A partir daí tiramos a "Call to Action" ou "Tag Question" ou Motivo da Narrativa: Elsa vai conseguir descongelar seu coração? Isso é o que nos mantém presos à narrativa, que gera ansiedade e nos faz torcer pela personagem. É a pergunta que vai gerar a transformação da personagem.
- A personagem, então, passa por uma circunstância considerada o Primeiro Ponto de Virada (1st Turning Point), o acontecimento que vai mudar terminantemente a sua vida: revelar os seus poderes e fugir de Arendelle. Esse momento condiz também com uma falsa libertação da personagem, o Despertar (Awakening), representado por meio da música Let It Go.
O primeiro ato, então, é repleto de acontecimentos que procuram despertar a curiosidade e a simpatia do leitor ou do público perante o protagonista, um dos atos mais difíceis de serem executados.

Segundo Ato

- Como mencionado nos parágrafos anteriores, o protagonista se depara com uma falsa paz, que representa a Metade do Caminho (Midpoint), uma parte de tranquilidade momentânea. Esse instante é compreendido como os momentos logo após Let It Go, e vai até quando Anna chega ao castelo de Elsa.
- A partir de então, inicia-se a Queda (Fall) da personagem. E, por queda, não se trata de uma queda física. Na história em questão podemos compreender como uma queda emocional, pois Elsa passa de uma confiança absurda em si mesma, apresentada em Let It Go, para um temor intenso após machucar sua irmã mais uma vez.
- O último momento do segundo ato é a Experiência de Morte (Death Experience). Logicamente, é mais um termo que deve ser compreendido na forma conotativa. Não há uma "experiência de morte", digamos que aqui é um momento em que a personagem aproxima-se de um colapso, seja emocional ou físico. É quando começam a surgir mais empecilhos na sua vida e ela não consegue solucionar nenhum. Elsa, além de machucar sua irmã mais uma vez (remetendo ao evento causador de todo o transtorno de sua via), é atacada pelo seu próprio povo, e por Hans, em seu castelo.

Terceiro Ato

- No Segundo Ponto de Virada, a protagonista tenta algo que nunca tentara antes, algo completamente oposto ao seu verdadeiro caráter; no caso da nossa personagem, ela usa seus poderes para agredir intencionalmente os seus súditos. Tanto que até temos a frase de Hans "Elsa, não seja o monstro que pensam que você é."
- Um constante Declínio (Descent) da protagonista é percebido: Elsa é presa e, finalmente, vê o desastre que fez no seu próprio reino. Há um acumular de todas as mágoas e tristezas ocorridas na trama até então, e podemos sentir a angústia de Elsa.
- O Clímax vem logo depois, com a notícia da suposta morte da sua irmã. Nesse instante, a nossa protagonista simplesmente não pode mais fugir: destruiu seu próprio reino, prejudicou os cidadãos de Arendelle e causou a morte de sua irmã. Elsa arrepende-se profundamente de ter sentido medo e escondido seus poderes por tanto tempo.
- Quando percebe que a sua irmã está viva, Elsa vê uma chance de recomeçar e de finalmente acertar como rainha. A tão aguardada Transformação da personagem ocorre quando ela decide abrir seu coração para o "calor" do amor. Seu coração, então, derrete, igual ao reino uma vez congelado.

Então, podemos dizer que a pergunta feita no início da narrativa foi respondida? Sim, Elsa conseguiu descongelar seu coração. E a transformação da personagem, ocorreu? Sim, a protagonista deixou de possuir um caráter extremamente reservado e autoprotetor para se tornar mais afável e generosa.
Percebemos, durante o Arco do Personagem, uma ideia implícita de 180°: o protagonista nunca terminará a história do mesmo jeito que a inicia.
Bea, isso quer dizer que eu tenho que seguir estritamente o Arco do Personagem e a Estrutura de Três Atos? Claro que não. Ambas as teses foram tendências percebidas em inúmeras histórias ao longo de toda a ficção humana, uma "fórmula" que funciona. Mas para toda regra há exceção.
Na minha opinião, uma história não faz muito sentido sem transformação de pelo menos um dos personagens. De que adianta toda uma trama se a sua experiência não alterou ou afetou o personagem? Se, em Titanic, Rose e Jack, na famosa cena no mar, não fizessem as declarações do quanto um mudara a vida do outro, certamente não nos sentiríamos tão emocionados assim. Histórias são criadas a fim de nos emocionar, nos dar esperança ou um choque de realidade.



Para os que ficaram interessados nesse modelo, recomendo, a cada filme assistido ou história lida, perguntar-se "Qual foi a pergunta feita no início da narrativa que me deixou preso a ela?" e "Será que houve a transformação de algum personagem?". Parece bobagem, mas esse exercício o faz perceber que o Arco do Personagem pode ser identificado em qualquer história.



Fontes:
Anotações próprias durante aulas de roteiro e escrita criativa.
KIM THOMPSON. Writing Club: Character Arc and Motivation http://kimthompsonauthor.com/writing-club-character-arc-and-motivation/


5 comentários:

  1. Tem tão pouco conteúdo sobre isso internet afora, é uma pena. Obrigada por trazer um pouco aqui.

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  2. Seria muito bom um posto sobre a jornada do vilão,pois estou bloqueada para dar um jornada para o vilão da minha fanfic, sem os clichês dos vilões de desejar dominar o mundo.

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