Como frear o tempo... e fazê-lo correr

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Por: Rodrigo Caetano

Você conhece muitas histórias que mexem com o tempo. Seja através do vira-tempo de Harry Potter, do famoso carro do filme De Volta ao Futuro ou da cabine telefônica do icônico Dr. Who, você sabe do que estou falando. Se você ainda não considerou como seria ter o poder de brincar com o tempo, eu o convido a fazer isso agora. Pense bem no que você faria se pudesse dar um pause na sua vida, ou então voltar alguns anos, e – por que não? – ver como será o futuro. E se pudesse fazer com que tudo se movesse mais devagar ou então corresse mais depressa?

Então o que você faria se eu te contasse que, quando você se senta para escrever, você ganha o poder de controlar o tempo?
Deixem-me explicar:

Alguns dizem que o trabalho de um escritor, em muitos aspectos, se assemelha ao trabalho de Deus. Afinal, nós, escritores, criamos mundos e damos vida às personagens que neles vivem. Nós decidimos o que e quando vai alguma coisa vai acontecer, e ainda dizemos como aquilo acontece. A nossa habilidade de dar vida é tão impressionante, que muitos escritores dizem que seus personagens fogem de seu controle, com uma forma própria de livre arbítrio.
Pensando assim, nós, muito como Deus, também podemos brincar com o tempo.
Muitos de vocês já devem ter visto ou utilizado um flashback, ou uma cena solta de algum ponto no futuro, colocada no meio ou inicio da história para dar um tom de suspense. Isso se assemelha a voltar no tempo, ou a visitar o futuro para ver o que vai acontecer, e são apenas alguns dos muitos usos que esse poder tem.
Mas, como disse um certo Tio Ben, em uma certa história em quadrinhos, com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. E hoje estou aqui para ajudar vocês a tomarem controle do seu poder e usá-lo para o deleite de seus leitores. Para iniciarmos, contudo, vamos devagar. Nada de saltos na linha do tempo, por enquanto. Antes de brincar com o futuro e o com o passado, por que não aprender a brincar com o presente primeiro?

Como fazer o tempo andar devagar

Você já percebeu como, em alguns momentos da sua vida, você se lembra de algo que você sabe ter acontecido em alguns segundos, mas que, na sua cabeça, aquilo demora muito mais para realmente acontecer? Normalmente são momentos marcantes, surpreendentes ou com alguma dose de adrenalina, susto ou medo.
Isso acontece em momentos em que sua mente é subitamente obrigada a trabalhar tão rápido, que você consegue registrar uma imensa quantidade de informações em apenas um segundo. Depois, quando sua mente está trabalhando em velocidade normal e você se lembra de toda aquela informação, as frações de segundo parecem passar muito mais devagar.
Você vê o menino dentro da quadra dobrar e esticar a perna para atingir, com o peito do pé, o centro exato da bola. Ele está perto do limite da área de futsal, não muito longe de você, na arquibancada da quadra do seu colégio. Você vê o objeto redondo pegar impulso com a força do menino e deixar o solo, veloz. Percebe a expressão tranquila do goleiro enquanto ele vê que o chute saiu sem a direção desejada, e a careta que o jogador faz quando percebe que seu chute foi em vão.
Você não quer acreditar naquilo. De novo, não...
O torcedor, do outro lado, já virou o rosto, decepcionado. Você percebe exatamente o momento em que a bola tomou conta de mais da metade do seu campo de visão, lembra-se de quando você perdeu a respiração, em susto, enquanto involuntariamente arregalava os olhos. Você antecipa a dor, sabendo que não há mais como escapar. E, apesar de tudo, consegue se lembrar com perfeição da pontada de dor que sentiu quando ela amassou o seu nariz, antes de atingir o restante do rosto, deixando uma marca tão vermelha que não levaria menos de algumas horas para desaparecer inteiramente.
E, mesmo que você não lembre de mais nada depois da pancada na cara, você vai guardar na sua memória aqueles poucos segundos, como algo que aconteceu em câmera lenta.
Nós, escritores, temos o poder de fazer com que isso aconteça com nossos leitores à hora que quisermos. Mas, para isso, devemos saber como usar esse poder de maneira adequada. Não basta escrever “O menino chutou a bola e errou o alvo. Ela me acertou em cheio no rosto e eu fiquei desnorteado.” Por mais que essas frases tenham narrado a mesma coisa, elas estão longe de produzir o mesmo efeito e poder da cena que descrevi acima.
E qual seria o motivo disso?
Lembra como eu falei que, naqueles segundos em que a vida parece acontecer em câmera lenta, a nossa mente registra muitas informações em pouco tempo? Pois bem, quando escrevemos, temos de repetir o mesmo processo. Temos de nos concentrar em mostrar os detalhes, as pequenas coisas, e descrever cada passo e cada sentimento, de maneira a fazer com que o leitor absorva também toda aquelas informações que seriam absorvidas na vida real. Desse modo, para o leitor, cuja mente trabalha na velocidade normal, aquele momento também passa mais devagar, devido a toda a informação que tem que processar.

E, simples assim, você conseguiu frear o tempo.
Agora, vamos fazê-lo correr.

A lógica é bastante parecida, mas o procedimento é inverso. Lembre-se daquelas vezes em que você mal consegue se lembrar do que aconteceu. Lembre-se das vezes em que o mundo parecia estar se movendo tão rápido que tudo em que você conseguia pensar era no que fazer para entrar no mesmo ritmo. Normalmente, isso acontece quando temos um maior senso de urgência, algum instinto guiando a nossa cabeça. É normal que estejamos em alguma atividade que envolva esforço físico e/ou mental.
Isso acontece quando nossa mente é tomada por um instinto maior, uma preocupação que inibe a nossa capacidade de processar qualquer outra informação que não possa ser utilizada para aquele propósito instintivo. É algo muito comum quando somos movidos pelo que é chamado de “instinto da sobrevivência”, por exemplo. Vou explicar um pouco do seu poder para vocês entenderem melhor:
Você sabia que os salva-vidas são comumente treinados para abordar uma vítima de afogamento por trás e, antes de qualquer coisa, imobilizá-las? Isso porque, caso o salva-vidas se coloque ao alcance dos braços da vítima, ela tentará usá-lo como alavanca para subir à superfície, podendo, inclusive, afogar aquele que tentava lhe salvar. Normalmente, nesses casos, a vítima não tem memórias claras do que aconteceu. Ela não processa que na sua frente tem um homem. Tudo o que ela vê é algo que pode lhe trazer à superfície, onde ela pode respirar. Sua mente está focada unicamente em respirar para sobreviver.
Assim, a primeira coisa que precisamos ter para acelerar o tempo, é foco. Precisamos de algum objetivo claro na cena, algo importante em que se concentrar, capaz de ofuscar todo o resto, como faz o instinto de sobrevivência com a nossa mente. Em seguida, nós devemos nos preocupar em registrar apenas o que é importante para aquele objetivo, deixando de lado detalhes menores. Lembre-se de que a mente, nessas situações, é o mais objetiva e direta possível, portanto, nada de frases longas ou enrolações.
Observem a sequência de fatos a seguir:
“Ela pulou da janela do segundo andar sem olhar para trás. Caiu de joelhos, já estudando para a rua à sua frente. Pulou o primeiro carro e estava do outro lado da calçada quando os homens de preto a avistaram. Um deles tinha uma pistola na mão. Ela correu, esbarrando em algumas pessoas pelo caminho, tentando se esconder no mar de pessoas à sua frente. Correu pela rua sem saber o que fazer. Sentiu a respiração pesar e continuou correndo. Em um cruzamento, viu a porta de um caminhão de carga aberta, na rua ao lado. Fez a curva e pulou para dentro, sentando-se atrás de uma das caixas de madeira. Rezou para que tivesse conseguido se esconder antes que seus perseguidores tivessem virado a esquina.”
O parágrafo não é curto, mas você percebe a quantidade de coisas que aconteceram aqui? Nesse parágrafo, pode-se estimar, foram narrados alguns, se não vários, minutos de perseguição. E, ainda assim, isso tudo aconteceu até um pouco mais rápido que os segundos que a bola levou para atingir o rosto do menino lá em cima, lembra?
Nesses momentos, nós não queremos saber o modelo do táxi em que a personagem pulou enquanto estava fugindo dos bandidos pelo meio da rua, ou o sabor do sorvete que o menino, que parecia ter cinco anos de idade, derrubou quando ela esbarrou nele, correndo. Ela não precisa perceber o cheiro de repolho dentro do caminhão até que tenha sentado atrás das caixas para respirar fundo e se tranquilizar.
Tudo o que você deve registrar é o essencial para construir a cena que tem em mente, e, simples assim, os quinze minutos que ela levou para fugir do apartamento e encontrar um esconderijo terão se passado como um piscar de olhos, com muitos verbos, poucos adjetivos, e pouco espaço para o seu leitor respirar, enquanto apertamos o botão de fast forward.

E ai? Gostaram de brincar com o tempo?

Lembre-se, de nada adianta termos o poder se não soubermos quando e como usá-lo. Encontre o momento que você quer registrar com mais cuidado e detalhe bastante para reduzir a velocidade, e encontre o momento em que você precisa de foco para sobreviver e foque em apenas sobreviver. Use seus recursos com sabedoria e tudo correrá no tempo certo.

Os flashbacks e viagens ao futuro a gente discute em outro momento, beleza? Até mais!


4 comentários:

  1. Adorei! Certamente foi de grande valia, daqui pra frente enriquecerei muito mais meus textos. Gosto muito de usar do recurso de "frear o tempo" em algumas cenas, dá um lindo efeito às palavras. "Acelerar o tempo" é uma técnica que não utilizava, até porque não sabia como colocar em prática. Mas agora sim! Obrigada pelas super dicas!

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  2. Nossa esse texto foi de grande utilidade para mim.

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