A personagem (1/2)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Por Letícia Silveira

“Eu vejo o escritor como um ouvinte. No caso da reportagem, ele é um ouvinte de personagens externos, de personagens que estão na vida real. E quando a gente faz ficção, a gente é um ouvinte de personagens internos.” Eliane Brum

            

Quando criamos uma personagem, temos sempre uma ideia geral da função que ela terá no livro; entretanto, a sua personalidade e o entendimento feito pelo leitor são dados através da sua indispensável caracterização. Logo, ao analisarmos que as personagens são as agentes das ações e que as ações são os atrativos para o leitor prosseguir com a sua leitura, percebemos a importância desses operadores da narrativa.

Ao refletirmos sobre os nossos livros favoritos, reparamos que a forma como as personagens agem, falam e pensam ajudam a tornar a história mais crível, o que gera certa conexão entre o leitor e o livro. Por isso, à medida que os desejos, as motivações, as frustrações, as intenções, entre outros, são investigados pelo ledor e servem de elementos atrativos a ele, a parte psicológica é a principal na caracterização de personagens. Assim, ainda que pensemos primeiro nas formas físicas deles, temos de dar prioridade à psicológica, que influenciará tanto no rumo da história quanto na conexão com aquele a quem destinamos a leitura.

Tendo o processo de caracterização, mediante as particularidades psicológicas, a meta de tornar mais realista à personagem, temos de enfatizar a ideia de que queremos dar características mais humanas aos personagens (independentemente de eles serem sobrenaturais ou não). Entretanto, não devemos começar querendo fazer algo muito complexo ou complicado: temos de dar prioridade aos seus caráteres que influenciarão o enredo.

Entendido isso, o processo de caracterização deve compreender a existência de dois tipos de personagens: as simples e as complexas. Assim, temos:



1. Personagens simples: são fundamentados em um traço principal da sua personalidade, que se repete diversas vezes durante a narrativa. Podem não mudar a sua forma de ser, permanecendo assim do início ao fim da história, sendo previsíveis (nesse caso, são chamados de personagens planas). Também podem funcionar como caricaturas de uma profissão, classe social ou comportamento (nesse contexto, são personagens tipo). Quando bem trabalhados, cumprem o importante papel de contrastar com personagens complexos, servindo de referencial à sua transformação durante a narrativa. 
2. Personagens complexas: expressam a complexidade da natureza humana com as suas ambiguidades, contradições e mistérios. Diferentemente das personagens simples, estas são imprevisíveis, possuem grande vida interior e tendem a mudar o seu modo de ser durante a narrativa. As grandes histórias são construídas ao redor delas, pois elas são responsáveis por dramatizar o tema da história. Além disso, as metáforas feitas por essa pessoa, normalmente, tratam-se da forma como o escritor vê o mundo.

Além de ser fundamental sabermos a qual categoria pertence o nosso personagem, temos de nos perguntar mais três coisas e respondê-las:




1. Quem é esse personagem? Reflitamos sobre os aspectos físicos (cor dos olhos, pele, cabelo, estatura, peso, porte), psicológicos (traumas, medos, segredos, atitude, personalidade, experiências) e culturais (roupas, hábitos, costumes, crenças). 

2. O que ele deseja? Qual é o seu objetivo? E qual é o seu papel no enredo e a sua influência sobre os demais?

3. Qual é a sua motivação? O que o move? O que o influencia? É o seu objetivo? É o seu status social? O personagem está em busca de se autoconhecer? Ou de um sentimento para seguir vivendo?

           
Entretanto, evitemos vir com essa de "ele era alto, moreno, forte" e não sei mais quantos adjetivos seguidos fornecidos pelo narrador. Esse tipo de caracterização se denomina caracterização direta, em que o leitor recebe diretamente o caráter e a fisionomia do personagem. Ela também pode ser feita através de monólogos, cartas, canções, sonhos e afins ou através de falas ou pensamentos de outros personagens ou de si mesma.

Porém, ainda que seja desafiante, através da caracterização indireta, podemos influenciar descobertas ao leitor através das ações dos personagens. Deixemos que o leitor desvende os agentes através da leitura. Usemos o cenário para dar esse gosto ao interessado, especialmente no lugar de escrevermos flashbacks e descrições que sejam redundantes ou que afastem o leitor da ação que está acontecendo e que é verdadeiramente importante.

Essas pistas podem vir através do local de trabalho, da residência humilde ou de um estranho hábito que implica uma característica atual. Por exemplo, o simples fato de citarmos que o personagem Xis entrou em um quarto desorganizado onde só dava para acessar a sua cama, em que ele dormiu por várias horas seguidas, demonstra que Xis é bagunceiro e dorminhoco.

Além desses dois tipos, existe a caracterização mista, que é a forma mais comum em romances. Há certo balanceamento entre a caracterização direta e indireta; medindo, como sempre, os exageros.

Enquanto pensamos nas características de cada ser da história, também devemos refletir sobre o seu papel para a trama. Logo, temos de saber as opções que podem ser dadas a eles. Não é necessário, todavia, que incluamos todos juntos em uma mesma história, mas existem oito níveis de importância dos personagens. São eles:


1. Protagonista: tudo gira ao seu redor. Reparamos já que isso soa um pouco egoísta, mas essa característica será dada por nós mesmos, os escritores. O protagonista é o eixo da história, aquela pessoa mais bem desenvolvida na narrativa.

2. Personagem central: pode ser ou pode não ser o próprio protagonista. O personagem central se encarrega por despertar maior curiosidade ao leitor, por instigá-los a continuar lendo. E essa é, justamente, a maior diferença se comparado ao protagonista. O último envolve o leitor, principalmente, pela ação enquanto o primeiro instiga curiosidade.

3. Coprotagonista: em uma metáfora, seria o ajudante do super-herói. O coprotagonista ajuda o protagonista a atingir a sua meta, normalmente tendo uma relação próxima com o principal.

4. Antagonista: é o que chamamos de vilão nas novelas brasileiras e mexicanas. É aquele ser que complica a vida do protagonista ou representa uma ameaça à coisa almejada pelo principal.

5. Oponente: é o ajudante do antagonista. Ele auxilia o antagonista a dificultar a vida do protagonista.

6. Falso protagonista: é uma personagem que é posta na trama para enganar o leitor. Ela finge ser a protagonista, mas, durante a trama, se revela quem é a verdadeira, dando um efeito surpresa à narrativa.

7. Coadjuvante: é uma personagem secundária que auxilia, complicando ou ajudando, no desenvolvimento da história.

8. Figurante: é uma personagem que é utilizada para compor o cenário, sem ter interferência alguma no enredo (senão, seria coadjuvante).

Também podemos classificar a existência de personagens em quatro tipos:


1. Real ou histórico: com certo grau de fidelidade, são tentativas do autor de reproduzir pessoas que já existiram.

2. Fictício ou ficcional: são fundamentados em pessoas reais, vivendo histórias que poderiam acontecer.

3. Real-ficcional: são personagens reais, mas com algumas características fictícias.  
4. Ficcional-ficcional: normalmente presentes em gêneros de ficção científica, fantasia e terror, são personagens totalmente ficcionais com características (tanto físicas quanto psicológicas) só possíveis no contexto imaginativo da ficção.

Relembrando o que foi dito anteriormente, é importante deixarmos, pelo menos, o protagonista com características humanas para o leitor crer no nosso ser fictício. Se ele o fizer, quererá continuar lendo a narrativa para ver como essa pessoa com quem ele se identificou houve certa identificação terminará. Claro que podemos inserir seres ficcionais-ficcionais, mas não podemos afastar muito o leitor com o excesso deles.

Se vamos escrever as características das personagens antes da história ou se as identificarmos durante, é indiferente. Isso se trata de preferências de cada escritor, não há uma fórmula exata — como tudo na escrita. Apenas é evitável alterá-los radicalmente e sem propósito algum. Prever as características e as ações ajuda nesse processo de roteiro. Além disso, é importante equilibrar a lógica e as emoções e saber discernir o que é excesso de informação e se essa é essencial para o texto ou não. Lembremos sempre: quanto mais limpa a narrativa, melhor.

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Fontes:
http://criarmundos.do.sapo.pt/Literatura/pesquisabasesliteratura023.html
http://blog.vanessasueroz.com.br/caracterizacao-de-personagens/
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=598&Itemid=2
http://ficcao.emtopicos.com/criar-personagem/caracterizacao/
http://ficcao.emtopicos.com/criar-personagem/classificacao/
http://ficcao.emtopicos.com/2011/09/dica-personagem-flashback/
http://ficcao.emtopicos.com/2012/08/eliane-brum-escutar-personagens/




Letícia Silveira é vestibulanda, beta-reader, ficwriter e colaboradora das aulas do NYAH! Fanfiction junto à Lady Salieri. Indecisa sobre qual carreira deve seguir, segue em busca de respostas ainda que as tema escutar.

2 comentários:

  1. Adorei o post. Na minha produção que ainda está no 2 cap. já tem o protagonista - ainda bem, né por que se não como seria? - um personagem central e uma coprotagonista. Só tem três personagens ainda e claro, já estava me esquecendo... muitos figurantes. Rsrs.
    Só seu post mesmo pra me persuadir a anotar as características dos meus personas, mas é bom vai que eu me esqueço. Rsrs

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  2. Puxa, gostei bastante. Explica muito bem e nos faz "achar" o lugar de cada personagem, o que ajuda bastante na história. Realmente muito bom! Só tem uma coisa que eu não entendi muito bem... Tipo, eu criei um personagem que é um humano normal. Só que eu não me copiei alguém que já existe, nem me baseei. Qual tipo de existência ele teria?

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