POV - Perspectiva Infantil

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Por: Anne
Olá, pessoas da superfície terrena! Tudo bom com vocês? Hoje quem vem lhes falar sou eu, Anne, com a participação especial de minha primeira postagem no blog! Espero que lhes seja útil.
Outro dia eu estava olhando perguntas no Ask da Liga e me deparei com a seguinte: “(não sei se aqui é o lugar certo pra falar isso, mas...) Eu queria sugerir que, se possível, vocês fizessem um post pro blog sobre como escrever do ponto de vista de crianças. Seria uma grande ajuda pra mim, e espero que para outras pessoas também >3< Ah, e eu adoro o trabalho e esforço de vocês c:”.
Não sei quem a fez, mas queria deixar bem claro que foi essa sugestão que me deu a inspiração para esse post. Com o título alardeando o assunto de hoje e a sugestão desse anônimo camarada postada aí em cima, você já deve ter uma noção do que eu vou tratar hoje, certo?
Perspectiva Infantil: O que é?
Para explicar nossa Perspectiva Infantil, primeiro quero esclarecer o significado da sigla POV, que é bastante utilizada no âmbito das fics. POV é uma sigla da língua inglesa que abrevia “Point of View”, ou seja, ponto de vista. O POV é utilizado quando o autor quer trazer para a história (se a mesma já não for narrada assim desde o início) uma perspectiva do personagem, seja ele principal ou secundário. O que seria implantado nessa tal perspectiva, então? Na maioria das vezes, em POVs o personagem pode falar abertamente sobre o que sente acerca de determinado assunto, como vê determinada situação e, principalmente, como reage às mesmas. Essa interação mais direta com o personagem ajuda o leitor no quesito de identificação do caráter em questão, e é muito eficiente quando utilizada em fics/livros que envolvem psicopatia e outros transtornos mentais.
E isso finalmente nos leva ao nosso “POV infantil”. Um ponto de vista infantil numa história – seja em fics ou livros materiais – é um caráter ingênuo – e muitas vezes confuso – muito difícil de produzir. Um POV infantil tem que levar em consideração inúmeros fatores impostos pelo autor no caráter da criança para que fique bem desenvolvido, tais como:
Quantos anos tem o personagem?
  • A idade do personagem é um fator decisivo para o POV do mesmo. Levando em consideração os conceitos psicanalíticos, a criança, dependendo de sua idade, pode já obter conceitos de razão. O ideal é fazer uma pesquisa geral sobre as características de desenvolvimento de cada idade, para não errar na hora de elaborar o caráter do personagem e, por consequência, equivocar-se em sua perspectiva na história.
Qual é o meio em que ele vive?
  • O meio ambiente em que o personagem foi criado também é uma importante rotatória de seu POV. Tanto psicológica quanto fisicamente, o meio em que vive o personagem é decisivo para sua perspectiva pessoal. Digamos que eu tenha uma criança que nasceu e se criou numa fazenda no interior:
Consequentemente, o POV do personagem terá que se adequar à falta de toda uma rotina que nos é normal nas grandes metrópoles, e terá que conter detalhes rurais com os quais ele convive diariamente.
Agora, vamos supor que eu tenha uma criança nascida em uma cidade futurística:
Os objetos de costume do meio infantil terão se modificado drasticamente, como já fizeram de épocas passadas para a de hoje (pense nos tablets, computadores, celulares e outras tecnologias que surgiram da época de seus bisavôs para a sua), e isso terá que ser abrigado na narrativa.
Qual é sua história?
  • Principalmente o passado e presente do personagem devem ser levados em consideração. Mesmo as coisas mais simples e banais (como um trauma que a mãe pode ter sofrido durante a gravidez; um susto que levou; um desejo que não foi realizado) podem ser retratadas na personalidade e no POV dessa criança. Além disso, os fatos presentes também adequam muitos detalhes da perspectiva infantil; por exemplo: essa criança sofre Bullying? Essa criança recebe amor dos pais? Essa criança confia demais em estranhos? Caso a criança sofra abuso sexual, o que a levou a não desconfiar de nada? Seria sua personalidade ou apenas a ingenuidade infantil? E o que gerou esse abuso, quais foram os métodos que o estuprador usou para convencê-la a ir com ele? São inúmeras perguntas importantes e, talvez, esse seja o ponto que mais altera/forma o POV, tanto infantil quanto os demais.
A criança tem sua saúde mental completa?
  • Talvez esse seja o ponto mais delicado de um POV infantil. Caso a história envolva transtornos mentais, as pesquisas devem ser ainda mais acirradas e minuciosas. Se narrar um transtorno mental em condições normais já é difícil, imagine trazendo-o para o POV infantil! O grande quê da questão é ligar essa característica com os outros pontos já citados anteriormente. Um exemplo:
Eliana tinha cinco anos, vivia no meio rural, tinha TOC e sofreu abuso sexual. – Viu como cada detalhe vai influenciar no POV de Eliana? Se ela vivia no meio rural, o abuso sexual não ia ter consequências graves para o estuprador, pela falta de contato com forças superiores e de policiamento nas regiões mais pobres e afastadas da metrópole. Se ela tinha cinco anos, a idade da ingenuidade ainda não havia passado e, isso, imediatamente, se tornaria um trauma confuso na cabeça da criança. Se ela tinha TOC, esse transtorno se agravaria por conta do abuso e com certeza a tornaria diferente do que era. As pesquisas têm que vir bem completinhas aqui, e o mais importante é juntar todos esses pontos da sua fic para inserir no POV infantil o máximo de informações possível.
Como elaborar a minha narrativa?

A segunda parte do post se inicia com essa perguntinha difícil. Como elaborar uma narrativa de POV infantil? Imagino que, com as circunstâncias do personagem já trabalhadas na sua cabeça, essa parte flua com mais facilidade. Então vamos lá:
  • Narrar dentro do pensamento infantil é uma coisa, no mínimo, complexa. Pelo menos o que eu lembro sobre quando era criança não é nada simples. Lembro que, na minha ideia, os beijos de novela eram mentira, e os atores colocavam um tipo de fitinha especial nos lábios – invisíveis ante a ação das câmeras, pra disfarçar legal, é claro – para evitar o constrangimento da cena e não sentir os lábios se tocando. Lembro que pensava que minha vida era uma novela improvisada, e que os telespectadores iam, uma hora ou outra, revelar-se a mim e aos demais participantes. As crianças pensam coisas loucas, improváveis e bobas – mas é claro que a idade também influencia demais nesse quesito –, então é importante ressaltar isso na narrativa e evitar construir um Pedrinho de sete anos que já consegue bolar frases de naipe pra discutir com o Seu Alceu, de quarenta e dois. O personagem pode ter uma inteligência intrigante? Pode, sim... Acho até interessante! Mas sem sair dos aspectos infantis, por favor, e analisando os assuntos que serão tratados com essa tal inteligência, porque acho que ninguém espera ver um Pedrinho de sete anos (ainda que inteligente) discutindo sobre política com o Seu Alceu.
  • A linguagem infantil também não pode fugir do seu POV, viu? É importante saber que a criança utiliza uma linguagem amena, simples e livre de complicações. Nada de fazer o Pedrinho falar “Nós nos encontramos ontem e sentamos para conversar sobre o José”. O Pedrinho de sete anos geralmente fala assim: “A gente se encontrou ontem e sentou pra bater um papo sobre o José”. Mas não vá também colocando esse tipo de linguagem pra qualquer criança, tá? Espere aí. Como eu disse anteriormente, todas as características já construídas valerão nessa fase de narrar o POV infantil; ou seja: se você construiu um Pedrinho nascido na Europa e desde cedo matriculado em internatos dos mais altos níveis, a linguagem também não pode vir fantasiada de dialeto comum de molequinho do morro. Tente fazer pesquisas acerca disso, também.
  • A situação em que esse POV virá na história também influencia muito o dialeto e as ações da criança. Acho que com qualquer personagem, aliás, e não só com crianças, essa circunstância pode beneficiar ou danificar um POV. Por exemplo: se a mãe da criança acabou de morrer num acidente de carro, não terá sentido fazê-la falar com todas as capacidades cognitivas intactas (mesmo que ainda usando o dialeto infantil e mais informal). Você tem que saber “interpretar” aquele personagem na narrativa e fazê-lo sentir realmente as circunstâncias que lhe rodeiam. É inútil tentar fazer um POV funcionar sem utilizar as circunstâncias para moldar seu personagem; o caráter não vai ficar incólume em todas as situações. Se já foi dito no início do capítulo que a criança tem asma, quando, no final, ela sofre um forte impacto, essa asma tem que vir à baila e fazer seu papel. Com qualquer POV é importante fazer isso, viu? Também vejo muitos autores errando nessas circunstâncias (não sei se é falta de pesquisa ou só desleixo): dizem que o personagem gagueja, mas só o fazem gaguejar na frente da garota dos sonhos, se esquecem de fazê-lo gaguejar também no cotidiano. Se o personagem tem algum problema/deficiência, não se pode escolher horas específicas para elas aparecerem.
Indicações de POV:

Acho que essa vai não só para quem quer narrar POVs infantis, mas para todos os autores que narram POVs, no geral. Se sua narrativa tem POV desde o início e só é narrada em um, pule esta parte. Mas, caso você queira incluir POVs apenas em alguns capítulos, ou variá-los diversas vezes em um só, isso é pra você:
Como indicar que vou narrar em POV?
Na verdade, acho que não há um jeito correto para fazer essa indicação. Cada autor tem sua maneira. Mas, além de dar alguns exemplos de como fazê-lo, também quero deixar claro alguns meios de indicar POV que não acho legais (por opinião própria). Já viu autores que, quando vão narrar em POV, indicam assim: “Fulano ON/Fulano OFF”? Não acho isso legal. Acho meio irreverente para narrativas, mesmo que sejam apenas fics e que não haja o desejo de transformá-las em livros algum dia. Pra mim, isso é como utilizar “Huehue” – uma linguagem de internauta em uma história. Outra coisa que não acho muito interessante: indicar que vai começar a narrativa em POV, assim: “POV de Fulano”. Acho muito discrepante, sabe? Então, vou colocar aqui alguns exemplos que me são agradáveis, e que, inclusive, já vi sendo utilizados em livros com POVs de vários personagens (principais ou não):
  • Quando o POV é divido por capítulos (um capítulo é narrado com o POV de um personagem, o outro é narrado com outro POV e assim por diante):
Eliana - como título do capítulo;
(e narrativa segue normal).
  • Quando o POV entra em 1° pessoa, depois do narrador observador:
(narrativa em narrador observador)....
- parágrafo
Eliana
(narrativa de Eliana).
  • Quando o POV vem como pensamento do personagem:
(narrativa normal)
Vou matá-lo!, ela pensou. (<- o POV em itálico e descrito como numa fala normal, com parágrafo e travessão).
(narrativa prossegue).
*
Bom, é isso! Obrigada pela atenção e espero que lhes tenha sido útil. Vocês têm outras maneiras para narrar/indicar POVs? Deixem nos comentários!

Fontes utilizadas:
Experiência própria;

4 comentários:

  1. Olá... Eu já tive dificuldades nisso, mas eu adotei uma pratica sobre PDV infantil e nunca mais tive problemas com isso. Eu escrevo (e posto) fics desde os 11 (Eu tenho 17 agora) e o meu problema na época era extamente o contrário escrever PDV adulto pra mim era quase impossivel, eu chegava a excluir acontecimentos importantes pra não ter o risco de ter que escrever PDV adulto. Hoje em dia quando tenho que escrever Perspectiva infantil eu leio meus antigos trabalhos, ajuda muito. Mostra de como eu pensava naquela época e pra mim o que era prioridade, já que eu costumava me basiar em situações do meu cotidiano. Meus leitores sempre elogiaram e pediam dicas sobre isso, eu apenas recomendava que lessem perspectivas de livros infantis... E eu tenho uma pergunta sobre isso... Eu estou errada?

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    1. Não. Acho que é um bom método, e se resulta contigo, continua a usá-lo :D

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  2. Nossa, muito legal mesmo. Gosto de algumas histórias com POVS e acho que esses instrumentos deixam a narrativa (e a leitura, consequentemente) muito mais rica e interessante.

    Pessoalmente, gosto muito quando o escritor me faz perceber a mudança de POV sem necessáriamente indicála previamente. Quando um novo capítulo começa, um novo narrador entra, e o escritor muitas vezes nem precisa anunciá-lo. A sua voz é tão diferente da anterior, que posso ver a mudança sem nada mais do que o novo tom de narração. Acho que, ao menos para mim, esse é o modo mais interessante de narrar uma mudança de POV.

    Sobre a perspectiva infantil, tenho uma one shot construida 100% em um POV de uma criança de pouco mais de um ano e foi uma das coisas mais difíceis que já escrevi. Ainda não me satifiz totalmente com o resultado, mas aceitei que, tendo em vista que eu não tinha a opção de fazê-lo um pouco mais velho, tive que tomar certas liberdades com o pensamento de um bebê... Ainda assim, o resultado me pareceu positivo no geral.

    Me deliciei com o post, de verdade! Valeu por ter postado! =)

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  3. Tenho, no computador, uma história comprida que fiz quando tinha nove anos! O que eu percebi relendo foi que crianças preferem personagens animais, têm uma escrita bem "seca", com pouca capacidade descritiva. Também não sabem desenvolver bem a história, ou seja, iriam preferir uma situação comum o tempo todo, que se desenvolva em um capítulo e depois volte à estaca zero, como os desenhos animados: você não precisa assistir a todos os episódios para entender o atual, não é?
    Quando eu escrevia, gostava muito de criar discussões entre os personagens e de histórias engraçadas.
    Teve uma vez que a minha personagem (que, aliás, era uma galinha) queria construir um castelo de areia em que ela coubesse, tipo um forte para poder se proteger de um cachorro que ela não gostava (mas ela mesma irritava o cachorro, e depois se achava no direito de protestar contra a reação dele). Os amigos acabaram indo de má vontade, mas ajudaram só por causa do entusiasmo da que queria. No fim, o forte acabou destruído sem nem estar pronto (mas teve um final engraçado). Isso surpreendeu a mim mesma quando li, pois geralmente era isso o que acontecia quando eu tentava fazer algum projeto grande demais para minha capacidade. Essa personagem refletia minha personalidade, que era muito criativa e curiosa, além de teimosa.

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